9/2/2024. O governo francês quer promover a entrada da Renault no grupo Stellantis e tem razões fáceis de entender. Mas o governo italiano tem queixas do grupo liderado por Carlos Tavares. Temas para discussão na Crónica à 6ª feira desta semana, assinada por Francisco Mota.

 

Na semana passada, uma entrevista de Carlos Tavares deixou no ar a possibilidade de o grupo Stellantis, que lidera, estar interessado em juntar-se à Ford e/ou à General Motors. É assumido que um plano de expansão é considerada a única maneira que as marcas ocidentais têm de resistir à invasão dos construtores chineses.

O CEO português deu algumas pistas do como e do porquê desse interesse da Stellantis nas duas empresas americanas. Pode ler tudo seguindo o link no final desta crónica. Pelo oposto, mostrou alguma falta de entusiasmo pelo Renault Group. Mas, nos tempos que correm, a vontade urgente de consolidação, pode fazer alterar o rumo das estratégias dos grandes grupos, em poucos dias.

Consolidação urgente

É convicção de muitos atores da indústria automóvel, que a consolidação, ou seja, a formação de grupos de marcas cada vez maiores e mais poderosos, é a única maneira de rivalizar com a crescente invasão dos construtores chineses nos mercados europeus.

A Stellantis tem posto a teoria em prática e, antes, já a PSA e a FCA tinham feito o mesmo, cada uma pelo seu lado. Aumentar a dimensão tem vantagens na redução dos custos de produção dos automóveis. Pela via das conhecidas sinergias. Se mais automóveis partilharem mais componentes, o preço dos componentes baixa.

Dentro da legalidade

A consolidação é vista como a única maneira “legal” de construir grupos fortes na Europa, talvez com uma ajuda da Comissão Europeia, no que diz respeito às apertadas leis anti-concorrência.

Em teoria, a aglomeração de várias marcas num só grupo retira escolha ao consumidor e, mais do que isso, atenua ou elimina a concorrência, evitando a competição de preços, o que nunca beneficia o comprador. A lei europeia “antitrust” já foi considerada como demasiado exigente.

Mas é o processo que os construtores ocidentais têm ao seu alcance para fazer face aos construtores chineses, que operam segundo leis muito diferentes das europeias.

A “invasão” chinesa

No ano passado, a associação dos construtores automóveis da Europa (ACEA) lançou uma investigação, que ainda está em curso, relativa à suspeita de que o governo chinês ajuda os construtores locais de automóveis elétricos, dando-lhe condições preferenciais que põem em causa a livre concorrência.

O governo chinês começou negar, dizendo que a iniciativa da Europa era meramente protecionista. Contudo, enquanto esta investigação prossegue, o mesmo governo chinês já veio reforçar os incentivos às empresas que queiram exportar carros elétricos. Ainda sem números definitivos, supõe-se que a China já superou o Japão como o maior exportador de automóveis em 2023.

O que o governo francês quer

O governo francês continua a fazer públicas as suas posições em relação ao assunto e, depois de ter levantado a hipótese de estabelecer taxas específicas para a entrada na Europa de carros oriundos da China, agora parece apostar na consolidação.

A ideia do governo francês é promover a entrada do Grupo Renault (Renault, Dacia, Alpine e Mobilize) no muito maior grupo Stellantis, que aglomera 14 marcas, de origem francesa, italiana, alemã e americana.

Depois do início da guerra na Ucrânia, o Grupo Renault teve que parar as suas atividades na Rússia, com grandes prejuízos a todos os níveis, pois o país representava o seu segundo maior mercado, logo a seguir à França. Não é uma situação que se resolva de um dia para o outro, como é lógico, por isso continua a ter efeitos.

Parece fácil

Esta fase de alguma fragilidade por que passa o Grupo Renault afeta também o Estado francês, que detém 6% do capital do grupo, através de empresas públicas. Ou seja, o Estado francês tem que assumir as suas responsabilidades, sempre que a situação se torna difícil, como já o fez no passado.

Apesar de ser um grupo maior e multi-nacional, a Stellantis tem também no Estado francês o seu principal acionista, que já vem dos tempos da PSA.

A lógica do governo francês parece muito simples: juntar as suas suas participações num só grupo, tornando-o mais forte e ajudando a resolver as questões da Renault. Um plano típico de uma iniciativa politica, em relação ao qual Carlos Tavares não tem mostrado entusiasmo. E já o disse publicamente.

O governo italiano também quer

Por outro lado, o português e a sua administração têm sido criticados pelo governo italiano, que alega não estar a Stellantis a investir nas marcas italianas, ou melhor, na operação das marcas italianas em Itália, tanto quanto pensam ser o necessário.

Queixam-se de um domínio da parte francesa sobre a italiana, na condução do grupo ao ponto de o ministro da indústria ter dito que está a ponderar entrar no capital da Stellantis, para equilibrar as duas tendências: a francesa e a italiana.

John Elkann, o “chaiman” da Stellantis e herdeiro do império Agnelli, além de presidente da Ferrari, já veio confirmar que as conversações com o governo italiano existem, mas negou categoricamente qualquer interesse numa fusão ou aquisição da Renault.

O “jogo” da bolsa

A verdade é que, quando surgiu a notícia da intenção do governo francês em juntar a Renault e a Stellantis, as ações em bolsa da primeira subiram 4%, tendo essa subida abrandado para os 1%, quando Elkann negou.

A habilidade financeira de Elkann e da sua equipa ficou bem patente no recente anúncio da contratação do piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton, que vai passar da Mercedes-AMG para a Ferrari, mas só em 2025. As ações da Ferrari subiram 12% nesse dia.

Pelos valores atuais em bolsa, o Renault Group vale 10 mil milhões de euros, enquanto a Stellantis vale 85 mil milhões, sendo um dos grupos mais rentáveis da indústria. A diferença é enorme e poderia ser um casamento relativamente fácil.

Conclusão

Mas as ambições de crescimento da Stellantis não encontram no Group Renault dimensão à medida dos seus objetivos. Nem o grupo francês tem a implantação mundial que a Stellantis procura para crescer em mercados fora da Europa. Por isso, a hipótese de uma fusão/aquisição da Ford e/ou da GM continua a parecer a operação mais apetecível para o grupo liderado pelo português Carlos Tavares.

Francisco Mota

Ler também seguindo o link:

Crónica – Stellantis, Ford & GM: Tavares anda às compras