Reanimar uma marca que teve os seus momentos de glória no início dos anos setenta, não é fácil. Umas voltas ao circuito do Estoril, com o antigo e o novo A110, serviram para adensar ainda mais a dúvida: será que esta manobra de reanimação vai ter sucesso?…

 

“O seu carro é muito bonito! Mas diga-me: que marca é?” A pergunta ouvi-a do condutor do carro ao lado, parado num semáforo, quando estava a ensaiar o novo A110. Quando respondi ouvi isto: “mais isso é uma marca nova, é?…”

Claro que ainda há quem tinha idade para ter memórias dos anos setenta, das vitórias da Alpine no rali Tap de Portugal e no Monte Carlo. Mas são cada vez menos e mais velhos, não podem ser o cliente alvo da Alpine.

As ambições têm que estar viradas para pessoas mais novas, como é claro, para as gerações que nunca viram um dos originais A110 Berlinette, a não ser em livros ou em concentrações de clássicos.

Para confirmar se a inspiração do antigo modelo tem real legitimidade, ou se não passa de uma manobra de marketing nostálgico, era preciso colocar lado a lado o novo A110 e o seu antecessor, guiar os dois e tirar conclusões. Foi o que fiz, no circuito do Estoril.

Pequeno e… minúsculo!

Como sempre acontece, quando se estaciona um carro moderno junto do seu antecessor, a primeira impressão vem do contraste das dimensões.

Claro que a Berlinette já era um carro pequeno, quando foi apresentado em 1961, mas ao lado do novo A110, parece um brinquedo: mede 3851mm de comprimento, contra os 4180mm do novo e só tem 1130 mm de altura, contra os 1252mm do atual.

Mas a linha original foi bem traduzida para o presente, com o fundo plano e o extrator a evitar a necessidades de uma asa traseira.

No modelo original, tudo parece feito à escala, até as jantes de 13” com pneus de largura 165 (235/40 R18 nas rodas de trás do novo A110) com o desconcertante camber das rodas traseiras a mostrar que estava bem preparado para as curvas.

Metade do peso!

Talvez mais incrível seja o peso de 540 kg das versões iniciais com motor de 1,2 litros, contra os 1103 kg do novo A110 em alumínio.

Isto porque a Berlinette era construída a partir de uma estrutura dorsal em caixa de aço, que suportava toda a mecânica e onde depois assentava a estrutura fechada em fibra de vidro, que incluía a carroçaria e o fundo.

Muitos componentes vinham do Renault R8 da época, o mais importante era o motor de quatro cilindros, colocado atrás do eixo traseiro, tal como a caixa manual que transmitia a potência às rodas traseiras.

O novo A110 tem o motor numa posição muito mais equilibrada, central, à frente do eixo traseiro. Mas era o motor traseiro que dava à Berlinette vantagem na tração, nos pisos de terra e de neve dos ralis dos anos 70.

Viagem no tempo

Entrar no cockpit da Berlinette é fazer uma viagem no tempo. As portas são leves como penas, o teto é incrivelmente baixo, o banco desportivo da época, tem muito apoio lateral nas ancas, mas nenhum nos ombros.

A posição de condução é ainda mais baixa que no novo A110, o volante “cai” perfeitamente nas mãos, a visibilidade para fora é excelente e o painel de instrumentos tem dois gigantescos mostradores, com três mais pequenos no meio. Falar de qualidade de construção não fará sequer grande sentido. O conceito, na altura, era outro.

O motor tosse e “embrulha-se” ao ralenti e a frio, mas quando aquece e se lhe faz subir o regime, o som dos quatro cilindros toma aquela tonalidade de carro antigo que não se consegue copiar.

Quase um “ser vivo”

Há vibrações na estrutura, há cheiros da mecânica, há um “ser quase vivo” nas mãos e uma direção que, sem assistência, é pesada quando o tiro do paddock, mas leve e precisa assim que o largo na pista do Estoril.

Nunca há dúvidas sobre aquilo que o eixo da frente está a fazer, tal é a fiabilidade da comunicação que o volante passa ao condutor. A velocidade ganha-se pelo baixo peso, não pela potência.

A agilidade de entrada em curva é extraordinária. Num piso com muita aderência, com este motor 1300cc e com uma afinação de suspensão que dá prioridade à eficácia, a Berlinette mostra excelente estabilidade e uma atitude muito neutra.

Experiências anteriores com outras Berlinettes já me mostraram que a transição para a sobreviragem pode não ser muito suave, mas isso fazia parte das exigências de guiar um carro como este nos anos sessenta e setenta.

O que sempre encontrei nas várias Berlinette que guiei até hoje foi uma caixa de velocidades difícil de operar, lenta, imprecisa, com o “H” mal definido, o que se percebe quando se pensa que a caixa está “lá atrás”, junto ao motor.

O novo A110, que contraste!

Passar para o novo A110 serve para perceber quando a indústria evoluiu em cinquenta anos, o novo modelo pode hoje ser considerado quase um carro de luxo, face à rudeza artesanal da Berlinette.

A precisão da direção, a rapidez da caixa Getrag de dupla embraiagem, o total mutismo de sons parasitas, estão anos-luz à frente.

Mas também é uma oportunidade para perceber que os engenheiros que fizeram o novo modelo mergulharam no passado e conseguiram identificar o ADN da Alpine.

Não é só a leveza e a agilidade que os dois carros partilham, nem o estilo. É um espírito desalinhado com a concorrência, que fazia da Berlinette um caso à parte no panorama dos desportivos da sua época. O mesmo que hoje se pode dizer do novo A110, olhando para a concorrência.

Conclusão

Será isto suficiente para cativar as novas gerações? A reação entusiástica do tal condutor no semáforo, acompanhada pela dos adolescentes que o acompanhavam, indicia que sim. Nenhum deles tinha idade para ter memórias dos anos 70.

Pode ser a prova de que uma linha nostálgica pode cativar mesmo quem não conhece o original. E para aqueles que estiverem na dúvida, mas tiverem o privilégio de testar um dos novos A110, a experiência de condução vai tornar tudo muito claro.

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