12/11/2021 – A cimeira do clima COP 26 produziu uma declaração sobre o fim das vendas de carros poluentes a partir de 2035. Mas muitos fabricantes não assinaram o documento. E o mesmo fizeram os maiores países do mundo. Estarão os elétricos em perigo?

 

Esta semana, vários órgãos de informação apontaram o dedo aos fabricantes de automóveis que não assinaram a declaração de intenções da cimeira do clima COP 26.

O documento propunha que os construtores se comprometessem com a data de 2035 para deixarem de vender carros poluentes nos principais mercados e até 2040 em todos os mercados.

Sem o dizer declaradamente, mas não deixando muitas opções técnicas, o que os políticos que redigiram o documento desejam é que os construtores de automóveis acelerem a passagem para a electrificação, de modo a estarem prontos em 2035.

A maioria não assinou

Para surpresa de muitos, a maioria dos fabricantes que mais têm investido na eletrificação, não assinaram o documento. Seria uma posição incompreensível se não se atendesse às suas razões para este “não”

O maior construtor do mundo, a Toyota, alegou que se trata de uma intenção precoce.

Na opinião da Toyota, em muitas partes do mundo, como a Ásia, África, Médio Oriente e outras, não estão ainda reunidas as condições “económicas, a prontidão energética, as infraestruturas e as políticas industriais” para se poder comprometer com esta intenção. Nem será “a melhor maneira de dar resposta às necessidades desses clientes” neste momento, diz a Toyota.

Falta de realismo

A Toyota acrescenta aquilo que todos sabemos, que nos locais onde essas condições existem, estão prontos para “acelerar e ajudar a apoiar, com veículos adequados, a transição energética para as zero emissões.”

Ou seja, a Toyota relembra o trabalho único que tem feito na promoção dos veículos híbridos ao longo dos últimos vinte anos e compromete-se a continuar a cumprir o seu papel no caminho para a neutralidade carbónica. Como ficou claro com a apresentação do primeiro modelo da família elétrica bZ.

Estados não acompanham

Mas o grupo japonês alerta para o óbvio, que são precisas “políticas adequadas” para desenvolver esse caminho.

Um caminho que a Toyota sublinha poder ser percorrido de várias maneiras, aplaudindo a “neutralidade tecnológica” da carta de intenções, sublinhando assim a via aberta para o Hidrogénio, uma tecnologia que a marca tem desenvolvido intensamente nos últimos anos, através dos seus Fuel Cell.

E o que diz o outro gigante dos automóveis?

Da parte do outro grande construtor automóvel mundial, o grupo Volkswagen, as reações são semelhantes, mas substituindo a habitual cortesia japonesa por uma frontalidade mais germânica.

A VW diz que, apesar de estar a investir fortemente numa gama completa de veículos elétricos, os ID, não se pode comprometer com o fim dos carros a combustão até 2040. E dispara contra os governos dos principais países.

VW diz que Estados têm que fazer a transição para a produção de energia 100% renovável

Enquanto a energia elétrica em países como a China e os EUA continuar a ser produzida a partir de fontes fósseis, a data de 2040 não é realista, diz a VW.

“Acreditamos que a aceleração para a eletrificação tem de seguir a par com a transição da produção de energia para fontes 100% renováveis”, dizem os alemães na mais elementar das lógicas.

E qual a posição dos grande países?

Mas qual foi a posição dos Estados mais importantes do planeta em relação a este assunto? Os EUA, que têm o maior mercado automóvel mundial e a China, que segue de muito perto em segundo lugar, não assinaram a carta de intenções. A Alemanha, o maior mercado automóvel na Europa, também não assinou.

Valerá a pena refletir sobre a recusa dos principais países do mundo em assinar o compromisso da COP 26.

Na Europa e nos EUA, o setor dos transportes é responsável por um terço das emissões de CO2. Deste valor, cerca de 70% têm origem no transporte rodoviário.

Ficar bem na fotografia

A questão levantada pelos construtores de automóveis é muito simples: para quê acelerar a eletrificação dos automóveis se países como os EUA, China e Alemanha continuam a produzir energia elétrica a partir de fontes fósseis?

Aliás, a China até anunciou há pouco tempo a construção de mais centrais de carvão, para fazer face à crescente procura de energia, resultado do contínuo desenvolvimento do país.

“Ficar bem na fotografia” é uma preocupação que nunca anda longe das mentes dos políticos.

Claro que os políticos reunidos em Glasgow sabiam disto muito bem. Mas a sua estratégia é sempre a mesma: passar as culpas para os outros, para “ficarem bem na fotografia”.

Produzem uma bela carta de intenções, elogiam quem assina, estigmatizam quem não o faz e lavam daí as suas mãos.

Índia e México assinam…

Aliás, será pertinente perguntar se alguns dos países que assinaram o compromisso, como a Índia e o México estarão em condições de garantir que vão cumprir o prometido, ou se a assinatura não passou de uma atitude política inconsequente.

Voltando à pergunta inicial: se o “não” à assinatura do compromisso do COP 26 põe em perigo o futuro dos automóveis elétricos. A resposta é claramente não! Todo este folclore em torno de um documento que não passa de uma carta de intenções é exagerado.

Não será a assinatura, ou não, do documento que vai influenciar os planos das marcas para a transição energética. Nem todas as regiões do globo estão em posição de avançar à mesma velocidade.

Conclusão

Parece claro que a Europa vai liderar o processo, os investimentos dos construtores nos carros elétricos são gigantescos neste continente e vão continuar a acelerar nos próximos tempos.

Mas noutras regiões vai demorar mais tempo. Por isso os construtores não podem deixar de produzir automóveis com motores a combustão para abastecer esses consumidores. É apenas uma questão de realismo.

Francisco Mota

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