01/02/2019. As entrevistas em rajada que o Ministro do ambiente e da transição energética deu nos últimos dias foram esmiuçadas linha a linha, palavra a palavra. De repente, é como se todos os comentadores (e muitos “wannabe”) se tivessem tornado em especialistas de energias renováveis e fósseis, especialistas de motores Diesel, especialistas de ambiente e poluição, especialistas do mercado de usados e de muitas outras coisas. Quase todos eles baseados no saber infinito da Wikipédia e da bela ciência que dá pelo nome de “futurologia”.
Claro que a “culpa” é do Ministro. A energia que se gastou a pesquisar na Internet à procura de argumentos contra o ministro deve chegar para alimentar um carro elétrico durante um ano… ou pelo menos um mês… ou um dia, pronto!
Mas como esta crónica é publicada à sexta-feira, já não vou a tempo de apanhar esse comboio e aproveitar para dar umas merecidas traulitadas ao titular da pasta da transição energética. A parte do ambiente interessa-me menos, neste caso, mas é claro que o ministro criou um mau…. ambiente.

A minha lista de perguntas ao Ministro

No entanto, posso sempre enumerar aquilo que o Ministro não disse e que, na minha opinião, deveria ter dito. Isto se tivesse querido ser construtivo, em vez de largar a “bomba” e criar o pânico, uma infeliz especialidade dos políticos portugueses de há muitas décadas neste país: governar pelo medo e explorar a ignorância.
Então aqui vai a minha lista, porque nesta era do “clickbait”, já não se faz nada sem um bom título e sem uma boa lista. A esta chamei: Cinco Perguntas a que o Ministro Não Respondeu.

1 – Como produzir energia de fontes renováveis?

O Ministro diz que não se compreende como um país como o nosso, com capacidade de ser autónomo em termos energéticos e a partir de fontes renováveis, ainda depende em 75% de importação de energia. Não podia estar mais de acordo! Mas como resolver a questão? O Ministro fala em fechar as duas centrais termoeléctricas e investir na energia solar, eólica e hidráulica. Mas não diz como nem quando isso será feito, limitando-se a chutar o problema para o futuro.
Resultado: Enquanto a energia gasta no país não for toda de fontes renováveis, estamos apenas a deslocalizar a poluição, dos escapes dos carros para as chaminés das centrais.

2 – Como abastecer os automóveis elétricos?

Uma das “pérolas” do Ministro foi dizer que os condomínios devem criar as estruturas para que as suas garagens tenham pontos de recarga para carros elétricos: “assim como é obrigatório ter uma torneira na garagem, também deve ser obrigatório haver tomadas para carregar os carros elétricos” disse o Ministro. Como se a montagem de uma torneira fosse igual à instalação de tomadas elétricas para carregar vários carros ao mesmo tempo: é óbvio que a rede do prédio terá que ser totalmente revista. Nem parece de um engenheiro civil…
Mais óbvia é a realidade: a maioria esmagadora dos cidadãos não vive em condomínios, nem sequer tem garagem. Basta dar uma volta à noite pelas cidades e ver a quantidade de carros estacionados em todo o lado.
Resultado: enquanto não for montada uma rede de abastecimento público moderna e suficientemente extensa, não é possível pensar na subida nas vendas dos carros elétricos.

3 – Como tornar os elétricos mais acessíveis?

Na sua “bola de cristal” o Ministro viu que o preço dos carros elétricos estará ao nível dos Diesel dentro de pouco tempo. Desconheço as informações a que o Ministro tem acesso, mas as informações que recolho de todas as marcas não é essa. A evolução técnica das baterias está a decorrer mais lentamente do que o necessário. Pior que isso,tal com no cartel do petróleo, também já existe um pequeno grupo de fornecedores que dominam o processo de produção de baterias e não têm interesse em diminuir o preço, como é lógico. E não vai ser o aumento do número de baterias produzidas que lhe vai baixar o preço drasticamente ou rapidamente. Pelo menos enquanto a tecnologia das baterias não se afastar de materiais relativamente escassos, como o Lítio.
Resultado: Durante bastante tempo, os carros elétricos vão continuar inacessíveis à maioria dos portugueses, aqueles que hoje se fazem transportar em carros a combustão que, em Portugal, têm uma média de doze anos e mais de 100 000 km.

4 – Como tirar os automóveis das cidades?

Todas as políticas de proibição de circulação de automóveis nas cidades, em vigor em algumas e prometidas para muitas mais, nas palavras do Ministro, vão ficar nas mãos das autarquias. O que é uma desresponsabilização incompreensível do poder central, que seria suposto ter uma visão global e coordenada da questão. Vão ser os presidentes das câmaras a decidir se a “sua” cidade vai ou não permitir a circulação de carros com motor de combustão. Estarão eles preparados para tomar uma decisão dessas?…
Resultado: imagine o cenário de poder entrar numa cidade com o seu velhinho Diesel de doze anos e depois ter que o largar quando chega a outra cidade.

5 – Como desenvolver os transportes públicos?

Nenhum plano de mobilidade pode ter sucesso sem um investimento consistente e prolongado nos transportes públicos. Isso, toda a gente sabe. Mas investir nessa área não dá votos. Sempre que se melhoram um pouco os transportes públicos, os utilizadores aderem e as estruturas continuam a ser insuficientes e as queixas eternizam-se. Seria preciso um investimento sério e medidas de incentivo à sua utilização, como já acontece em algumas cidades europeias, que decidiram tornar os transportes públicos gratuitos. Além da descida do preço dos passes sociais e do anúncio da compra de alguns autocarros, o Ministro nada mais disse sobre esta área.
Resultado: se os transportes públicos não forem uma prioridade para a chamada comutação diária casa-trabalho-casa, nunca se vai resolver o problema da mobilidade nas cidades. As trotinetes, as bicicletas elétricas, os skates ou os patins em linha não chegam para transportar diariamente dezenas de milhares de pessoas.

Conclusão

Como é hábito no nosso país, a Política prefere sempre o caminho mais fácil. Atacar as questões com demagogia, com frases e declarações bombásticas e depois esperar que a sociedade resolva o problema. Em vez de começar a construir o edifício da mobilidade pelas fundações, começa pela cobertura. Enfim, nada de novo.
Francisco Mota

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