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Crónica à 6ª Feira, 19/06/2020. A Comissão Europeia abriu uma investigação à fusão entre a PSA e a FCA. As razões são de rotina, mas os tempos excecionais que vivemos exigiam uma atitude menos burocrática de Bruxelas.

 

Burocracia em tempos de “guerra” é sempre um tema polémico, sobretudo quando as regras não se abreviam para melhor lidar com as condições excecionais que vivemos.

Estou a falar da investigação que a Comissão Europeia abriu para analisar os efeitos da fusão entre a FCA e a PSA, no que às leis da concorrência diz respeito.

O processo é de rotina, dizem, sendo aberto a todas as fusões que se queira fazer na Europa, entre quaisquer tipos de empresas.

Só que as condições que vivemos são tudo menos de rotina. Só para falar dos grupos empresariais em questão e dos efeitos que já estão a sofrer em consequência da Covid-19, os números já são preocupantes.

No primeiro trimestre deste ano, a quebra de vendas da FCA foi de 21%, enquanto a PSA vendeu menos 29%, do que no primeiro trimestre de 2019. E o pior ainda está para vir.

Os números do segundo trimestre vão ser muito maiores, desenhando um cenário de grandes dificuldades para o setor automóvel, a que a FCA e a PSA não vão escapar.

Como se nada fosse

No meio de uma crise profunda, da qual ninguém sabe quando e a que velocidade se vai sair, a Comissão Europeia continua o seu trabalho rotineiro, como se nada fosse.

O problema dos políticos de Bruxelas quanto ao cumprimento das leis da concorrência nesta fusão, está relacionado com os comerciais ligeiros.

A comissão europeia, que está a receber toda a colaboração das duas partes envolvidas, diz que, somando as vendas dos comerciais ligeiros de ambos os grupos, a quota de mercado vai subir aos 34%, duas vezes mais do que o segundo posicionado neste ranking, o grupo Renault, com 16,4%.

Diz a comissão que, assim, se retira uma fatia considerável de concorrência neste mercado, um mercado feito de veículos com baixo conteúdo tecnológico e altos lucros.

Anti-concorrência

Traduzindo isto por miúdos, a comissão receia que, com 34% do mercado, a FCA/PSA possam adotar uma política de preços inflacionados para este tipo de veículos, pois dominariam o segmento.

Pensar que isto é uma possibilidade nos tempos mais próximos é viver dentro de uma bolha. O que não é nada de novo, para os políticos de Bruxelas.

Os comerciais ligeiros são um segmento do mercado automóvel diretamente ligado à saúde da economia. Sempre que as coisas correm bem, as empresas investem neste tipo de veículos polivalentes. Quase todas as empresas precisam deles.

Mas numa altura em que as empresas estão a lidar com realidades muito difíceis, com o pagamento de salários e a manutenção de postos de trabalho a ser a prioridade, renovar a frota dos seus comerciais ligeiros passa para o fim da lista de coisas a fazer.

Vendas a cair

As vendas de comerciais ligeiros vão ter ainda mais dificuldade em recuperar que a de ligeiros de passageiros, mas a comissão europeia acha que é a altura certa para colocar questões sobre o assunto.

Na verdade, não é a primeira vez que a Comissão é criticada por ter uma política tão ortodoxa no que às leis da concorrência diz respeito.

Muitos acusam a comissão de impedir que cresçam na Europa grupos grande e poderosos, capazes de fazer frente a concorrentes de outros continentes, onde a legislação a este nível não é tão rígida.

Aliás, em muitas outras áreas, os políticos de Bruxelas têm uma atitude de quererem ser mais papista que o Papa, que só tem levantado dificuldades às empresas a trabalhar na Europa e lhe rouba competitividade face a rivais de outras paragens.

O (mau) exemplo do CO2

Mantendo-me pelo setor automóvel, não são raros os líderes da indústria que criticam violentamente as políticas anti-emissões de CO2 e a maneira como têm sido implantadas na Europa.

Por mais que se procurem, não há paralelo nos outros grande mercados, face ao que se está a fazer na Europa sobre as emissões de CO2 de origem automóvel, pondo em causa a viabilidade de empresas e postos de trabalho.

Aliás, está em cima da mesa recuar nesta área, na sequência dos efeitos económicos da pandemia.

Decisão em Outubro

A comissão terá que tomar uma decisão sobre a fusão FCA/PSA até Outubro deste ano, mas não acredito que tenha a coragem de levantar problemas. Por dois motivos.

Em primeiro lugar, o histórico de processos deste tipo diz que apenas 30 fusões foram bloqueadas, em mais de 6000 analisadas nos últimos anos, à luz da lei da concorrência. Apesar de uma das bloqueadas ter sido de alto perfil: entre a Siemens e a Alstom.

Em segundo lugar, tendo em conta que o Estado francês é acionista da PSA e que o Estado italiano está diretamente envolvido na FCA, não me parece que seja um grupo de políticos ortodoxos de Bruxelas que vá ter coragem de exercer o seu direito de veto.

Conclusão

No final, talvez tudo isto não passe de mais um capítulo no dossier da fusão FCA/PSA, mas esta atitude dos políticos europeus, por vezes isolada da realidade, tem influência na competitividade das empresas europeias. Não me parece que isto pudesse acontecer na China, nem sequer nos EUA.

Francisco Mota

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