22/03/2019. Na indústria automóvel são mais as perguntas que as respostas. Ninguém sabe ao certo para onde vamos. Ou será que sabe? Entrevistei um engenheiro Francês que apontou caminhos, mesmo sem ter uma bola de cristal…

“Ninguém tem uma bola de cristal para adivinhar o futuro da indústria automóvel, nem se pode comprar… Ou, pelo menos, seria demasiado cara.” Jean Christophe Kugler começou assim a entrevista que lhe tinha pedido, sob o mote do futuro dos automóveis.
Kugler é engenheiro na Renault desde 1984, na verdade, ele hoje é muito mais do que isso, é Vice Presidente executivo e Chairman da região Europa na Renault, com assento no comité executivo da marca francesa. Ele é realmente o “boss” no Velho Continente.

Carreira na “ferrugem”

Para chegar aqui, passou por muitos lugares de engenharia pura, daqueles em que é preciso arregaçar as mangas, desapertar a gravata e “descer” a linha de produção para resolver os problemas. Trabalhou em várias áreas e em vários continentes. Trabalhou na “ferrugem” como dizem na gíria.

Não é um político, ou pelo menos não parece querer ser um. “Sou um operacional, ponho as coisas a funcionar, depois de tomadas as decisões” disse-me Krugler quando lhe perguntei se achava um erro matar os motores Diesel: “a decisão está tomada. Não vale a pena comentar. Tenho que trabalhar com as condições que me dão” concluía.

A bola de cristal

Mas o que eu queria saber era a visão da Renault para o futuro. Quais as tendências para os próximos anos, numa altura em que as interrogações são muitas e nem todos parece terem descoberto o seu caminho? “A questão é muito difícil, ninguém sabe a resposta. Talvez em 2050 todos os carros sejam elétricos, não sei a data, mas estamos a caminhar nesse sentido.”

Hoje, tornou-se impossível refletir sobre a indústria automóvel sem falar de carros elétricos. Juro que tento encontrar outros temas para esta “Crónica à 6ª Feira” mas, de uma maneira ou de outra, acabo sempre a tropeçar nos carros elétricos. Como era inevitável nesta entrevista.

O nosso trabalho, juntamente com o da Nissan e da Tesla ajudou a organizar a mudança energética

É Kugler que puxa o assunto, para dar um exemplo de como o passado recente pode dar pistas em relação ao futuro. Ele fala sobre a experiência da Renault com os carros elétricos: “nos últimos dez anos trabalhámos duro nos carros elétricos e o nosso trabalho, juntamente com o da Nissan e da Tesla ajudou a organizar a mudança energética. Conseguimos isolar os pontos de bloqueio, conseguimos educar os concessionários e encontrar novas fórmulas com os financeiros. Conseguimos também informar os clientes.”

Híbridos são transitórios

Parte da história está feita, mas o que vem a seguir? O Vice Presidente da Renault não tem muitas dúvidas de que o futuro imediato está nos híbridos “uma solução transitória, mas necessária” e demonstra como a Renault fez um trabalho diferente das outras marcas, nesta área: “os outros construtores conceberam híbridos a partir dos seus modelos de combustão. Nós partimos dos elétricos, para chegar aos híbridos. Há muitas sinergias que podem ser feitas, muitos componentes são já usados por modelos da Aliança.” Este caminho permite ao produto final ter uma sensação de condução próxima à de um carro elétrico e anunciar reduções de consumos de 40%, face a modelos a gasolina equivalentes.

“A verdade é que as pessoas não sabem quantos quilómetros percorrem por dia, ou por semana. Sabem que vão à bomba meter gasolina de tantos em tantos dias e quanto costumam pagar. Mas não fazem as contas aos quilómetros.”

Mas então quais são os grande entraves ao rápido progresso dos carros elétricos? São os carros ou a infraestrutura? Kugler tem uma visão simplista mais interessante do problema: “a verdade é que as pessoas não sabem quantos quilómetros percorrem por dia, ou por semana. Sabem que vão à bomba meter gasolina de tantos em tantos dias e quanto costumam pagar. Mas não fazem as contas aos quilómetros. Por isso, quando os carros elétricos anunciavam 200 km de autonomia, os condutores achavam que isso não chegava. Agora, com as autonomias de 300 km certificadas pelo WLTP, as pessoas começam a achar que isso já lhes pode chegar para uma semana, ou até para mais. E começam a fazer contas. Se calhar, já não precisam de carregar a bateria todos os dias.”
O meu interlocutor acredita que um construtor também tem um papel na “educação” dos condutores: “como construtores, temos que oferecer tudo e depois será o cliente a escolher se lhe serve melhor um motor a gasolina, um elétrico ou um híbrido”

E os SUV… elétricos?

Mas a conversa não se ficou pelos elétricos. Eu queria saber quais as novas tendências e quem as influencia. Será que a Europa ainda é o centro do mundo no que à definição de novas modas diz respeito? “A Europa é uma das regiões que marca as tendências, isso é certo, mas o Japão também é e a China está a tornar-se cada vez mais influente.”

E depois dos SUV, que nova tendência vem a caminho? Será que Kugler conseguia responder a esta pergunta de vários milhões de euros?…
“Não estamos ainda no limite da criatividade dos designers, ainda há mais para vir. Não vejo o final da moda dos SUV a aparecer tão cedo, nem consigo ver que moda os poderá substituir. O que vejo é muitas variantes do conceito SUV, muitas novas interpretações que continuam a interessar os compradores.

Se entretanto aparecer uma nova tendência, espero que seja novamente a Aliança a descobri-la…” A alusão ao Nissan Qashqai e ao seu papel na gigantesca onda de SUV que gerou esconde outra questão, que se começa a ouvir da boca de alguns responsáveis da marca: a concorrência está a tornar a vida do Qashqai cada vez mais difícil, daí que a marca esteja já a pensar num sucessor, de que o primeiro concept-car foi mostrado há pouco tempo no salão de Genebra. “A Aliança prepara já uma nova geração de plataforma elétrica, para a Renault, Nissan e Mitsubishi” revela o Vice Presidente.
Numa última olhadela para a bola de cristal imaginária, Kugler falou sobre as vendas online, focando a experiência que está a ser feita com a Dacia no Reino Unido, ainda sem resultados suficientes para serem analisados; e em algo que se torna cada vez mais urgente, a reconversão dos concessionários, para se adaptarem aos tempos modernos.

Conclusão

Todos os carros vão ser elétricos em 2050? Talvez sim… Mas o mais certo é ter que se passar por uma fase de transição primeiro, com o crescimento das vendas dos híbridos e, quem sabe, terminando nos Fuel Cell.
Francisco Mota