4/8/2023. Luca De Meo, o italiano CEO do Grupo Renault disse esta semana que a Comissão Europeia deve adiar a proibição de venda de veículos com motores a gasolina e gasóleo. Saiba quais as razões e as consequências em mais uma Crónica à 6ª feira no blog TARGA 67, assinada por Francisco Mota

 

Além de CEO do Grupo Renault, que inclui a Dacia, Alpine e outras marcas de mobilidade, o italiano de 56 anos Luca De Meo é também o atual presidente da ACEA, a associação dos construtores europeus de automóveis. Tudo aquilo que De Meo diz em público tem que ser ouvido à luz das duas funções.

Como CEO do Grupo Renault, a sua prioridade é defender o negócio, como é natural. Como presidente da ACEA, a sua função é defender os interesses das marcas associadas, algumas com prioridades diferentes umas das outras.

Adiar a proibição de 2035

Esta semana, De Meo falou sobre o futuro da eletrificação automóvel na Europa e aquilo que disse acaba por colocar em contradição as suas duas responsabilidades, como aliás já aconteceu com o seu antecessor na presidência da ACEA, o português Carlos Tavares, que cumpriu o mandato anterior.

Segundo De Meo, a Comissão Europeia devia adiar a proibição da venda de veículos novos com motores a gasolina e gasóleo. A data estabelecida e aprovada é 2035, mas De Meo disse que a proibição devia ser atrasada para 2040.

Adiar por que razão?

As suas razões são simples: dar mais tempo às tecnologias dos carros elétricos a bateria e ao Hidrogénio para se desenvolverem.

Presumivelmente para se conseguir uma paridade de preços com os carros com motor de combustão, coisa que De Meo já disse não acreditar estar para breve.

Curiosamente, tanto a Volvo como a Ford já vieram publicamente dizer que não querem nenhum atraso na proibição dos motores a combustão, pois já estão focadas nos elétricos.

Euro 7: “impossível”

Este pedido/exigência de De Meo à Comissão Europeia vem com outro agregado, o da revisão dos limites para a norma anti-poluição Euro 7, que está agendada para entrar em vigor em 2025.

De Meo diz que é “impossível” aos construtores cumprir essa data. Diz que não há tempo (ou será apenas dinheiro?…) para os construtores adaptarem os atuais motores a gasolina e gasóleo às novas normas, mais exigentes.

Diz também que é impossível porque as regras ainda não estão definidas, apesar de a Comissão Europeia já ter apresentado uma proposta de limites de emissões poluentes (não apenas CO2) que tem vindo a ser sucessivamente criticada por alguns construtores. Na sua opinião, a norma Euro 6 está “perfectly fine.”

Grandes investimentos

Mas enquanto diz isto, acrescenta que a indústria automóvel já investiu dezenas de milhares de milhões de euros na eletrificação e defendeu, em Março, que os motores a combustão estão a morrer. Na altura disse mesmo que “nesta altura, já nenhum construtor está a desenvolver novos motores a combustão.”

O seu ponto de vista é o mesmo que Carlos Tavares já defendia antes na ACEA, o de que a indústria não devia ser obrigada a gastar dinheiro na adaptação dos motores à norma EU7, dinheiro esse que seria melhor aplicado nos 100% elétricos. Dinheiro gasto em “tecnologia que não tem futuro” como disse agora.

Esquecer o óbvio

É uma lógica que esquece o óbvio, que daqui até 2035 ainda faltam doze anos, ou 17 anos, se o adiamento que deseja para 2040 fosse aceite.

Ou seja, mais de uma década em que nenhuma evolução seria feita na diminuição da poluição nas cidades, responsável por 300 000 mortes por ano, segundo a Comissão Europeia.

Mas todas estas posições de De Meo acabam por bater de frente contra a dinâmica de eletrificação do Grupo Renault, que tem no Zoe um sucesso com mais de dez anos, um Megane elétrico que se posiciona entre os melhores do segmento e uma gama completa de outros modelos 100% elétricos a ser desenvolvidos a todo o vapor, com o R5 elétrico a ser um sucesso antecipado.

Mais procura que oferta

A procura de elétricos não para de crescer, e De Meo justamente anuncia isso mesmo nos números mais recentes da empresa. Desta parte do seu discurso, infere-se que a procura deste tipo de automóveis está acima da oferta, o que não é uma surpresa, tendo em conta a pressão que o marketing de todas as marcas tem feito na direção dos elétricos.

Em grande parte, os potenciais compradores de automóveis novos já meteram na cabeça que o seu próximo carro vai ser um elétrico, só estão à espera que os preços baixem e que as condições de utilização, nomeadamente o crescimento da rede de carregadores públicos, cresça.

A concorrência chinesa

A Renault e todos os outros construtores a operar na Europa precisam de aumentar a produção, reduzir os preços e acelerar o processo para dar resposta à procura, antes de serem ultrapassados pelas novas marcas chinesas, que todos os meses desembarcam na Europa.

O discurso do adiamento não cola com a realidade. O que os construtores a operar na Europa precisam não é de um adiamento, é do contrário, de uma aceleração a fundo para não perderem o comboio.

Em vez de estar a reclamar mais cinco anos, talvez fosse melhor reclamarem apoios dos governos para a sua atividade, incluindo apoios para as empresas que trabalham na expansão da rede pública de carregadores. Esse parece ser a curto prazo o gargalo da garrafa da eletrificação.

Conclusão

A maior dificuldade para as marcas a operar na Europa não é falta de tempo para desenvolver carros elétricos. A maioria até já anunciou que vai deixar de fabricar modelos a combustão antes de 2035. A maior dificuldade vai ser a concorrência das marcas chinesas. E é para isso que precisam de apoio dos políticos para, pelo menos, poderem lutar com regras equivalentes para todos, o que não se passa neste momento.

Francisco Mota

Ler também seguindo o link:

Crónica – Norma Euro 7: Afinal, o que está em causa?