12/07/2019. Nem tudo são rosas, quando se fala de carros elétricos. A pressão política para a “transferência energética” já está a criar desemprego na Europa.

 

A Ford anunciou recentemente o fecho de duas fábricas de motores na Europa, porque estão a trabalhar abaixo da sua capacidade total e porque os motores que lá fazem não estão a ter a aceitação que esperava.

Uma delas é no Reino Unido e fabrica o novo motor de três cilindros de 1,5 litros, um motor muito bom, que já guiei no novo Focus e no fabuloso Fiesta ST.

O problema é que o motor 1.0 Ecoboost também é muito bom e está a consolidar-se como o baricentro da gama Focus, não dando espaço para o 1.5 crescer.

Eletrificação é prioridade

Por outro lado, a Ford está a canalizar os seus investimentos para os novos híbridos de que precisa urgentemente, se não quiser pagar as multas sobre as emissões que estão a chegar já em Janeiro.

Por isso, uma lista estimada em sete mil trabalhadores irá engrossar a despesa social do país, dentro em breve. E não vão passar para nenhuma fábrica de baterias, como veremos mais à frente.

Este é só um exemplo, dos mais visíveis, porque diz respeito a uma marca de primeira linha. Mas se descermos à indústria dos componentes, então a história é ainda mais dramática.

Alguns fornecedores, que têm a sua atividade centrada em peças específicos para motores térmicos, já estão a sofrer na pele a descida das encomendas e começam a ponderar mudar de negócio.

Sinal dos tempos?…

Pode dizer-se que é o sinal dos tempos, que é o preço a pagar pela “transferência energética”, que essas empresas têm que se adaptar. Que é a evolução natural.

Tudo isso seria verdade, se a mediatização dos carros elétricos tivesse uma correspondência direta com a realidade das vendas, mas não tem.

De todos os carros fabricados no mundo, em cada ano, que ascendem aos 86 milhões, apenas 1,5% são carros elétricos. Ou seja, todos os anos são fabricados apenas 1,26 milhões de carros elétricos.

Só para dar uma ideia da dimensão, as vendas anuais de carros elétricos em todo o mundo equivalem à produção anual de uma marca como a Skoda.

O fator Europa

Mas então por que razão a produção de motores térmicos está a descer?
É que estamos a falar da Europa e das normas anti-poluição que vão entrar em vigor na Europa. Nada disso vai acontecer noutros grandes mercados, como o dos USA ou da China.

Os construtores de primeira linha na EU estão sob aquilo a que se pode chamar uma tempestade perfeita.

Por um lado, têm a pressão de investir nas novas motorizações, sobretudo nos híbridos; por outro lado continuam a ter que produzir motores térmicos convencionais para abastecer o mercado.

Como não têm dinheiro para tudo, o investimento no desenvolvimento dos motores térmicos praticamente estagnou.

Consolidação da produção

Na indústria, fala-se cada vez mais na “consolidação” das fábricas de motores térmicos, uma palavra bonita para dizer que se vão fechar fábricas de motores, que estão a laborar abaixo da sua capacidade, juntando a produção de várias fábricas numa só instalação.

Daqui até imaginar fábricas de motores multi-marca, é um pequeno passo, mas um passo que poderá apenas ser transitório, a caminho da partilha generalizada dos mesmos motores por várias marcas.

Alguns protagonistas da indústria defendem esta ideia há vários anos: de que tudo aquilo que o comprador não vê, pode e deve ser partilhado pelo maior número possível de marcas. A exemplo do que acontece há décadas na indústria informática.

Motores “bons” e motores “maus”

Se os compradores vão achar bem comprar um Alfa Romeo equipado com o mesmo motor de um Subaru, isso já é outra questão. Mas tenho a impressão que sei a resposta…

A parte boa da “consolidação” é que o mercado vai perceber rapidamente quais são os fabricantes de motores térmicos “bons”, ou seja, os capazes de cumprir as próximas normas anti-poluição, dos que são “maus”, os que não conseguem atingir essas metas.

Julgo que já nem vai ser a questão de haver ou não multas para os motores que fiquem acima dos famigerados 95 g/km de CO2. Vão ser os próprios compradores a não querer escolher esses motores de má reputação.

Máquinas a vapor também acabaram

Volto ao princípio. O fim dos motores térmicos vai chegar um dia, tal como chegou o fim das máquinas a vapor. Mas os analistas melhor informados garantem que isso não vai acontecer durante as próximas duas décadas, pelo menos.

São os mesmo analistas que já viram o óbvio, que a tal transição energética nos automóveis não vai ser do Diesel para o Elétrico, como alguns pensam.

Mas vai ser dos motores térmicos para os híbridos. E estes continuam a precisar de motores térmicos, para serem híbridos. Por ironia, em alguns casos até são motores Diesel, como algumas marcas já demonstraram, caso da Mercedes-Benz.

Entretanto, o desemprego associado à “vertigem elétrica” vai continuar durante os próximos tempos. Há quem tenha contabilizado já 35 000 desempregados na indústria automóvel, diretamente relacionados com a eletrificação.

Conclusão

Enquanto na Europa se fala em fechar as fábricas que produzem motores térmicos, na China aumentam as fábricas de células de baterias para carros elétricos.

Na Europa, estamos agora a começar a perceber que os carros elétricos precisam de baterias e que as células que as compõem são feitas na China.

Durante anos dependente dos Estados produtores de petróleo, o futuro elétrico da indústria automóvel vê um horizonte de dependência da China.

Algumas movimentações começam a surgir, tanto a nível de “joint-ventures” entre fabricantes como de iniciativas ao nível de alguns Estados membros da EU, que planeiam criar “clusters” de produção de mobilidade elétrica, incluindo fábricas de células de baterias.

Sem espanto, os chineses estão na corrida para instalar uma fábrica dessas na Europa. Não é difícil imaginar quem vai ganhar esta “corrida”.

Francisco Mota

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