Gostava de começar este texto a dizer que o novo Alpine A110 me traz memórias do antigo A110, um carro marcante no mundo dos ralis do início dos anos setenta, com as suas duas vitórias no rali de Portugal. Um carro com que todos os entusiastas de desportivos sonhavam na altura, tanto ou mais do que com o 911. Gostava de concluir dizendo que o novo modelo honra essas memórias e proporciona um extraordinário regresso ao passado. Mas não posso!

Ainda há memória?

Não posso, pela simples razão de que não tenho idade para isso. Em 1973, o ano da última vitória do Alpine-Renault A110 no rali de Portugal, eu tinha seis anos. As memórias que tenho da “Berlinette” original são de ouvir o meu pai dizer que adorava poder comprar um. E isto será o maior ponto de interrogação deste regresso da Alpine: será que ainda há memórias suficientes para fazer o regresso da marca e o desenho nostálgico do novo A110 ter efeito?

A pergunta que mais me faziam era: “que carro é este?” A que se seguia: “um Alpine?… É uma marca nova?…”

Pela amostra que tive, durante os dias em que o guiei, fiquei com algumas dúvidas. É certo que o minúsculo desportivo azul de dois lugares, chama as atenções de uma maneira simpática. Quem o via estacionado, aproximava-se e alguns faziam perguntas, a mais frequente das quais era: “que carro é este?» A que se seguia: “um Alpine?… É uma marca nova?…” Claro que também apareceram os mais entendidos, que sabiam tudo sobre o carro. Mas desconfio que os primeiros estão em maioria, sobretudo entre os observadores mais novos e menos dedicados a conhecer a história do automóvel.

Première Edition

Com um volume de produção que será baixo, talvez isto não seja, para já, um problema. Quando começarem a surgir outros modelos, logo se verá se o novo A110 fez o seu trabalho de reavivar a Alpine. Para já, o que me interessava era guiar o novo desportivo nas minhas estradas preferidas. O exemplar das fotos pertence a uma edição limitada a 50 unidades, feita para os jornalistas testarem, como se pode ver numa placa aparafusada na consola. É um “Première Edition”, igual aos 1955 que foram feitos para venda ao público, em homenagem ao ano de fundação da Alpine, já todos vendidos, claro.

Dois números acima

Nas fotos não se nota tanto, mas o A110 é muito pequeno, para os padrões atuais (4,2 metros) de modo que mais parece um brinquedo. Os bancos são tão baixos que se “cai” para dentro deles e fica-se bem rente ao asfalto. O desenho do forro imita o dos antigos A110, com costuras em losango nas partes que o forram a pele. Apoio lateral, não falta, mas nem a altura nem a inclinação das costas se pode ajustar, nesta série especial. Nas versões que vêm a seguir, há bancos reguláveis. Assim, foi como calçar sapatos dois números acima do meu. Fiquei muito baixo e muito reclinado, para o meu gosto.

Falta o P e o M

Não ia deixar que este “detalhe” me estragasse a experiência, até porque o volante forrado a Alcantara tem uma pega muito boa e está quase vertical. Como o A110 só está disponível com caixa de dupla embraiagem, a alavanca da caixa deu lugar aos botões DNR (não há P, é preciso carregar longamente no N; não há M, é preciso carregar duas vezes no D) e há um enorme botão vermelho “Engine Start”. Fixas à coluna de direção estão duas patilhas de bom aspecto mas um pouco curtas e altas, pois continua a estar por baixo o antiquado satélite do sistema de som.

Estrutura em alumínio

O motor é um 1.8 Turbo de quatro cilindros, partilhado com o Mégane RS, aqui com 252 cv e está logo atrás dos bancos, em posição transversal. Não fica atrás do eixo traseiro, como no A110 original, e ainda bem, porque assim a distribuição de massas é muito melhor. Reduzir o peso foi uma prioridade, por isso a estrutura é em alumínio, o que não deve ficar nada barato. Mas em 2012, quando Carlos Tavares estava na Aliança, havia a ideia de partilhar custos com a Caterham, até a empresa Britânica perceber que o melhor era continuar a fazer o Seven e não se atirar para altos voos. Pesa só 1178 kg.

Parece que o motor não tem que se esforçar para pôr o A110 a andar depressa, uma sensação que me fez lembrar de imediato o Lotus Elise

E leveza é mesmo a primeira coisa que se sente quando se mete o A110 em marcha. Parece que o motor não tem que se esforçar para pôr o A110 a andar depressa, uma sensação que me fez lembrar de imediato o Lotus Elise. Outra coisa em comum é a proximidade dos sons do motor e da caixa, que chegam todos aos ouvidos com o uivo do turbo e o “puff” da válvula de descarga a destacarem-se. Em cidade, o conjunto motor/caixa sabe ser suave até nas manobras e a suspensão é muito mais confortável do que se poderia esperar de um desportivo como este: mais vantagens do peso baixo. Há duas bagageiras pequenas, uma à frente e outra atrás, mas não há porta-luves, apenas uma prateleira sob a consola, que faz uma ponte por cima. Nada prático. Sobra uma bolsa em pele, atrás dos bancos. Os retrovisores implicam com a visibilidade para o ângulo 3/4 dianteiro e, para trás, vê-se pouco.

Botão SPORT e ESP off

Claro que há por aqui muitos componentes Renault, mas também alguns originais e o resultado final, não tendo a sensação de qualidade de um Cayman, não chega a ser tema de conversa. O monitor central tem a habitual catadupa de informação, para os que gostam de brincar à telemetria. Para mim, é mais importante o botão Sport no volante, para mudar o modo de condução e o botão do ESP off, na consola.
O baixo peso beneficia também a resposta do turbocompressor, que surge imediata logo desde os baixos regimes e vai até ao corte sempre a debitar força. Mesmo em “M”, a caixa antecipa-se e passa para a mudança acima, assim que chega o “red-line”. Preferia ser eu a fazer isso, mas percebo a estratégia de auto-defesa.

A direção tem o peso certo em cidade, parece um pouco leve, em autoestrada e depois volta a ter muito tato em curva, com um rácio muito bom, que a torna direta sem ser nervosa.

Jogar com as massas

Assim que chego a um troço de estrada secundária, sem trânsito e com boa visibilidade, começo por levar o A110 para as curvas com rapidez, mas suavidade. A suspensão coloca a frente com precisão e ligeireza e o A110 assume uma atitude neutra que passa a levemente subviradora, exagerando um pouco. Mas é uma subviragem benigna, só a avisar onde estão os limites da borracha. Basta aliviar o acelerador para voltar à linha inicial.
Em pisos de baixo atrito e curvas de baixa velocidade, o A110 consegue colocar-se a derivar ligeiramente de traseira, em potência. Mas a parte mais divertida aparece quando se começa a jogar com as massas. Por exemplo prolongando a travagem para a entrada em curva, faz a traseira rodar sob o efeito da inércia do motor central, mas é preciso estar atento para segurar o efeito de pêndulo na altura certa, com o volante e o acelerador.

Como a segunda velocidade é curta, isto acaba por se fazer muitas vezes em terceira, o que castiga um pouco mais os pneus da frente, mas acaba por resultar numa transição entre o neutro e o sobrevirador mais consistente. Dos travões não tenho nada a dizer, a não ser que responderam sempre “presente!” Em pisos molhado, o baixo peso pareceu ter os seus “contras” tendo dificuldade em fazer os pneus trabalhar e, com o ESP em modo Sport, a sua atividade torna-se muito frequente.

Conclusão

Eficiente e rápido, quando guiado “certinho” o A110 também se deixa levar para uma condução mais “equlibrista”, que aumenta a emoção e pede mais atenção do condutor. A caixa de dupla embraiagem não faz sonhar com uma manual, cumpre bem o seu papel e enquadra-se no que hoje é a oferta de desportivos como este. Quanto ao desenho nostálgico, parece-me um dos melhor conseguidos, dentro desta ideia de “copiar” um clássico. Mesmo para quem não conheça o antigo A110, o desenho da nova geração não obriga a um implante de memórias para o apreciar.

Potência: 252 cv

Preço: 66 000 euros

Veredicto: 4,5 estrelas