05/04/2019. Os carros mais pequenos e baratos têm os dias contados. Os construtores preparam-se para os deixar de fabricar a curto prazo. De quem é a culpa?…

A notícia não tem feito títulos, mas o processo está em marcha acelerada: os carros mais pequenos e baratos vão desaparecer do mercado. Em conversas que tive com várias marcas, fiquei a saber que os modelos citadinos estão condenados a desaparecer, eliminando do mercado as opções mais acessíveis a quem deseja comprar um carro novo.

Tudo começou com o Mini

O primeiro Mini foi o grande impulsionador dos pequenos citadinos, que na altura do seu lançamento era, na verdade, muito mais do que isso. Tinha tanta arrumação dentro do habitáculo, que podia efetivamente ser um pequeno familiar, ou pelo menos era isso que queria fazer passar a publicidade da altura. O Mini foi o primeiro a abrir um filão de pequenos modelos de motor transversal dianteiro e tração às rodas da frente, uma solução técnica que rapidamente passaria a ser utilizada por carros cada vez maiores, substituindo a arquitetura tradicional do motor longitudinal dianteiro e tração atrás.
Mas nos tempos do primeiro Mini, a oferta do mercado era incomparavelmente mais simples do que hoje.

Muitos segmentos

Com a estratificação da oferta, começaram a ser definidos segmentos divididos por tamanho e por preço, e cada vez surgiram mais segmentos. A ideia era fazer o consumidor começar a sua carreira automobilística por um modelo dos mais pequenos e acessíveis e depois ir subindo à medida das suas possibilidades económicas e necessidades de transporte familiar, para modelos maiores e mais caros.

No entanto, as coisas foram mudando gradualmente de rumo, sobretudo no que aos pequenos citadinos diz respeito. Com o crescente congestionamento das cidades, os citadinos começaram a cumprir também a função de segundo carro das famílias, muitas vezes usados para as deslocações diárias nos centros urbanos com trânsito mais denso.

O Smart ForTwo foi o extremo desta prática, tanto mais que está limitado a apenas dois lugares, o que elimina o transporte familiar, em grande parte dos casos. É um segundo carro típico, sabendo-se que as ambições de vendas de um segundo carro raramente são muito grandes.

“Canibalizado” pelo segmento B

O segmento imediatamente acima, o dos utilitários, rapidamente se instalou como o mais versátil, no compromisso entre dimensões exteriores, espaço habitável e preço. Tanto mais que é o segmento com maior concorrência e aquele em que as estratégias comerciais são das mais agressivas.

Resultado: frequentemente, é possível comprar um carro do segmento B por pouco mais dinheiro do que um do segmento A.
Logicamente, os compradores optam pela opção do segmento B, pois, na maioria dos casos, os compradores só adquirem carros pequenos quando não têm dinheiro para comprar um maior.

O fim da linha para os pequenos

A erosão nas vendas do segmento A é mais do que óbvia e já dura há vários anos. Foi isso que levou algumas marcas a constituírem parcerias para partilhar projetos neste segmento, veja-se o caso do Toyota Aygo/Citroën C1/Peugeot 108, do VW up!/Seat Mii/Skoda Citigo ou do Smart ForFour/Renault Twingo.

Do lado dos construtores, os volumes de vendas são tão pequenos que começam a tornar impossível resolver a equação sem perder dinheiro. A questão é que, a não ser que se opte por um nível de construção verdadeiramente “low cost”, que muitas vezes não se encaixa com a imagem das respetivas marcas, fabricar um carro do segmento A não é muito mais barato que fabricar um do segmento B.

Mas o mercado não está disposto a pagar o mesmo pelas duas opções. A imagem do carro pequeno e barato ainda é um estereótipo.

Tramados pelas emissões

Se a situação já era difícil, para os carros mais pequenos e acessíveis, as novas normas de emissões de CO2 vieram tornar tudo ainda mais complicado. A consequência imediata foi a subida dos preços, devido às taxas mais severas sobre as emissões de CO2. Preparar os motores de modelos do segmento A para baixarem as emissões tem custos que não se conseguem amortizar nas margens de lucro, que já eram muito pequenas.

E o futuro ainda é mais negro, pois não se espera que os construtores façam esse esforço, sendo mais fácil pura e simplesmente deixar de fabricar esse tipo de modelos.
O consórcio entre a Toyota e a PSA, já declarou que os modelos que partilham a base no segmento A, referidos acima, não vão ter sucessores. A VW também já disse que o projeto do up! e “primos”, também tem os dias contados e não terá sucessor. E a Smart também anunciou o fim da parceria com a Renault.

Na verdade, resta o Fiat 500 como o único que consegue ter uma expressão de vendas aceitável, em conjunto com margens de lucro saudáveis, devido ao posicionamento premium que o modelo conseguiu atingir. E os coreanos da Kia e Hyundai, que ainda não revelaram detalhes para o i10 e Picanto.

Elétricos não são solução

Para quem pensava que um pequeno citadino elétrico seria a escolha ideal, servindo os que se movimentam diariamente na cidade, também vai ser uma desilusão. Desde logo porque os construtores já disseram que, com os custos atuais das baterias, é impossível vender um pequeno carro elétrico citadino por muito menos de vinte mil euros, praticamente o dobro daquilo que hoje custa um citadino a gasolina.
O fim dos citadinos parece certo. Mas será que vamos mesmo ter saudades deles.

A verdade é que, muitos só os compravam porque não tinham dinheiro para comprar um carro maior, não porque gostavam de andar encolhidos dentro de um carro minúsculo. Mas será que vai aparecer uma opção, para quem não tenha (ou não queira) gastar muito dinheiro num carro?

A Dacia tem mostrado que há uma saída, como o prova o sucesso dos seus modelos, sobretudo na Europa. Mas não vejo ninguém a seguir o seu exemplo, talvez porque o problema da obrigatória redução das emissões continua a ser uma preocupação que não se resolve com “low cost”, mas sim com “high cost.”

Conclusão

Que vamos encarar uma questão social, em que os compradores com menos meios financeiros vão ter cada vez mais dificuldade na aquisição de um automóvel novo, isso parece certo. A continuação da utilização dos carros usados, fazendo-os durar muito para lá do razoável, deverá ser uma das tendências, a que já hoje se assiste. A solução talvez passe pela utilização de plataformas de carros partilhados, não pela propriedade, o que vai mudar por completo a relação que muitas pessoas têm com o “seu” automóvel.

Francisco Mota

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