8/9/2023. A transição da VW para a eletrificação não está a ser tão fácil como parecia em 2019, quando o ID.3 e a plataforma MEB foram mostrados. Recuos no estilo, dúvidas nos nomes dos carros, são algumas das mudanças para conhecer em mais uma crónica à 6ª feira do blog TARGA 67, assinada por Francisco Mota.

 

Era um mundo novo. Com enorme confiança, a VW mostrava em 2019 o ID.3, fotografando-o junto ao Carocha e ao Golf, dizendo que era o terceiro ícone da marca, o pré-destinado a ser o seu próximo modelo mais vendido e a locomotiva da eletrificação da marca e do grupo.

Investimentos com números a nove dígitos, a criação de uma nova identidade de estilo, enfim, o nascimento de uma nova VW, ao lado da que se conhecia e que disputava o primeiro lugar entre os maiores produtores do mundo com a Toyota. O que aconteceu entretanto?…

As vendas do ID.3 não subiram aos números que a VW esperava, nem as dos seguintes ID.4 e ID.5, estes com a silhueta SUV que o mercado prefere. Claro que, pelo meio, tivemos a pandemia, tivemos a crise dos semi-condutores e os efeitos diretos e indiretos da guerra na Ucrânia.

Não estava “au point”

Hoje, os dirigentes da VW admitem que o ID.3 não estava suficientemente desenvolvido a nível de software para entrar no mercado e juram que nunca mais vão fazer dos seus primeiros clientes as cobaias para encontrar os erros informáticos.

Claro que este problema afetou a confiança do mercado, emperrou a produção e carregou o pós-venda. Com o passar do tempo, tudo isso foi sendo resolvido, com custos para a empresa, como é lógico, mais foi resolvido.

Os compradores pioneiros do ID.3 sempre defenderam o produto, elogiaram-lhe as funcionalidades e até defenderam o estilo, que representava uma rotura total com os modelos anteriores da marca, quase todos bem acolhidos pelo mercado.

O problema do estilo

Quando os compradores mais militantes pela causa da eletrificação ficaram abastecidos, as vendas do ID.3 que deviam então começar a subir a maior ritmo, não subiram. Estão 30% abaixo do previsto. Qual a razão? O estilo.

O estilo já fez o sucesso de carros medíocres e o fiasco de bons carros. Posso dar dois exemplos concretos na história não muito antiga da indústria automóvel europeia.

O Peugeot 206 foi um sucesso de vendas, tinha um estilo de que toda a gente gostava, ao ponto de voltar à produção, depois de ter parado, lembra-se do 206+? Mas, objetivamente era um carro tecnicamente banal, medíocre até em algumas áreas, sobretudo quando comparado com antecessores ilustres como o 205 ou até o 106.

Outro exemplo pelo oposto é o Fiat Multipla. O desenho de carro de banda desenhada foi apreciado por muito poucos. No entanto tinha um habitáculo 3+3 revolucionário que mais ninguém foi capaz de imitar, além de uma estrutura com métodos de construção inovadores que lhe dava uma dinâmica confortável e competente. Foi um fiasco de vendas.

Muito anónimo

O ID.3 não chega a nenhum deste limites. A maior acusação que se lhe pode fazer é de não parecer um VW. A linha de estilo escolhida esqueceu por completo o património estético da marca e partiu numa direção desconhecida.

Uma direção que se julgava ser o futuro, com perfil quase de monovolume para melhor aproveitar o espaço interior. E aproveita. Só que o estilo, exterior e interior é demasiado anónimo. Podia ter qualquer emblema na grelha, que ninguém iria estranhar.

Estabelecer uma nova linguagem de estilo numa marca de automóveis pode demorar anos e várias gerações sucessivas, até se atingir o ponto de chegada pretendido. Mas a VW quis fazer tudo de uma vez, uma revolução, cavalgando a transferência energética. Novas energias igual a novo estilo.

O fiasco do ID.Life

O lançamento do ID.4 e do ID.5 deveriam ter consolidado esta mudança, pois seguiram a mesma linguagem de estilo genérico. Mas o mercado não mostrou um entusiasmo particular por estes SUV e SUV-coupé.

Pior ainda, quando foi mostrado o concept-car ID.Life, que antecipava o que deveria ser um modelo elétrico paralelo ao Polo. Apresentado como o futuro do estilo nos segmentos mais acessíveis, a reação foi tão má que o “concept-car” nunca mais foi visto.

Por esta altura, o diretório da VW entrou em estado de alerta e as primeiras consequências foram as habituais: O CEO Herbert Diess disse as suas palavras de despedida e o diretor de estilo seguiu-lhe o caminho.

Nem o ID.Buzz o salvou, apesar de ter sido “amado” por toda a gente, mas vendido a um preço que os surfistas da era elétrica não podem aceder, ao contrário dos seus antecessores que comprava o “pão de forma” usado.

Voltar atrás

A VW percebeu que tinha de mudar de rumo e apresentou o concept-car ID.2all, desta vez o modelo “a sério”. Toda a gente respirou de alívio ao ver uma carroçaria com um desenho evolutivo. Uma nova geração do Polo, mantendo os códigos de estilo conhecidos da marca.

A inversão de marcha continuou com o ID.GTI Concept, mostrado esta semana no salão de Munique. Mais um desenho de evolução face ao atual Golf, mantendo os genes da marca e confirmando em definitivo outro recuo.

Quando foram lançadas as versões de 299 cv do ID.4 e ID.5, com a sigla GTX, chegou a ser dito que os GTX eram os GTI da era elétrica. Uma heresia para alguns entusiastas do GTI original e um monumental tiro no pé, para quem na VW percebeu o património único que estava a deitar fora.

Manter os ícones

Oliver Blume, o CEO da VW foi obrigado a afirmar que a VW não deixaria de ter modelos com nomes icónicos, como o Golf ou o GTI. E a prova chegou agora com este ID.GTI Concept, o Golf GTI da era elétrica.

Mas o problema não ficou resolvido. Os indefectíveis do GTI já se fizeram ouvir, dizendo que um GTI nunca poderá ser elétrico, que é uma ofensa para o “verdadeiro” GTI. Mas isso já é outra questão.

Conclusão

Apesar de já ter sido apresentado o ID.7, duvido que esta nomenclatura vá progredir muito mais. Como diz o diretor de estilo do Grupo Renault, Laurens van den Acken, “nesta época de grandes transições, as pessoas querem agarrar-se a alguma coisa que conheçam.” No caso da Renault, é uma referência aos modelos nostálgicos da marca, o R5 e o R4 elétricos, no caso da Volkswagen talvez se aplique a esta volta de 180 graus no estilo e nos nomes dos seus futuros modelos elétricos.

Francisco Mota

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