Renault Clio e-Tech HYBRIDE tests for the Car of The Year at Mortefontaine, from december 2 to 3, 2019 - Photo Greg / DPPI

A Renault está pronta para o lançamento da nova tecnologia híbrida E-Tech. O primeiro vai ser o Clio e já testei um protótipo, com a sua inovadora caixa de 15 velocidades. Saiba como é.

 

Não é mais um “mild-hybrid” em que a publicidade se “esqueceu” da parte “mild”, é mesmo um “full-hybrid”, capaz de andar em modo 100% elétrico.

Ao contrário, um “mild-hybrid” apenas dá uma ajuda ao motor térmico a que está acoplado, nunca permite uma condução 100% elétrica e, por isso, a redução de consumo que proporciona é mais baixa.

O Clio E-Tech tem um conceito que se aproxima daquele que a Toyota tem no mercado há mais de vinte anos. Com algumas diferenças fundamentais, de que vou falar mais adiante.

Tendo o Zoe como oferta 100% elétrica no segmento B, a Renault não fez como a Peugeot e o 208, preferindo acrescentar um híbrido à gama Clio, em vez de mais um elétrico.

É uma estratégia interessante, pois recolhe maior descida de consumos e emissões do que um “mild-hybrid”.

Ainda para mais, no segmento que é o mais vendido na Europa e que o Clio domina.

Preço de um Diesel

Sabendo-se os preços, que a Renault já anunciou, o Clio E-Tech tem o argumento suplementar de se posicionar no mercado ao mesmo nível da versão Diesel.

Custa os mesmos 23 200 euros que o Blue dCi e gasta praticamente o mesmo: 4,2 l/100 km, para o dCi e 4,3 l/100 km, para o E-Tech.

E isto com a vantagem de o E-Tech ter 140 cv, contra os 115 cv do dCi.

Para perceber como funciona o novo sistema híbrido, fui testar dois exemplares do Clio E-Tech, ainda em versão protótipo.

Guiei um no meu conhecido circuito de Mortefontaine, em França e o outro nas estrada públicas, em redor.

O mínimo de diferenças

As diferenças face aos outros Clio são apenas de detalhe, tanto por fora, como por dentro. A maior delas será a presença de um indicador de carga da bateria, no painel de instrumentos e de um fluxo de energia, no monitor tátil central.

Os modos de condução estão acessíveis através do habitual botão Multi-Sense, sob o monitor central.

Mas como é norma nos “full hybrid” o arranque é sempre feito em modo elétrico com o motor a gasolina a ficar “calado” até aos 15 km/h, pelo menos.

Não sendo muito relevante num híbrido como este, a bateria consegue mover o Clio em modo 100% elétrico durante uns cinco a seis quilómetros.

Anda 80% do tempo em modo zero emissões

O dado mais importante é outro dado: que percentagem de tempo de circulação é que o sistema consegue funcionar com emissões zero?

Os testes da Renault indicam para os 80%, em cidade, incluindo situações em que o Clio avança em roda livre e outras impulsionado apenas pelo motor elétrico.

Conduzindo o protótipo em estradas rurais, com passagens por algumas pequenas povoações, foi possível verificar que o sistema híbrido recorre o máximo de vezes ao binário elétrico.

As rotações do motor a gasolina permanecem sempre baixas e as reduções da caixa automática são pouco frequentes. Deste que não se carregue muito no acelerador.

O motor elétrico é capaz de mover sozinho o Clio até aos 70 km/h, desde que haja eletricidade na bateria e a estrada seja plana, o que senti acontecer com frequência, sobretudo no modo Eco.

Em contrapartida, a resposta do acelerador fica menos viva e as passagens de caixa mais arrastadas. É mesmo para andar tranquilamente.

Modo “B” disponível

Para maximizar a regeneração, como é usual neste tipo de sistemas, há um modo “B” que se acciona na alavanca da caixa automática.

A retenção em desaceleração mostrou-se bastante forte, permitindo usar o pedal de travão menos vezes, ou nem usar.

Quando a bateria desce aos 25% de carga e a regeneração por inércia não é suficiente para a carregar, o sistema passa a fazer regeneração assistida.

Nesta situação, o sistema passa a híbrido em série, com o motor elétrico a deixar de mover as rodas e a accionar o gerador para carregar rapidamente a bateria.

Isto foi percetível neste teste, numa desaceleração em que o motor a gasolina continuou a trabalhar mesmo depois de tirar o pé do acelerador.

Desacoplado das rodas, estabilizou nas 1700 rpm contínuas para accionar o gerador.

No indicador de carga da bateria, foi fácil ver a barra a crescer, quando o motor funcionava desta maneira.

Modo Sport

Passando para o modo Sport, a resposta do acelerador fica claramente mais sensível, fazendo o motor a gasolina subir de regime mais depressa.

Mas nunca de forma desesperada, sempre a contar com a presença do binário elétrico para dar o seu contributo e sem muitas reduções na caixa.

Em autoestrada o E-Tech é movido apenas pelo motor a gasolina, pois o motor elétrico deixa de ser eficiente.

Mas numa aceleração forte, por exemplo para ultrapassar, a parte elétrica está lá para dar um “boost” adicional de binário, que dura no máximo 15 segundos de cada vez.

E agora na pista

Quando passei para o protótipo que me esperava no circuito, continuei em modo Sport, e agora com condições para uma condução mais rápida.

É óbvio que a bateria se descarrega mais depressa e que há menos ocasiões para regenerar, mas as prestações máximas não pioraram, o sistema guarda sempre energia para isso.

Em pista, nota-se a falta de patilhas de caixa de velocidades, mas há razões técnicas para isso, como veremos mais à frente.

O Clio E-Tech tem a mesma dinâmica das outras versões, tudo muito bem controlado, mesmo nas mudanças de direção bruscas.

A direção tem boa precisão e rapidez e nunca há falta de tração, mesmo quando se carrega a fundo para usar os 140 cv, que se mostram bastante convincentes.

Outra boa notícia é que o efeito de variação contínua que alguns condutores não gostam, está ausente neste sistema.

My sense é o melhor

Além dos modos Eco e Sport, há ainda o modo My Sense, que é o modo assumido por defeito quando se liga o carro.

É um modo que não chega aos extremos do Eco, que desliga o A/C para conseguir reduzir os consumos em 5%, mas que proporciona uma gestão equilibrada da energia.

Nos protótipos que guiei, ainda havia algumas afinações finais a fazer.

Nas travagens entre 50 e 70 km/h, as reduções da caixa automática não eram muito suaves. E faltava progressividade ao pedal de travão. Coisas que entretanto já devem ter sido resolvidas.

Como funciona o sistema

Esta foi a parte prática, faltava a teoria. O sistema E-Tech é composto por um motor 1.6 a gasolina, sem turbo, usado pela marca em mercados fora da Europa e fabricado pela Renault-Samsung, na Coreia do Sul.

Tem 91 cv e está acoplado a um motor/gerador elétrico de 35 kW, totalizando 140 cv combinados.

A bateria é de iões de Lítio com 1,2 kWh, trabalhando a 230 V, arrefecida pelo sistema de climatização do habitáculo e pesa 38,5 kg. Tanto o motor principal como a bateria são os do Zoe.

Existe ainda um segundo motor elétrico, mais pequeno, com 15 kW, cuja principal função é a de arrancar o motor a gasolina e sincronizar as mudanças de velocidade na inovadora caixa de velocidades robotizada.

E aqui é que está o “segredo” de todo o sistema.

A caixa “multi-modo”

A Renault chama à esta caixa “multi-modo”, por poder funcionar em modo elétrico, híbrido ou térmico.

O “hardware” é o de uma caixa de velocidades manual sem embraiagem: as mudanças são engrenadas por atuadores elétricos, sem intervenção do condutor.

Também não tem sincronizadores, pois é o segundo motor elétrico que coloca os carretos à velocidade certa para cada mudança ser engrenada de forma suave.

De um lado da caixa, o veio secundário está ligado ao motor elétrico principal, com duas relações de transmissão.

Do outro lado, está ligado à cambota do motor a gasolina e com quatro relações.

Tem 15 velocidades disponíveis

É a combinação destas duas relações elétricas e quatro térmicas que permite ao sistema E-Tech fazer tudo.

Funcionar como um elétrico puro, como um híbrido paralelo, híbrido em série, fazer a regeneração, regeneração assistida pelo motor a gasolina ou andar apenas com o motor a gasolina.

A combinação total de relações, entre as quatro a gasolina, as duas elétricas e os dois pontos mortos, chega às 15 possibilidades.

Nem todas são usadas, mas seria impossível ter comando por patilhas, além de implicar um custo suplementar.

Custos muito contidos

E o custo acaba por ser o maior segredo desta caixa, pois consegue ser eficiente e muito mais barata que um sistema epicicloidal como o da Toyota, permitindo assim o seu uso em modelos do segmento B como o Clio.

O Clio E-Tech assenta na lógica de que mais vale vender muitos híbridos a preço abordável do que poucos elétricos, mais caros. Mas isso só foi possível porque o projeto conseguir conter muito os custos.

Conclusão

Não só devido à inovadora caixa de velocidades, mas também porque o E-Tech não implica grandes alterações à plataforma CMF-B.

Apenas o “poço” da roda suplente desaparece para dar espaço à bateria. Nem a suspensão precisou de alterações.

Só falta mesmo guiar a versão final, para confirmar se todas as calibrações finais foram bem sucedidas. E testar a versão Plug-in, montada no Captur.

Francisco Mota

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