10/11/2023 Foi oficialmente fundada a 1 de Novembro de 2023 e tem como objetivo produzir carros elétricos acessíveis na e para a Europa. Saiba o que esperar desta nova marca, na Crónica à 6ª feira desta semana, assinada por Francisco Mota.

 

Uma “start-up” parece ser a melhor maneira de avançar rapidamente e sem dor pela transição energética. As marcas “lendárias” como ficaram conhecidas as que existiam antes da Tesla aparecer, têm o lastro da sua história, o que nem sempre é positivo.

É um problema. Por um lado, é certo que não lhes falta experiência a fazer automóveis. Por outro, estão reféns dos investimentos do passado, que têm que ser amortizados. E isso demora tempo.

Marcas que passaram décadas a investir na pesquisa, desenvolvimento, produção e comercialização de veículos com motor de combustão, não podem largar tudo isso de uma vez e passar aos elétricos.

Híbridos na transição

Se o fizessem, muitas não iriam sobreviver. Os investimentos do passado têm que ser rentabilizados, nem que seja através de modelos com algum grau de hibridização, mas mantendo lá os motores a combustão.

Pelo menos durante uma fase de transição, é preciso que sejam os motores a combustão, híbridos ou não, isso é pouco relevante para o negócio, a fazer dinheiro. Só assim se consegue financiar o investimento nos elétricos. E fazer a desejada transição, gradualmente.

Para uma empresa “start-up” tudo é diferente. Não há lastro, começaram logo com os elétricos, não precisam de se preocupar com o que está para trás, porque não está nada para trás.

A receita de uma “start-up”

A sua estratégia é sempre a mesma, convencer ao investidores que são detentores de tecnologia que mais ninguém tem, que são capazes de gerar altos lucros e depressa.

Depois de criar essas expetativas, entram no jogo da Bolsa e esperam que sejam a nova moda de quem tem tanto dinheiro para investir, que nem sabe onde.

Umas tiveram melhores resultados que outras, algumas tiveram percursos tão fulminantes a subir na Bolsa, como depois a descer. Outras têm passado por verdadeiras montanhas russas, nesse mundo obscuro que é o mercado bolsista. A Tesla tem sido (quase) sempre a subir.

Lendário abre uma “start-up”

Mas, e se um construtor “lendário”, dos que estão há décadas ou mesmo mais de um século no mercado, decidir fundar agora a sua própria “start-up”?…

Seria uma empresa nova, sem lastro, totalmente focada na produção de carros elétricos. Uma empresa que começa do zero e não tem dívida para servir. Uma empresa que parte do zero, em termos financeiros.

Mas uma empresa que tem acesso a todo o “know-how” de produção de automóveis de uma marca “lendária”. Uma empresa que não vai cometer os mesmos erros que as “start-ups” não têm como evitar nos seus primeiros tempos.

Uma empresa que aproveita tudo o que há de bom numa “lendária”, mas sem ter que carregar nenhum fardo do passado. Começar de uma folha em branco, mas só naquilo que interessa, nas finanças.

Renault funda Ampere

A primeira dessas empresas a aparecer chama-se Ampere e anunciou como objetivo fabricar carros elétricos na Europa e para a Europa. Ampere foi uma ideia da Renault, o futuro dirá se foi uma ideia brilhante.

Além de não ter lastro, a Ampere tem acesso a toda a experiência de 15 anos da Renault e da Nissan na produção de carros elétricos. Não esquecer que o Leaf e o Zoe foram pioneiros dos eletricos na Europa e dominaram o setor durante muito tempo.

A Ampere não vai abrir fábricas novas. Vai usar inicialmente quatro da rede Renault no Norte de França. A chamada Electricity que engloba as unidades de Douai, Manbeuge, Ruitz e Cléon, mais uma nova fábrica de baterias que está a ser erguida. No total, a Ampere irá operar em 11 instalações da Renault em toda a França.

Electricity, o que é?

Para já, estamos a falar de uma capacidade instalada de 400 000 carros elétricos por ano, que deverá crescer até 1 milhão de carros por ano em 2031. Recorde-se que a Renault produz atualmente cerca de 2,1 milhões de carros por ano, somando todo o tipo de motorizações.

Na Electricity, há 11 000 empregados, 35% dos quais são engenheiros, grande parte informáticos, pois a Ampere vai apostar forte nos SDV (Software Defined Vehicle), os carros definidos pelo software.

A Electricity forma um ecossistema onde já estão instalados 20 dos mais importantes fornecedores de componentes para carros elétricos. Fábricas de baterias, de motores elétricos e outros, 80% situados num raio de apenas 300 km. Ótimo para reduzir os custos logísticos.

Mudar processos

A Ampere não vai abrir fábricas novas. Mas vai mudar alguns processos de produção. Porque, com o tal lastro também vêm processos que não foram pensados para carros elétricos e que devem ser abandonados.

Há o objetivo de integrar 80% da cadeia de valor até 2030, esperando que isso resulte num crescimento de 30% ao ano, mas isto já é conversa para convencer investidores. Tal como a que diz que o “breakeven” vai ocorrer já em 2025.

O objetivo da Ampere não é só fazer carros elétricos, é fazê-los mais baratos e torná-los acessíveis a mais compradores, que é o grande problema social da transição energética.

Como baixar o preço

Por isso, a Ampere se compromete a diminuir a diversidade de componentes em 30% nos próximos anos. Promete também que a produção vai evoluir na rapidez com que cada carro sai das suas linhas de produção, com o objetivo de que bastem dez horas para fazer cada carro elétrico.

Isso deverá diminuir os custos de produção em 40% e fazer aumentar os lucros para mais de 10% em 2030, quanto agora isso é uma miragem para a Renault, que se fica pelos 5%, segundo dados do Grupo Renault.

Ampere no capót?

Mas irá a marca Ampere chegar ao mercado como tal, como uma nova marca? Para já, a Renault diz que não. Que a Ampere vai produzir elétricos para a marca Renault, como a Autoeuropa faz para a VW, por exemplo. O novo símbolo não vai estar em nenhum modelo que se possa ver na rua.

A Ampere vai integrar os já conhecidos Megane e Scenic E-Tech 100% elétricos e depois os R5 e R4 elétricos. A que se vão seguir mais dois modelos 100% elétricos ainda não apresentados.

Depois, a Ampere vai passar para uma nova geração de plataformas, que está a ser desenvolvida e que promete usar vários tipos de baterias, de acordo com o preço final de cada modelo, perseguindo uma eficiência energética bateria-roda acima dos 90%.

Quem vai pagar a fatura?

Como se vai pagar tudo isto? A Renault acabou de vender cerca de 28% do capital que tinha na Nissan e isso ajuda. Mas também convenceu os seus parceiros na Aliança, a Nissan e a Mitsubishi a investirem na Ampere. Diz que 80% do capital está garantido e que a Renault terá o controlo.

Mas vai também lançar a Ampere no mercado bolsista, como não podia deixar de ser para uma “start-up”, para conseguir o restante do capital, de investidores que acreditem na ideia. Nos próximos dias, vai ser feita uma apresentação global aos investidores para lhes aguçar o apetite.

Conclusão

Talvez a Ampere seja uma ideia brilhante, propulsionada pelo CEO do Grupo Renault, Luca de Meo. Talvez seja uma maneira de reconfigurar a Aliança, depois de se pensar que estava com os dias contados. Se resultar, a Renault espera dominar a produção de elétricos na Europa. Se resultar, esperemos por outras manobras financeiras semelhantes dos seus concorrentes.

Francisco Mota

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