Tavares e Zhu assinam entrada da Stellantis na Leapmotor

27/10/2023. Carlos Tavares, o português que lidera o grupo automóvel Stellantis, tomou uma decisão drástica e comprou 21% da Leapmotor, uma “start-up” chinesa especialista em fazer carros elétricos e híbridos. Quais as razões e as consequências desta iniciativa são discutidas em mais uma Crónica à 6ª feira no TARGA 67, assinada por Francisco Mota.

 

Se não os podes vencer, junta-te a eles. Esta parece ter sido a máxima que serviu de mote à última iniciativa de Carlos Tavares, enquanto líder do grupo automóvel Stellantis, que aglomera 14 marcas de automóveis da Europa e EUA.

A mais recente aquisição de Tavares foi uma quota de 21% na “start-up” chinesa Leapmotor, especialista em fabricar automóveis elétricos e híbridos a custos reduzidos. Isto, depois de todas as posições que o português tomou nos últimos meses, alertando para o perigo da invasão da Europa por marcas chinesas de automóveis elétricos de baixo preço.

Parece que Tavares se rendeu à evidência do avanço dos construtores chineses no setor dos automóveis elétricos, face aos europeus e, segundo as suas próprias palavras, “podemos beneficiar desta ofensiva chinesa, em vez de sermos as vítimas.”

Esta compra vai permitir à Stellantis vender carros elétricos baratos e também aceder a tecnologia que lhe permita entrar nos segmentos mais acessíveis deste mercado, que não para de subir.

Já em 2024

A Leapmotor vai chegar oficialmente à Europa no segundo semestre de 2024, apesar de um dos seus modelos já ser vendido em França através de um importador local. Nessa altura, a Stellantis poderá até fabricar os modelos da Leapmotor em várias das fábricas do grupo, espalhadas pelo mundo, se a Comissão Europeia decidir aplicar taxas aos elétricos feitos na China.

Para o efeito, a Stellantis vai formar uma “joint-venture” com a Leapmotor, a Leapmotor International, com sede nos Países Baixos, da qual deterá 51%. Esta empresa terá o exclusivo da fabricação e comercialização de modelos Leapmotor fora da China. Mais uma forma de evitar as referidas taxas que se esperam da Comissão Europeia.

Investigação inútil

Recorde-se que há poucas semanas, a Comissão Europeia resolveu lançar uma investigação às suspeitas de subvenções do Estado chinês aos produtores locais de veículos elétricos que os exportam para a Europa, subvertendo assim as leis da livre concorrência. Uma iniciativa que Tavares considera inútil.

Segundo o líder da Stellantis, o resultado dessa investigação pode ser “uma má desculpa para não fazer as coisas certas à velocidade certa, para concorrer com os rivais chineses.”

Esta medida da Stellantis representa uma mudança radical de estratégia. Até agora, o grupo tinha utilizado as obrigatórias sociedades com parceiros locais para se implantar na China. Mas as vendas das suas marcas ficaram aquém das expetativas.

Ao ponto de, há poucos dias, o grupo ter anunciado que ia deixar de fabricar automóveis na China. Esta nova estratégia reposiciona o grupo no maior mercado automóvel do mundo, com Tavares a justificar a mudança de atitude de forma muito clara: “Daqui a dez anos, não vamos querer pensar que perdemos uma fatia do maior mercado do mundo.”

Cavalo de Tróia?

Alguns analistas confrontaram Tavares com a possibilidade de este negócio poder ser um cavalo de Tróia para facilitar a entrada de construtores chineses como a Leapmotor no mercado europeu. Tavares nega essa possibilidade, garantindo que a Stellantis ficará com o controlo das exportações para a Europa.

Para o português, este investimento de 1,5 mil milhões de euros vai garantir uma parte do lucro no negócio da fabricação e venda de automóveis elétricos de conceção chinesa, sejam ou não feitos na China. Fica com dois lugares no conselho de administração e nomeia o CEO da Leapmotor International.

O que é a Leapmotor?

A Leapmotor foi fundada em 2015 por Jiangming Zhu, engenheiro da área da eletrónica com três décadas de experiências. É especializada na construção de automóveis NEV (New Energy Vehicles) que é uma maneira de dizer elétricos e híbridos plug-in.

produção em 2022 ficou-se pelas 111 000 unidades, mas as suas vantagens são uma grande integração vertical, dominando várias áreas da produção e aposta em tecnologias de vanguarda, como a da caixa da bateria fazendo parte da estrutura monobloco.

A Stellantis não foi a primeira a avançar para um investimento numa marca chinesa pouco conhecida fora do país. O grupo Volkswagen já tinha investido cerca de metade, 700 milhões de dólares, na Xpeng, em troca de 5% das ações da empresa, anunciando o desenvolvimento de dois novos modelos para contrariar a descida das vendas no mercado chinês.

Mudança de estratégia

Quando, há mais de dez anos, as marcas ocidentais rumaram à China, em busca de marcar uma posição num mercado que já se esperava vir a ser o maior do mundo, entregavam “know-how” de engenharia às empresas locais, com as quais a lei local obrigava a que estabelecessem parcerias.

Na altura, muitos diziam que os chineses aproveitariam para aprender e rapidamente estariam a fazer eles igual ou melhor. Pelos vistos foi mesmo isso que aconteceu, juntando-se a outro fator.

A sua intuição para o negócio, qualquer negócio, levou os construtores chineses de automóveis mais longe e mais depressa do que muitos esperavam. Além disso, queimaram etapas e apostaram cedo nos elétricos.

Que vantagens para os europeus?

Que consequências poderão advir destes investimentos da Stellantis e da Volkswagen? Não me parece que a Stellantis ou o Grupo VW venham a aprender alguma coisa que não saibam, em termos de construir um carro elétrico.

As vantagens dos chineses nesta área não têm a ver com engenharia de excelência, têm a ver com uma experiência do negócio que alguns consideram estar 10 anos à frente dos construtores europeus.

Tem a ver com uma rede de fornecedores bem oleada e acesso a baterias em condições vantajosas. Tem também a ver com o custo baixo da mão-de-obra local e, claro, com os apoios que o Estado chinês tem dado a este setor há vários anos. A Stellantis fala de um “ecossistema.”

Conclusão

Por tudo isto, parece-me que os investimentos da Stellantis e da Volkswagen estão mais próximos de uma operação financeira do que propriamente em alguma coisa relativa a engenharia. Parece ser mais uma questão de tentar não perder o comboio, mesmo que só tenham comprado bilhete de segunda classe.

Francisco Mota

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