24/2/2023. A Stellantis apresentou esta semana os resultados de 2022, com lucros recorde e acentuada subida na venda de elétricos. Ao mesmo tempo, o CEO Carlos Tavares continua a dizer “não” às normas anti-poluição Euro 7, por as considerar demasiado caras. Como é que uma coisa não chega para a outra?…

 

Quando retirou as suas marcas da ACEA, a associação dos construtores europeus de automóveis, Carlos Tavares tinha prometido que iria passar a dizer aquilo que achasse conveniente através dos seus próprios canais. Ou seja, a fazer o lóbi que mais interessava à Stellantis, sem esperar pela concertação com os construtores parceiros da ACEA.

De então para cá, temos visto exatamente isso a acontecer, nomeadamente com a sua posição contra a entrada em vigor das normas anti-poluição Euro 7, agendadas pela Comissão Europeia para meados de 2025.

Euros 7 são inúteis?

Tavares considera que as normas Euro 7 são inúteis, não vão beneficiar o consumidor nem o planeta e que vão custar muito dinheiro, dinheiro esse que seria melhor empregue no investimento nos carros elétricos, que vão ser obrigatórios a partir de 2035.

Isso mesmo o CEO da Stellantis repetiu durante o anúncio dos resultados da Stellantis em 2022, ano em que o grupo criado em 2021 registou resultados recorde, tanto nos lucros como na subida acentuada da produção de carros elétricos.

Resultados recorde em 2022

Os números apresentados, cujo detalhe interessa sobretudo aos investidores e analistas de economia, encerram contudo alguns dados fáceis de entender e que desenham um retrato muito positivo do grupo nos tempos que correm.

Resumindo, a Stellantis teve um lucro de 16 800 milhões de euros, que representou uma subida de 26% face ao ano anterior. Os accionistas vão receber 1,34 euros por ação, a administração aprovou a recompra de acões no valor de 1500 milhões de euros e até sobra algum dinheiro para distribuir em prémios a todos os colaboradores. Se for o seu caso: parabéns!

Subida de 41% nos elétricos

Os lucros resultaram de um ano durante o qual a Stellantis produziu mais veículos elétricos do que alguma vez tinha feito, 288 000, mais 41% que em 2021. Ou seja, apesar dos investimentos feitos nesta área, o grupo não esgotou os seus recursos, pois ainda teve lucros.

A empresa atribui os lucros a vários fatores, entre os quais as taxas de câmbios favoráveis são referidas. Mas não deixa de reforçar que são resultado da sua política de não fazer descontos. Dito de outra maneira, o grupo conseguiu aumentar o preço de venda ao público dos seus carros e ganhar ainda mais dinheiro.

Mesmo com as vendas a cair…

Os resultados são ainda mais expressivos se tivermos em linha de conta que as vendas de automóveis em 2022 do grupo Stellantis a nível global caíram 8,6%, ficando nos 6,31 milhões, posicionando-se no quinto lugar entre os grandes grupos.

Tudo isto é positivo, para a empresa e para as famílias que dela dependem, isso não pode ser posto em causa. E prova a competência dos seus quadros superiores na gestão de uma conjuntura que não foi fácil para ninguém em 2022.

Os resultados mostram também que a Stellantis consegue investir no crescimento das vendas dos seus veículos elétricos, sem ficar na reserva.

Nenhum perde dinheiro

Como tenho ouvido repetidamente dos mais altos responsáveis da Stellantis, todos os modelos à venda têm que dar lucro. Não há espaço para perder dinheiro com os elétricos, como expediente para ganhar quota de mercado.

Mas então, por que razão Carlos Tavares continua a afirmar que precisa do dinheiro necessário para atualizar os seus modelos a combustão para a Euro 7, para investir na eletrificação?

Lucros não chegam para pagar a Euro 7?

Parte dos lucros que a empresa gera não poderiam ser investidos nessa área? É que a Euro 7 está longe de ser um capricho dos políticos, é um conjunto de limites às emissões de poluentes pelos carros com motor de combustão e não só

É uma norma que tem por objetivo salvar vidas nas cidades europeias, não apenas fazer baixar as emissões de CO2 e dar um contributo para resolver o problema das alterações climáticas.

A importância fundamental da Euro 7

A Comissão Europeia foi particularmente detalhada quando anunciou a entrada em vigor da EU7, dando números sobre as consequências na saúde pública da poluição nas cidades. Se quiser saber todos os detalhes, não deixe de seguir o LINK no final desta Crónica à 6ª feira. Garanto que vai ficar tão alarmado quando eu próprio fiquei.

Estamos a falar de 300 000 mortes por ano na Europa provocadas por doenças diretamente relacionadas com a poluição nas cidades, a qual tem nos transportes rodoviários a sua principal causa.

Tavares defende os interesses da sua empresa, como se espera de um bom CEO. Mas é preciso olhar para estes números e para o que eles representam em termos de responsabilidade social.

A parte boa da Euro 7, segundo Tavares

Não se pode congelar uma medida destas durante 13 anos e esperar por 2035, data a partir da qual só se vão poder vender elétricos. Até porque, nessa altura, de acordo com as estimativas da Comissão Europeia, 20% do parque rolante ainda vai ser de carros com motor a combustão. E importa que esses carros cumpram a norma EU7.

Mais ainda porque Tavares considerou positiva a parte da Euro 7 relativa ao controlo de emissões de partículas oriundas do desgaste dos pneus e dos travões, na qual estão também incluídos os carros elétricos.

Quanto custa a conversão para a Euro 7?

A Stellantis e outros grupos, afirmam que a adaptação dos motores de combustão para cumprirem a norma Euro 7 pode custar muito dinheiro. A VW, pela boca do seu CEO Thomas Schafer, avançou mesmo que poderá custar entre 3000€ e 5000€ por carro, pois são precisos novos catalisadores e novo software.

Mas a Comissão Europeia também fez as suas contas e chegou a números muito diferentes, afirmando que a passagem à Euro 7 só vai representar um acréscimo de preço ao cliente entre os 80 e os 150 euros, para os ligeiros. A diferença entre os dois cálculos é incompreensível.

Conclusão

Nos tempos que vivemos, a inflação tem as costas largas e serve para justificar aumentos de preços em todas as áreas da economia, incluindo no preço dos automóveis. Mas isso tem sido feito para manter ou aumentar margens de lucro. Talvez uma parte pudesse ser usada no investimento necessário ao cumprimento da Euro 7.

Francisco Mota

Crónica – Norma Euro 7: Afinal, o que está em causa?