29/9/2023. Se a Comissão Europeia se queixa que o governo chinês está a subsidiar os carro elétricos para serem mais competitivos na Europa, a verdade é que os construtores chineses têm margem para baixar ainda mais os preços. A Crónica à 6ª feira assinada por Francisco Mota.

 

Como aqui escrevi na passada semana, a Comissão Europeia decidiu lançar uma investigação às subvenções do governo chinês aos fabricantes locais de carros elétricos, com o objetivo de os tornar mais competitivos, quando exportados para a Europa. Uma prática considerada ilegal.

Em paralelo, foi avançada a hipótese de criar taxas à importação de carros elétricos chineses para a Europa.

A Comissão Europeia destacou um enviado especial à China para discutir o problema com as autoridades locais, que começaram por reagir dizendo que se tratava de uma tentativa de proteccionismo económico para beneficiar os construtores europeus.

Mais subsídios?

Algumas marcas da Europa não param de pedir mais subsídios aos governos europeus, para aumentar a competitivade dos seus modelos elétricos à venda na Europa, alegando que, só assim, vão conseguir captar mais clientes e competir de igual para igual com as novas marcas chinesas que não param de chegar ao nosso continente.

O problema é muito mais complexo do que parece, pois não tem que ver apenas com o mercado dos elétricos, abarcando obviamente a sua produção. E a produção de alguns dos elétricos de marcas europeias é feita precisamente na China.

Para os que são fabricados na Europa, a questão dos incentivos passa também pela manutenção dos postos de trabalho, um tema social a que os políticos não podem deixar de dar atenção, mais ainda nos casos em que os próprios estados têm participação no capital dos construtores.

Chineses 2x mais baratos

É um desafio difícil, aquele com que os construtores europeus se deparam em relação aos construtores chineses, que a Comissão Europeia estima estarem a vender carros elétricos na Europa 20% mais baratos, em média, do que os rivais europeus.

Mas as notícias que chegam da China são mais preocupantes do que isso. Para modelos idênticos, algumas marcas chinesas estão a vender no mercado chinês a metade do preço que vendem na Europa. Isso mostra duas coisas.

Que a margem de lucro na Europa é muito grande, apesar dos preços baixos, e que as marcas chinesas ainda têm margem para descer mais os preços. Duplamente preocupante…

Mudança de tática

Por isso é que o enviado especial da Comissão Europeia, Dombrovskis, foi recebido na China com um discurso das autoridades locais que mudou radicalmente em apenas uma semana.

Agora, o governo chinês diz estar pronto a dialogar sobre este tema, deixando cair a ideia das retaliações. É uma postura típica do Presidente Xi Jinping, que prefere sempre a via do diálogo à do confronto, a bem da economia.

A China não tem nenhum interesse em abrir uma guerra económica com a Europa, da qual nada teria a ganhar. Pelo contrário, por isso anunciou a formação de grupos de trabalho com a Comissão Europeia sobre o tema dos carros elétricos.

Aparentemente…

Na verdade, a posição da Comissão Europeia “aparentemente” até terá ganho força, pois uma reação negativa da China às pretensões europeias de uma relação comercial mais equilibrada, poderia desencorajar investidores a entrar ou permanecer na China, e não só os originários da Europa.

Para a China, a Europa é um parceiro económico importante, sobretudo face às maiores dificuldades que tem em lidar com os EUA. Por isso não pode hostilizar os investidores europeus.

Alemanha não é fã

Mas nem todos os agentes económicos europeus são a favor de grandes incentivos à compra de automóveis elétricos fabricados por marcas europeias na Europa ou a taxas sobre os chineses.

O chanceler alemão Olaf Scholz disse que os produtos europeus se devem impor pela sua competitividade, em vez de usar a muleta dos incentivos, ou das taxas sobre as importações da China.

Scholz relembrou reações semelhantes da Europa quando chegaram os construtores japoneses e depois os Sul-Coreanos, concluindo que “apesar disso, os construtores europeus conseguiram manter a sua posição.”

Tendo em conta os enormes investimentos dos construtores alemães na China e a consequente dependência com que ficaram do mercado chinês e da produção dos seus modelos elétricos na China, talvez seja lógico ter esta posição.

Conclusão

A ameaça da “invasão” dos carros chineses na Europa continua bem viva, disso não restem dúvidas. Mas o mais provável é que isso aconteça de forma progressiva e subtil. Se for como nos smartphones, quando dermos conta já temos todos um carro elétrico chinês estacionado à porta de casa.

Francisco Mota

Ler também seguindo o link:

Crónica – Qual vai ser a primeira Nokia dos automóveis?