13/19/2023. Foi esta semana apresentada a proposta de orçamento de estado para 2024, com alterações ao IUC para carros anteriores a 2007, que beneficiam também da reintrodução do incentivo ao abate. O objetivo é diminuir a idade média do parque rolante no nosso país, mas serão estas as medidas certas? Temas de discussão em mais uma crónica à 6ª feira no blog TARGA 67, assinada por Francisco Mota.

 

À exceção dos entusiastas de carros clássicos, julgo que poucas pessoas têm um carro com 16 anos ou mais porque querem. Em muitos casos, são pequenos utilitários do início do século (ou até mais antigos) os únicos a que alguns condutores têm possibilidade de adquirir.

O seu orçamento não chega para mais e isso tem até distorcido o mercado de usados no nosso país, com a procura por esse tipo de usados a crescer e a levar os preços a ser inflacionados pelos vendedores.

É uma realidade muito portuguesa que tem levado ao ressurgimento da importação de usados de outros países, para alimentar a procura interna.

Idade média de 13,5 anos

A média de idade do parque nacional de automóveis ligeiros de passageiros anda por volta dos 13,5 anos, mas a estatística pode ser enganadora, quando se sabe que as vendas para frotas de empresas e “rent-a-car” representam cerca de dois terços do mercado.

Este setor do mercado renova frotas ao fim de contratos que usualmente são de quatro anos, contribuindo por isso para que a idade média do parque não seja ainda mais alta. Sem ter dados concretos, não será difícil estimar que, para os compradores privados, a idade média dos seus automóveis ande perto dos 20 anos. Ou mais…

Se os 13,5 anos médios já são uma idade avançada para o parque automóvel nacional, que dizer da grande percentagem de carros com mais de 20 anos que circulam diariamente nas nossas vias?

Poluição e segurança

Há 20 anos, os motores e sistemas de depuração de gases de escape estavam longe da eficiência que têm hoje, emitindo mais poluentes para a atmosfera. Disso ninguém tem dúvidas e nem falo em particular do CO2.

Há 20 anos, os sistemas de proteção em caso de acidente, a chamada segurança passiva, também estava longe dos padrões exigidos hoje em dia e os sistemas eletrónicos de ajuda à condução, a segurança ativa, eram muito raros.

Emissões poluentes mais altas e segurança mais baixa são razões mais que suficientes para que sejam tomadas medidas para tirar da estrada modelos com 20 anos de vida e substituí-los por carros novos.

O problema é que os utilizadores desses carros, em muitos casos, não têm capacidade financeira para passar de um carro com valor de mercado a rondar os 2 000 euros, ou menos, e passar para um carro novo que, por mais modesto que seja, dificilmente fica muito abaixo dos 20 000 euros.

Incentivo ao abate

É preciso que o Estado tenha uma intervenção, como já teve no passado, nomeadamente através de esquemas de incentivo ao abate, o que está previsto na proposta do orçamento de estado para 2024. É uma medida urgente.

Uma medida que, por esta altura, devia estar mais que definida, com todos os contornes definidos e clara o suficiente para que os proprietários dos tais carros com mais de 16 anos pudessem começar já a fazer contas e ver a que carro poderiam “chegar”.

Mas não. O que é anunciado, pelo menos por agora, são os valores globais da operação, quanto o Estado vai gastar e quantos carros pensa que a medida pode beneficiar. Não se sabe qual o valor por carro abatido com que cada proprietário pode contar, nem a maneira como o poderá fazer.

É dito que esse valor, mediante a entrega do carro antigo para abate, só poderá ser usado para comprar carros elétricos novos ou usados até quatro anos. Ou carros com motor a combustão novos ou usados até quatro anos, desde que tenham baixas emissões. Também não é especificado a quantas gramas/km de CO2 isso corresponde.

O valor, que ninguém sabe quanto será, poderá também ser usado para a compra de meios de transporte de duas rodas elétricos ou ser depositado numa conta de mobilidade e ser gasto para bilhetes e passes de transportes públicos. O que não augura nada de bom relativamente ao que será o valor do incentivo ao abate.

A subida do IUC

Uma medida de incentivo ao abate de carros velhos é teoricamente positiva, dependendo do valor atribuído para a ajuda à compra de um carro novo. Mas quando olhamos para o mercado e vemos que a maioria dos utilitários elétricos custam mais de 30 000 euros, será improvável que esta seja o caminho possível para muitos compradores.

Bem ao estilo da política portuguesa, uma medida como esta de “abanar a cenoura” não podia deixar de vir acompanhada por outra mais ao estilo da “chicotada”. Premiar nunca chega, é sempre preciso punir.

Estou a falar da polémica da subida do IUC, não só da que se refere à atualização devido à taxa de inflação, que vai atingir os carros de todas as idades, mas a subida específica para os fabricados antes de 2007.

Na proposta do orçamento de estado diz-se que, neste momento, estes carros não pagam IUC relativo às suas emissões, mas apenas o relativo à cilindrada, ao contrário do que acontece com os fabricados depois de 2007. Por isso, é proposto começar a fazer isso já em 2024.

Vai subir todos os anos

A proposta diz que o processo vai ser gradual, começando em 2024 a pagar-se uma fração daquilo que corresponderia às suas emissões, num total limitado aos 25 euros. Depois, essa parcela relativa às emissões vai subindo ano após ano, até se atingir o valor total que corresponde às emissões de cada modelo.

O efeito desejado parece ser o de tornar a utilização destes “carros velhos” incomportável para os seus utilizadores, ou pelo menos deixar de ser rentável. Obriga-se assim a entregar estes carros para abate e comprar carros mais recentes.

Não vou discutir os grandes números da medida, nem a lógica da própria medida, que pouco diz a quem se depara com uma realidade muito simples.

Precisa de um carro para se deslocar, muitas vezes para o trabalho, não tem dinheiro para comprar um carro mais novo e mais caro e agora depara-se com o cenário de ter que pagar mais IUC todos os anos.

É preciso ver que, muitos destes “carros velhos” são a única forma de transporte diário de muitas pessoas que têm de se deslocar para os seus empregos, para locais e/ou a horas que não são cobertas de forma adequada por alternativas de transportes públicos. Não têm plano B.

Conclusão

Falta saber o valor do incentivo ao abate e os seus detalhes. Mas estas duas propostas de medidas arriscam-se a criar um efeito perverso. Carregar com mais taxas quem já tem dificuldades para pagar todas as outras e manter na estrada os carros velhos. Sem capacidade financeira para pagar a mensalidade de um carro novo de 20 000 ou 30 000 euros, os utilizadores dos carros anteriores a 2007 vão resignar-se a pagar mais 25 euros em 2024. Depois, logo se vê.

Francisco Mota

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