1/11/2019 Abortada a fusão com a Renault, a Fiat voltou-se para a Peugeot e anunciou uma fusão “de iguais” entre a FCA e a PSA. Mas quem ficou a ganhar?…

Tudo parecia bem encaminhado para a Aliança Renault/Nissan/Mitsubishi se juntar à Fiat Chrysler Automobiles (FCA), em Julho passado. Mas os japoneses da Nissan temeram uma perda de peso na Aliança e puxaram o tapete.

O governo Francês, accionista da Renault, deu ordem para que os aliados se entendessem primeiro, antes de pensar em fusões com terceiros e o negócio abortou. Isto, numa versão simplificada do caso.

Mas a FCA sabia há muito que não podia continuar sozinha. Desde 2015, quando foi bater à porta da GM e levou um “não” ou mesmo antes, se pensarmos em 2009, quando a Fiat se juntou com a Chrysler: duas marcas em dificuldades ajudaram-se uma à outra. Mas isso não chegava.

Parceiro procura-se

O carismático CEO da FCA, Sergio Marchionne afirmou até falecer, no ano passado, que a FCA precisava de se juntar a outro grupo, para sobreviver.

O seu sucessor na liderança do grupo foi John Elkann, 43 anos e neto do célebre líder da Fiat, Gianni Agnelli, por sua vez neto do fundador da companhia, que também se chamava Giovanni Agnelli.

Elkann é o herdeiro designado por Agnelli para tomar conta da Fiat e teve que tomar as rédeas quando Marchionne faleceu, sabendo que o assunto da fusão era urgente.

De preferência deveria ser resolvido antes do final de 2019, para estar melhor preparado para a entrada em vigor das novas normas anti-poluição.

A FCA, como a maioria das marcas, não está em condições de pagar as multas que se adivinham. A solução que encontrou foi comprar créditos de CO2 à Tesla, que lhe dão um balão de Oxigénio até 2022. Um tema bizarro que merece ser explorado, mas isso fica para noutro dia.

FCA e PSA falaram em Janeiro

A FCA já tinha tido conversas com a PSA com vista a uma possível fusão, mas as negociações pararam no início de 2019.

A versão oficial diz que a razão foi porque a FCA não considerava a PSA o parceiro ideal, opinião que saiu reforçada quando surgiu a abertura do Grupo Renault para falar.

Nunca saberemos se as conversações com os franceses da Renault não terão sido uma estratégia para pressionar os franceses da PSA. Ou vice-versa…

A verdade é que, Carlos Tavares, o português de 61 anos que lidera a PSA desde 2014 (depois de uma carreira de 32 anos na Renault e Nissan) emitiu na altura alguns comentários pouco simpáticos para a FCA e para a Aliança, dizendo que era um negócio “oportunista.”

Sem japoneses, tudo mais fácil

Mas agora tudo se precipitou e com uma clareza inesperada, para um negócio com esta dimensão. E o negócio, qual é?

Ambas as partes garantem que é uma fusão de iguais, para criar uma nova entidade, na qual a PSA e a FCA vão deter 50% do capital.

A sede será na Holanda, por razões fiscais, mas ainda não foi revelado o nome da nova empresa. PSFCA?… Aceitam-se apostas!

Somando as vendas de ambos os grupos, o que dará oito milhões de carros por ano, estamos a falar da criação do quarto maior grupo automóvel do mundo, só atrás da VW, Toyota e da Aliança Renault/Nissan/Mitsubishi.

Claro que não é um negócio tão grande como teria sido a fusão da FCA com a Aliança, mas é suficientemente grande para se estimarem poupanças de 3,7 mil milhões de euros, pelo efeito de escala, compras a fornecedores, pesquisa e desenvolvimento.

O CEO será Carlos Tavares, enquanto John Elkann, será o Chairman, ficando assim atribuída a estratégia ao português, que se assume cada vez mais como a figura de proa da indústria automóvel, pelo menos da europeia.

Elkann respira de alívio

Para a família Agnelli, maior accionista da Fiat, o lugar de Elkann é o esperado e julgo até que será um alívio para o próprio, que assim termina da melhor maneira esta fase de transição, desde a morte de Marchionne.

Tal como no negócio com a Aliança, também neste o Estado Francês teve uma palavra a dizer, pois é detentor de 12% da PSA, desde a última grande crise, quando foi obrigado a investir dinheiros públicos para evitar a falência do grupo e os custos sociais que daí poderiam advir.

Acredito que o fracasso da fusão FCA/Aliança tenha trazido um amargo de boca a Macron, que não conseguiu resolver um problema. Mas com a fusão FCA/PSA, terá evitado outro. A PSA fica melhor preparada para o futuro.

Não fechar fábricas

Desta vez, as exigências do Estado Francês são simples, mas não são fáceis: não fechar fábricas e trabalhar para a construção de uma fábrica de células de baterias para carros elétricos.

Carlos Tavares não tem o hábito de fechar fábricas para resolver problemas, pelo contrário, a sua estratégia é diminuir custos e colocar as unidades fabris em competição interna.

Mas agora, Tavares tem outros problemas para resolver. As fábricas da FCA em Itália estão a trabalhar a meio gás, algumas a menos de 50% da sua capacidade.

O que ganha a FCA?

O negócio de iguais, como ambas as partes sublinham, trará benefícios aos dois lados, mas, nestas coisas, as intenções iniciais raramente perduram no tempo.

Os benefícios para a FCA são mais ou menos claros e começam com o acesso à tecnologia da eletrificação, área em que a PSA, sem estar no pelotão da frente, se posiciona bem à frente da FCA.

Para os italo-americanos, só isto, poderia ser a diferença entre continuar a operar ou ter que tomar medidas drásticas, tanto na Europa como nos EUA.

Depois, é o acesso das marcas das FCA a plataformas e motores da PSA, que lhe permitem entrar em segmentos cruciais, como o dos B-SUV, só para dar um exemplo que se aplica diretamente à Fiat.

Há ainda dúvidas acerca do trabalho a ser feito na Alfa Romeo, depois de se saber que os projetos dos futuros 8C e GTV acabaram de ser cancelados, ao mesmo tempo que foram já lançados planos para mais dois SUV, ambos mais pequenos que o Stelvio.

Poderá a Lancia renascer? É uma pergunta sem resposta, para já. Mas Tavares, um apreciador da história do automóvel, só não o fará se não puder. Dodge de volta à Europa?…

Já o recentemente anunciado plano da Maserati tem tudo para seguir o seu curso, talvez com alguns retoques na rentabilidade.

E o que ganha a PSA?

Do lado Francês, as vantagens não parecem tão óbvias, mas isso seria esquecer o braço americano da FCA.

A Peugeot saiu dos EUA em 1991, mas tem planos para voltar até meio da próxima década, apostando na mobilidade.

A rede Chrysler/Jeep será uma alavanca fundamental para esse plano ganhar tração e acelerar.

Sobretudo porque a Jeep tem tido um desempenho muito forte nos EUA, sendo uma das marcas mais lucrativas do mundo.

A seu lado, a RAM, continua a ter uma posição de destaque no sempre vigoroso mercado das pick-up de tamanho americano.

E a Dodge tem sido reposicionada com carros icónicos e desportivos, que evocam os históricos “Muscle Cars”. Já vejo Tavares a sorrir…

O potencial de gerar sinergias é imenso, para a PSA. Nos segmentos mais vendidos, as suas plataformas e motores estão entre os mais modernos e muito acima dos usados pela FCA.

Não vai demorar muito tempo até ver produtos Fiat, Alfa Romeo, Jeep e Chrysler a usar as bases técnicas francesas.

Não à globalização

Mas essa estratégia de globalização terá que ser aplicada com conta, peso e medida. Como a Ford percebeu na última década, a teoria do carro global não funciona.

É preciso partilhar o máximo de componentes, mas tem que se respeitar as exigências dos vários mercados.

A julgar pelo que tem feito com a Opel, não deverá haver grande perigo disso acontecer com a PSA.

Conclusão

Carlos Tavares talvez preferisse algo de que se falou muito menos, uma fusão com a Aliança. Mas com a FCA tem um negócio muito mais fácil de realizar, pois não há japoneses para complicar. Se bem que, é bom não esquecer, a Chinesa Dongfeng tem participação na PSA, mas os chineses falam mais a linguagem do dinheiro que a do orgulho.

Francisco Mota

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