26/1/2024. O Partido Popular Europeu, o maior no parlamento da Europa, deixou sair uma fuga de informação relativa à sua proposta de cancelar a proibição da comercialização de automóveis com motor a combustão a partir de 2035. Com as eleições do parlamento europeu marcadas para Junho deste ano, será que a norma anti-poluição vai voltar atrás?

 

Ao que parece, será prática habitual dos partidos do parlamento europeu deixar sair fugas de informação antes das eleições, para testar a reação a algumas das medidas que pretendem implementar, caso vençam a votação. Desta vez foi o PPE (Partido Popular Europeu) a libertar um documento relativo aos automóveis.

E o documento é uma autêntica “bomba atómica” para a decisão que foi tomada e aprovada pelo parlamento de proibir a venda de motores a combustão a partir de 2035. O PPE estará preparado para propôr o cancelamento dessa lei, substituindo-a por outra em que os motores a combustão continuam a poder ser vendidos.

Só um rastilho

Como é óbvio, o esboço de proposta que aterrou nas redações de alguns meios de comunicação ligados à atividade do parlamento europeu, não fornece todos os detalhes. Para já, é pouco mais do que um posicionamento do partido, a pensar nas eleições, dando eco às reações negativas de alguns setores à medida aprovada para 2035.

No manifesto eleitoral lê-se que o PPE pretende “rever” a norma da proibição de venda de automóveis com motor a combustão a partir de 2035. Segundo diz o PPE nesse manifesto “rejeitamos políticas de proibição – como a da proibição de venda de motores a combustão – e vamos revê-la assim que possível.”

Não é novo

Esta posição do PPE não é nova, um dos seus responsáveis já disse no passado que a proibição de venda de automóveis a gasolina a partir de 2035 vai criar o “efeito Havana”.

Quer com isto dizer-se que, após 2035, os europeus vão continua a usar os seus velhos modelos a combustão durante décadas, tal como acontece em Cuba. Mas isto é confundir propositadamente duas realidades incomparáveis.

Green Deal em risco?

O PPE diz que a a Europa devia ser aberta a outras tecnológicas para descarbonizar os automóveis e não escolher por si a via dos automóveis elétricos.

À primeira vista, esta vontade do PPE em “rever” a decisão tomada pelo parlamento europeu e aprovada pelos Estados membros traz implicações “bombásticas”.

Se este dossier for reaberto, isso abre a porta à revisão de outras leis do chamado “Green Deal”, o maior entendimento a que a Europa já chegou para a luta contra as emissões de CO2.

Já há excessões

Esta posição do PPE é pouco compreensível, por vários motivos. Por um lado, porque o próprio parlamento europeu, por pressão da Alemanha, já abriu excessões à proibição de venda de motores de combustão, desde que sejam alimentados por combustíveis sintéticos com origem sustentável.

Uma excessão que vai dar margem às marcas desportivas de luxo, caso os seus clientes ainda queiram comprar modelos a combustão depois de 2035, o que me parece muito pouco provável.

Por outro lado, é sabido que a eliminação das emissões de CO2, com o objetivo de combater o efeito de estufa e as alterações climáticas, é apenas um dos objetivos da norma de 2035.

Poluição mata todos os dias

Mais importante e imediata é a redução das emissões locais, nas cidades, de gases prejudiciais à saúde pública e que, segundo dados da Comissão Europeia, estão na origem de 300 000 mortes por ano na Europa, causadas por doenças cardio-respiratórias.

É também uma medida fora de tempo, tendo em conta os investimentos que os construtores europeus já fizeram nos automóveis elétricos e os, ainda maiores, que vão ser feitos nos próximos anos. Tanto pelos construtores, como pelos Estados.

Um recuo pouco popular

Uma medida de recuo como a esboçada pelo PPE traria ainda mais dificuldades aos construtores europeus, que já se debatem com a concorrência cada vez mais feroz dos construtores chineses.

Uma concorrência que tem sido posta em causa pela Comissão Europeia, levantando a hipótese de não estar a ser leal por receber apoios do Estado da China.

O retrocesso da proibição de venda de carros com motor a combustão a partir de 2035 traria ainda mais distúrbios ao mercado e aos consumidores, tendo em conta que as vendas de elétricos na Europa têm estado a crescer nos últimos meses.

O problema da proibição ou não em 2035 é uma questão que acaba por ser secundária em relação à competitividade das marcas extra-europeias que conseguem colocar no mercado modelos elétricos a preços cada vez mais próximos dos modelos a combustão.

Conclusão

Um recuo como este seria ignorado pela maioria dos construtores, que já estão demasiado empenhados (literalmente…) na tecnologia dos automóveis elétricos. E ignorada também pelos compradores que, ainda antes de 2035, vão assistir a uma inversão nos preços: com a subida de vendas e produção dos carros elétricos, vão ser os carros a combustão a ficar mais caros. Para não falar do mais que provável aumento das taxas sobre carros a gasolina e gasóleo. Quem os iria querer comprar?…

Francisco Mota

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