15/3/2024. A Honda e a Nissan anunciaram uma “joint-venture” para construir modelos elétricos, com o objetivo de combater o crescimento da Tesla. Mas a aproximação dos dois construtores pode não ficar por aqui. Tema de discussão de mais uma Crónica à 6ª feira no TARGA 67, assinada por Francisco Mota.
A conferência de imprensa promovida pela Honda e Nissan teve os ingredientes habituais: frases otimistas, declarações de princípio, apertos de mão e sorrisos para as câmaras. O motivo era o anúncio de uma “joint-venture” (JV) entre os dois construtores para área dos modelos elétricos.
Foi assinado um memorando de entendimento pelos dois CEO, Makoto Uchida, da Nissan e Toshihiro Mibe, pela Honda. O objetivo do documento é unir esforços para combater o crescimento da Tesla e dos fabricantes chineses de automóveis elétricos.
A ironia…
A ironia da situação fica aparente se recuarmos a 1 de Agosto de 2009, quando a Nissan apresentou o Leaf, o primeiro familiar 100% elétrico do mundo para produção em massa. Na década seguinte, a marca japonesa liderou confortavelmente este segmento que se expandia lentamente.
A verdade é que a Nissan não conseguiu gerir o seu investimento precoce e, em vez de surfar a onda dos elétricos, acabou por ser submergida por ela e pelos seus rivais. A história da indústria automóvel tem destes casos, em que nem sempre compensa ser pioneiro.
A JV com a Honda
Quinze anos depois, a Nissan vê-se na contingência de se aliar a outro construtor para conseguir subir no ranking das vendas de automóveis elétricos. A JV agora anunciada prevê a partilha de “e-axles” (eixos elétricos) com a Honda, mas também baterias, software e até plataformas.
Para já, não há planos para vender modelos iguais nas duas marcas, apenas com a troca de símbolo. Mas algo do estilo não está completamente afastado.
Para já, os dois CEO não avançaram com outro tipo de medidas de ordem financeira, como a compra cruzada de ações, por exemplo. Mas Mibe, deixou no ar uma pergunta preocupante: “Poderemos sobreviver?…”
O próximo passo?
Há um grupo de trabalho a estudar a viabilidade de outras partilhas entre as duas companhias. E a urgência de chegarem a resultados parece óbvia, dada a ameaça que vem da Tesla e da China.
O executivo japonês afirmou que “até 2030, teremos que estar no grupo da frente” entre os principais protagonistas da indústria automóvel mundial. Isto apenas para se manterem no negócio.
O objetivo é poupar o máximo com as compras aos fornecedores, entre os quais a Hitachi poderá ser a cola desta JV, pelas relações próximas que tem com ambos os fabricantes.
Várias regiões
Há a intenção de colaborações não só no Japão, mas nas regiões América e Europa. No primeiro caso porque ambas as empresas têm grandes operações nas Américas e, no segundo caso, porque a procura de veículos elétricos na Europa está a crescer a um ritmo muito forte.
As culturas internas são diferentes, com a Honda a promover uma relação de colaboração com os seus fornecedores, enquanto a Nissan dá prioridade ao confronto. Ainda assim há uma maior proximidade do que existia entre a Nissan e a Renault, na Aliança que também inclui a Mitsubishi.
Aliança perdeu fôlego
Desde que Carlos Ghosn foi preso em 2018 que a Aliança perdeu fôlego e os planos do carismático líder de fazer uma fusão entre as três marcas ruiu. O ambiente de guerra interna terá terminado quando foi restabelecido um equilíbrio entre as participações cruzadas de capital entre a Nissan e a Renault, cada uma agora tem 15% da outra.
Mas as iniciativas industriais foram esmorecendo. A ponto de a Nissan ter que procurar outros parceiros, que não a Renault, para melhorar a sua oferta de modelos elétricos. A partilha de plataforma entre o Megane E-Tech e o Ariya não parece ser suficiente.
Um novo grupo?
Do lado da Honda, também havia planos de uma JV com a GM para a produção de veículos elétricos acessíveis, mas o acordo acabou por ser rasgado. A Honda ainda tem um entendimento com a Sony para a produção de um carro elétrico.
Será esta JV entre a Nissan e a Honda o primeiro passo para a formação de um grupo industrial mais coeso? Nenhum dos CEO afastou por completo essa hipótese, mas ficou claro que o orgulho continua a ter muita importância nas relações entre líderes de grandes empresas japonesas.
O ranking atual
Em 2023, a Honda vendeu 4,1 milhões de automóveis em todo o mundo, sendo o segundo maior construtor japonês e deixando a Nissan em terceiro lugar, com 3,55 milhões. Somados, valem 7,65 milhões de carros por ano. Mas ainda ficam muito longe dos 9,45 milhões da Toyota.
A Toyota nunca quis formar o seu grupo industrial com outras marcas, mas detém participações importantes na Subaru, Mazda e Suzuki, além de parcerias industriais relevantes. Uma das mais curiosas é a venda do Mazda 2 a gasolina como Toyota Yaris, nos EUA.
Os planos anunciados
A Honda é o único construtor japonês, até agora, a comprometer-se publicamente com o fim da produção de automóveis com motor a combustão até 2040, data a partir da qual só venderá 100% elétricos e Fuel Cell, no âmbito do seu plano Honda 0 Series que terá inicio já em 2026.
A Nissan também anunciou a terceira geração do Leaf e a passagem do Qashqai e Juke para 100% elétricos, dentro do seu programa EV36Zero, tudo a começar em 2026. Ainda em 2024, veremos o Micra a passar a elétrico, feito com base no novo Renault 5 elétrico.
Conclusão
Se a Honda e a Nissan se juntarem num novo grupo, certamente que aumentam a sua relevância e o seu poder negocial face aos fornecedores, com potencial de baixar preços. Um passo que se pode revelar inevitável para conseguir responder à ofensiva da Tesla e dos chineses nos segmentos mais acessíveis.
Francisco Mota
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