3/11/2023. A luta contra a subida anunciada do IUC para os próximos anos não é suficiente. Mais do que manter as coisas como estão, é preciso melhorar as condições do transporte individual. O incentivo ao abate é a questão mais importante. Temas da Crónica à 6ª feira do TARGA 67, assinada por Francisco Mota

 

O anúncio da subida do IUC (Imposto Único Automóvel) a partir do próximo ano, em particular para carros anteriores a 2007 levantou uma reação de protesto de muitos proprietários de modelos vendidos novos nesse período.

Apesar de não se saberem todos os detalhes, o Orçamento de Estado para 2024 prevê uma subida gradual durante vários anos, da parcela relativa às emissões de CO2 com um máximo anual de 25 euros, pelo menos para o primeiro ano.

Muitos fizeram simulações relativas ao aumento total no final deste período de transição e encontraram valores de IUC muito elevados. Entretanto, o Governo já disse que nenhum aumento anual será superior a 25 euros. Mas nada está confirmado até o OE ser aprovado.

A reação esperada

A reação dos proprietários de carros anteriores a 2007 é mais do que compreensível: porque razão os carros que menos valem, muitos deles utilizados por quem não pode comprar um carro mais recente, vão ser os mais penalizados?

A razão objetiva será a sua maior pegada ecológica, ou seja, são os carros mais velhos os que mais poluem e que mais emitem CO2 para a atmosfera. Mas essa é uma visão limitada do problema.

A injustiça social de obrigar os que menos podem, a pagar mais é o grande problema. Tanto mais que aos compradores de carros elétricos novos, com preços até aos 62 500 euros, o Estado atribui incentivos. Não é justo, dizem todos.

Ficar sem carro

Pior ainda, muitos dos proprietários de modelos anteriores a 2007 vão ter que se conformar e pagar os 25 euros a mais de IUC em 2024 por uma razão muito simples: a outra opção é ficar sem carro próprio.

Isso até é uma das opções avançadas no OE. Receber o valor do incentivo ao abate numa conta para gastar em mobilidade. Ou seja, transportes públicos, coletivos ou individuais, emissores ou não de CO2.

É aqui que entra o incentivo ao abate, que também está previsto no OE, mas ainda com muitos pontos por definir. E este é que é o verdadeiro problema. Poucos automobilistas têm carros anteriores a 2007 porque querem, a maioria é porque não consegue comprar um carro mais recente.

Incentivo ao abate fundamental

Um esquema de incentivo ao abate, em que fosse atribuído um valor suficiente para ajudar a comprar um carro mais recente, contra a entrega do carro mais velho para abate, seria a medida socialmente mais justa, mas não só.

Nem era preciso que o incentivo ao abate obrigasse a comprar um carro novo, muito menos um carro novo elétrico. Bastava que fosse um carro mais recente, digamos com 10 anos, um carro lançado de 2013 para cá.

Não só se diminuía em muito as emissões do parque circulante nacional, como se aumentava a segurança, pois a evolução que os carros têm recebido nos últimos anos, a esta nível, tem sido notável.

Efeito de escala

Seria uma medida com efeito de escala, capaz de reduzir efetivamente o total das emissões poluentes do parque nacional. Certamente mais do que acrescentar uma quantidade muito menor de carros elétricos às nossas estradas.

Uma medida de transição, como é óbvio, mas com efeitos rápidos pois tirava da estrada dezenas de milhar de carros velhos, inseguros e poluentes. Uma medida realista e não idealista como é a de pensar que é possível fazer a transição direta para os carros elétricos novos ou semi-novos, para a maioria dos automobilistas.

O que se sabe?

Para já, o que se sabe sobre o incentivo ao abate é que estará pensado para a compra de carros novos ou usados até quatro anos, elétricos ou de “baixas emissões”, ainda não tendo sido dito a quantos gramas de CO2 por quilómetro isso corresponde.

Mas, para um carro usado com um máximo de quatro anos, seria preciso um incentivo considerável, para que um número significativo de automobilistas pudesse usufruir dele. Não acredito que isso aconteça.

Se o incentivo for de cerca de 3 000 euros, como alguns especulam, então não será suficiente para ajudar a comprar um carro com quatro anos, nem elétrico nem de “baixas emissões”. Pelo menos para muitos dos automobilistas que se transportam hoje em carros que valem metade disso e têm vinte anos ou mais.

Conclusão

A discussão centrada apenas na subida do IUC não é suficiente e deixa para segundo plano o principal problema, que é a idade do parque circulante português, que já vai nos 13,5 anos. Com muitos dos carros particulares a terem vinte anos ou mais. No final de toda esta discussão do IUC, o máximo que poderá acontecer será uma diminuição da anunciada subida do IUC, por parte do Governo, que calará quem luta contra o aumento. Mas os carros de vinte anos vão continuar a circular e a poluir, os seus utilizadores vão continuar sem poder aceder a um carro mais recente e nada se resolveu.

Francisco Mota

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