17/01/2020 – Que o parque automóvel nacional está envelhecido não é novidade. Mas sabia que metade dos carros a circular tem mais de 12 anos? Que perigos pode isso trazer para a segurança e ambiente?

 

Os dados são públicos, basta pegar neles e dar-lhes a interpretação devida, tirando depois as implicações respetivas. Foi isso que fez a Renault Portugal, numa interessante conferência em que apresentou o seu Eco Plan, um plano de incentivo à compra do seu modelo elétrico Zoe.

Para o conseguir, o plano abrange várias áreas e se quiser ficar a saber todos os detalhes, poderá ler o que já escrevi sobre o assunto, seguindo este link:

Zoe: Renault dá Via Verde e desconto de 3000€

Uma dessas áreas é o incentivo à renovação do parque automóvel nacional, uma iniciativa da própria marca, que assim se antecipa a medidas governamentais que tardam em aparecer.

Para mostrar bem “o estado a que isto chegou”, como dizia o famoso militar da revolução de Abril, a Renault reuniu os dados disponíveis sobre o parque automóvel português e apresentou algumas conclusões.

São esses números que vou “roubar” à apresentação da Renault para fazer o retrato-robót do nosso parque automóvel.

Cada vez mais velhos

Seja porque os carros duram cada vez mais, ou seja porque os compradores os querem utilizar mesmo até ao “fim” a verdade é que a média de idade do parque automóvel nacional não pára de crescer, tendo ultrapassado já os 12 anos.

E a aceleração foi rápida. Em 2000, a idade média do parque era de 7,2 anos, agora é de 12,7 anos. Nunca foi tão alta, desde que há registos.

O número de carros vendidos por ano, é inferior ao número de carros abatidos, parece ser a conclusão lógica.

Não se podendo ignorar o fenómeno dos importados usados, que voltou em força nos últimos anos.

Menos dinheiro para carros

A verdade é que o dinheiro disponível para a compra de carro novo é cada vez menos. As empresas (que compram dois terços dos carros novos) tendem a renovar as frotas a intervalos mais longos. Os privados mantém os seus carros até “cairem para o lado”, antes de pensarem em trocar.

Tudo isto leva a outro fenómeno típico de mercados com esta dinâmica: o preço dos usados desce mais devagar que nos países mais ricos, onde a desvalorização é mais acelerada.

20% tem mais de 20 anos

Feitas as contas, o número de carros a circular com mais de vinte anos é quase de 900 000, ou seja, cerca de 20% do total do parque circulante.

A maior fatia é a dos carros que têm entre 10 e 20 anos, que ultrapassa os 2,2 milhões.

Se quisermos resumir esta estatística a um número simples, então pode dizer-se que metade dos carros a circular em Portugal (2,5 milhões) tem mais de 12 anos.

Os custos que este cenário tem em termos de segurança passiva e emissões poluentes é dramático, mas muito pouco se fala deste assunto. Sobretudo da parte dos governantes.

Calamidade ambiental

Desses 2,5 milhões de automóveis com mais de 12 anos, quase todos foram vendidos depois de terem sido homologados segundo as normas anti-emissões mais antigas, da Euro 1 à Euro 4.

Só para dar uma ideia da diferença de exigência das normas antigas face às novas, posso citar dois exemplos, para os motores Diesel.

A norma EU3 do ano 2000 permitia a emissão de 6,25 vezes mais NOx que a norma EU6 de 2016.

Mais impressionante, a norma EU2, de 1996, permitia a emissão de 16 vezes mais partículas que a EU6.

Quanto ao CO2, era permitida a emissão de 180 g/km, ou seja, mais 50 g/km, em valores estimados, que os 130 g da EU6.

Os motores a gasolina podiam emitir 210 g/km de CO2, mais 60 g/km que a EU6. E isto são valores por cada quilómetro percorrido, é bom não esquecer.

E por cada ano?…

Se olharmos para o total de 10 000 km, que se aproxima da média percorrida anualmente pelo condutor português, os valores são, obviamente, mais impressionantes.

Cada carro com motor Diesel podia emitir 800 g de partículas em 1996, enquanto hoje só pode emitir 50 g, por cada 10 000 km.

Para os motores a gasolina, era possível emitir 2,1 toneladas de CO2, por cada 10 000 km em 1996. Desde 2016, a norma EU6 só permite a emissão de 1,5 toneladas.

Comparando os NOx, a norma EU3 de 2000, permitia emitir 5 kg, enquanto a EU6 só deixa que saiam do escape dos Diesel 800 g, por cada 10 000 km.

E isso era quando eram novos…

Todos estes valores eram os que os carros tinham que cumprir para ser homologados, quando eram novos e acabavam de sair da linha de produção.

Passados todos estes anos, todos os quilómetros que já fizeram e a manutenção por vezes aleatória a que (não) foram sujeitos, será difícil que, hoje, não poluam mais.

Por aqui se vê que todo o tipo de incentivos governamentais ao abate de carros velhos teria um efeito imediato na redução da poluição gerada pelos automóvel em Portugal.

Mas este é um daqueles temas que não dá “likes” nem votos. É melhor forçar a utopia dos carros elétricos para todos, que o comprador médio português não tem dinheiro para comprar.

Renault dá o exemplo

O programa de incentivo ao abate da Renault, mostra uma postura de responsabilidade exemplar, que deveria ser seguida rapidamente pelas outras marcas de grande volume a operar em Portugal.

A renovação do parque automóvel traria ainda outra vantagem, que seria o substancial aumento da segurança passiva e a redução de vítimas de acidentes na estrada.

As exigências de resistência das estruturas dos automóveis e de proteção dos passageiros em caso de acidente subiram muito, sobretudo desde que a NCAP se tornou um padrão aceite por todos os construtores.

Três exemplos

Há três simples exemplos, de dispositivos que hoje são obrigatórios em todos os carros novos e que demonstram isso mesmo.

Em 2003, apenas 25% dos carros novos vinham equipados com ABS. Dez anos depois, em 2013, ainda praticamente nenhum tinha travagem de emergência e um ano depois, em 2014, só 5 a 10% tinham ESP.

Mesmo com o envelhecimento do parque nacional, ao longo dos últimos dez anos o número de acidentes com feridos desceu 3,5% e o número de vítimas mortais desceu 31,1%. Como seria se o parque automóvel fosse mais novo?

Conclusão

É claro que nem tudo se resolve com os incentivos ao abate. Por melhores que sejam, nunca vão compensar a falta de poder de compra de grande parte dos consumidores, sobretudo dos privados que compram apenas um terço de todos os carros vendidos em Portugal.

Mas os benefícios que a renovação do parque automóvel traria em termos de redução da poluição e da sinistralidade são evidentes, com a associada redução nos custos sociais e de cuidados de saúde. Só falta aquilo a que se chama “vontade política”.

Francisco Mota

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