Publicidade Continue a leitura a seguir

Crónica – Falta de “chips” encolhe listas de opcionais

A crise dos semi-condutores está a atingir o automóvel

Na Tesla, o apoio lombar do passageiro está indisponível

Na Renault, há falta de ecrãs táteis de grandes dimensões

Na Ford, o painel de instrumentos digital está a faltar

Algumas funções dos sistemas de ajuda à condução estão a ficar de fora

Alguns carros esperam "chips" para serem acabados

Publicidade Continue a leitura a seguir

25/6/2021. No outro dia, um amigo encomendou um B-SUV. O negócio ficou fechado, com duas contrariedades: a entrega vai demorar três meses e o painel de instrumento vai ter que ser o analógico. Não há “chips” disponíveis para o painel digital opcional.

 

Esta história é uma de milhares que está a acontecer aos compradores de automóveis neste momento e a “culpa” é da falta mundial de “chips”, ou semi-condutores.

A indústria automóvel está a ser afetada fortemente pela insuficiente produção mundial de “chips” e as marcas têm que tomar decisões, difíceis de aceitar pelos compradores.

A insuficiência destes componentes fundamentais para qualquer máquina, mais ainda para os automóveis, que os utilizam aos milhares, são um grande problema.

Estima-se que, num modelo utilitário moderno, 30% dos “chips” necessários sejam destinados a sistemas de segurança e ajuda à condução, outros 30% vão para sistemas de conforto e entretenimento, 25% para sistemas de conetividade e apenas 15% para o motor e transmissão. Por tudo isto, os construtores foram obrigados a tomar opções.

O que fazer?

A primeira decisão é pura e simplesmente deixar de fabricar alguns modelos. A escolha é fácil: produzem-se os que dão mais lucro, entre os que mais se vendem. Os outros ficam suspensos até melhores dias.

A segunda opção é produzir modelos para os quais as encomendas de “chips” em falta têm chegada prevista para um prazo aceitável. Fabricam-se esses modelos, e estacionam-se nos parques da fábrica, à espera que cheguem os “chips” para terminar o trabalho.

A terceira opção é a mais interessante. Poupar nos “chips” disponíveis e deixar de disponibilizar equipamentos que não são essenciais ao funcionamento do carro. E vendê-los assim mesmo.

Equipamentos ficam de fora

Os casos deste último exemplo são mais que muitos. Nos EUA, a Tesla deixou de equipar os seus modelos com o apoio lombar regulável no banco do passageiro da frente. A GM, ainda no mercado americano, deixou de equipar alguns modelos com start/stop.

Na Europa, também há muitos exemplos. Na VW, o “head up display” com realidade aumentada do ID.3 está temporariamente indisponível na lista de opcionais. O mesmo se passa com o ecrã tátil de maiores dimensões, em alguns modelos Renault, tal como o carregador de telemóvel por indução.

No caso do meu amigo que comprou o B-SUV, era o painel de instrumentos digital que estava indisponível no Ford Puma. Há vários casos de indisponibilidade momentânea de faróis de LED.

Casos mais graves

Mais preocupante, é a ausência temporária de algumas listas de opcionais e mesmo da lista de equipamento de série de funções nas ajudas eletrónicas à condução, que colocam em causa a segurança.

São também vários os casos em que os sistemas de conetividade estão a ficar de fora, impedindo a ligação do carro à Internet e anulando assim uma série de funções de informação e entretenimento.

Claro que o cliente é devidamente informado do assunto antes de pagar. Mas algumas destas ausências não vão poder ser colmatadas no futuro, pois montar alguns destes componentes à posteriori seria demasiado caro.

As consequências

Toda esta crise dos semi-condutores está a pôr em causa um dos fundamentos da fabricação moderna de automóveis, o “just-in-time” em que as peças chegam à fábrica poucas horas antes de serem montadas nos carros, na linha de produção.

A redução de stocks de peças é um dos maiores benefícios deste princípio, inventado há décadas pela Toyota. Mas agora está a chegar-se à conclusão que, afinal, ter alguns stocks talvez não seja má ideia.

Lição para o futuro?

Outra consequência da crise é que os construtores estão a perceber que, se calhar, deviam estar mais envolvidos na produção dos semi-condutores e não apenas encomendar a um dos poucos grandes fabricantes mundiais que existem no sudeste asiático.

Os próprios Estados estão a perceber que devem fazer algo e começam a planear ajudas aos pequenos fabricantes europeus de “chips”, para que os possam fazer em maior quantidade e mais depressa. Nos EUA isso já acontece.

De um momento para o outro, os “chips” passaram a ser uma matéria estratégica, quase ao nível do petróleo. E não se pense que os carros elétricos escapam a esta “seca” de “chips”, pois precisam deles ainda mais do que os modelos com motores de combustão.

Conclusão

Os mais otimistas dizem que esta crise vai passar daqui a seis meses. Mas se “passar” significa voltar ao que existia antes, não me parece que algum construtor possa dizer que fica livre de lhe voltar a cair uma crise semelhante em cima. É que, nas palavras de um CEO de uma marca conhecida, que não me parece estar a ver bem o problema: “os chips são tão baratos que, quem os faz, até podia triplicar o preço.”

Francisco Mota

Ler também, seguindo o LINK:

Crónica – smartphones “roubam” chips aos automóveis