Assim que foi apresentado no salão de Paris de 1955, o DS despertou o interesse dos pilotos de ralis. A Citroën apoiou seis deles no Monte Carlo de 1956, mas o resultado não foi o esperado…

 

As inovações tecnológicas do DS faziam pensar que, além de ser uma berlina confortável e sofisticada, também poderia ser uma competitiva máquina de ralis. Isto numa altura em que o WRC ainda estava longe de ter nascido e os ralis eram na realidade longas maratonas em estrada aberta ao trânsito.

A robustez e a fiabilidade eram muito mais importantes do que a velocidade pura, mas outras características, como a boa tração, suspensão resistente e comportamento dinâmico eficaz eram igualmente importantes. E essas, estavam todas presentes no DS.

Pilotos “obrigaram” o DS a ir para os ralis

Não admira, portanto, que vários pilotos de ralis dos anos cinquenta tenham pressionado a Citroën a dar-lhes apoio para o rali de Monte Carlo de 1956, disputado poucos meses depois de o DS ter sido apresentado no salão de Paris.

A marca do “double chevron” aceitou apoiar nada menos do que seis pilotos franceses, naquele que já era o rali mais famoso do mundo.
A expetativa era grande, pois alguém convenceu os responsáveis da marca que os DS iriam dominar o rali, mas não foi bem isso que aconteceu…

Dos seis DS que alinharam à partida, apenas um chegou ao final do rali e classificado no sétimo lugar, o que foi considerado um fiasco.
A Citroën decidiu então que os ralis não eram o melhor desporto para demonstrar as capacidades do seu revolucionário modelo e cortou com o apoio aos ralis.

Monte Carlo 1959: vitória!

Contudo, três anos depois, o novo diretor de comunicação da marca decidiu emprestar um ID19 (mecanicamente mais simples que o DS) a Paul Coltelloni, para participar no Monte Carlo. E o piloto francês ganhou a prova, para espanto geral. No final do ano, seria ele o campeão europeu de ralis.

A Citroën voltou a ganhar interesse nos ralis e decide investir. É criado um departamento de competição, liderado por René Cotton, que implementa um programa inovador para a época.

Na verdade, Cotton profissionalizou ainda mais o panorama dos ralis europeus, levando os seus pilotos a fazer reconhecimentos mais profundos dos percursos, antes de cada prova.

Foi também ele que decidiu gastar mais tempo e recursos na preparação dos carros, antes de cada prova e a Citroën foi a primeira a fazer deslocar para os ralis carrinhas de assistência cheias de peças suplentes e mecânicos.

Pão e vinho sobre a mesa

Nem faltava uma mesa com uma imaculada toalha branca, em cada ponto de assistência, para os pilotos se poderem alimentar convenientemente.

Tal como acontece hoje, Cotton operava a partir de uma equipa exterior à Citroën, a sua Ecurie Paris-Île-de-France, que fornecia o serviço completo à marca.

Com toda esta organização, é claro que não foi difícil convencer alguns dos melhores pilotos de ralis da altura a integrar a equipa, como René Trautmann ou Pauli Toivonen, que levaram os ID 19 a vencer vários ralis, respetivamente em França e na Finlândia, em 1960 e 1961, com Toivonen a sagrar-se campeão do seu país em 1961.

Na edição de 1963 do Monte Carlo, cinco Citroën terminaram nos dez primeiros lugares o que encorajou o construtor a investir ainda mais na modalidade, deixando a imagem de equipa exterior e passando a inscrever os carros diretamente.

A aventura do rali Safari

A primeira grande prova fora de Europa em que a equipa decide alinhar foi o rali Safari de 1965, uma prova muito dura, capaz de demonstrar a resistência do DS e proporcionar matéria para o departamento de marketing trabalhar. Foram inscritos seis carros, mas apenas um chegou ao fim, classificado em oitavo lugar. Uma lição tinha sido aprendida.

Em 1966, Pauli Toivonen é declarado vencedor do rali de Monte Carlo, depois da desclassificação dos Mini e de outros carros ingleses, por não estarem equipados com os faróis homologados. A imprensa explorou o caso, levantou suspeitas e a vitória da Citroën acabou por não ter a repercussão que devia.

Ralis maratona

Mas a verdade é que as alterações de regulamentos técnicos tinham tornado o DS muito menos competitivo que no passado e Cotton tinha que fazer alguma coisa. É assim decidido dar prioridade a provas em que os regras permitissem transformar os carros de série, tornando-os mais leves e mais potentes, ou seja, em verdadeiros protótipos.

E essas provas eram os ralis maratona, como o Londres-Sydney, Coupe des Alpes ou Liège-Sofia-Liège, onde modelos transformados eram aceites.

Mas Cotton haveria de perder a luta contra o cancro em 1971, ficando a sua mulher, Marlène, à frente do departamento de competição.

O DS e ID continuariam a ser utilizados em ralis até 1975, acumulando vitórias em provas como o rali de Marrocos, Londres-Munique e até no Rali de Portugal de 1969, quando o português Francisco Romãozinhio levou um DS21 à vitória.

Os fabulosos protótipos

Os protótipos do DS eram verdadeiramente espetaculares. Partindo de um DS23, a Citroën cortava 60 cm na plataforma, entre os dois eixos, e retirava as portas traseiras.

O tejadilho era rebaixado e o carro ficava mais leve, pequeno e manobrável, sendo inscrito em Grupo 5. Bob Neyret levou um destes protótipos à vitória no rali do Altas de 1970.

Por esta altura, já a Citroën tinha começado a usar também o SM em ralis, um carro com outras ambições, desde logo por usar o motor 3.0 V6 da Maserati, com 250 cv. O seu maior feito seria a vitória no rali de Marrocos de 1971, mas esse seria o seu único ponto alto.

SM não é melhor que DS

Também foram feitos protótipos encurtados do SM, aplicando a mesma receita do DS, com a distância entre-eixos encurtada em 60 cm e 300 kg mais leve. Um deles participou no rali de Portugal de 1972, pelas mãos do reputado piloto Björn Waldegaard e terminou em terceiro lugar. Mas o SM continuava a ser pesado e pouco maneável e os pilotos preferiam guiar o DS.

Quando o CX é lançado, a Citroën prepara-o para ralis e disputa algumas provas do campeonato do mundo, tendo Henri Toivonen como um dos seus pilotos.

Mas o único ponto alto da carreira deste modelo, o último a ter alguma ligação técnica ao primeiro DS, seria a vitória no rali do Senegal de 1977, com os cinco CX inscritos a terminarem nos cinco primeiros lugares.

O CX seria o primeiro carro de duas rodas motrizes a conseguir terminar o rali Paris-Dakar, em 1981, mas pouco mais tem a acrescentar ao palmarés da marca, que decide afastar-se dos ralis no início dos anos oitenta, por razões financeiras.

Paris-Dakar por cinco vezes

Os próximos capítulos da Citroën nos ralis passam pelas classes de veículos menos potentes, com o Visa, AX e Saxo e pelas participações no Paris-Dakar com várias gerações do ZX Rallye Raid: entre 1990 e 1997 ganha a prova africana por cinco vezes.

Em 1986 é tentado um regresso ao campeonato do mundo de ralis, na época dos Grupo B, mas o BX 4TC não tem argumentos contra os melhores e o programa é cancelado.

O regresso da marca francesa ao primeiro plano do WRC começa a tomar forma em 1998, com participações esporádicas em provas de asfalto com o Xsara Kit Car de tração à frente, abrindo caminho para o Xsara WRC e para o domínio do campeonato durante a primeira década do século XXI.

Conclusão

Quando hoje vemos o C3 WRC a ser levado aos limites nas mais variadas provas do WRC, será bom não esquecer que a paixão da Citroën pelos ralis começou há mais de 60 anos, com o revolucionário DS. Um carro que não nasceu para a competição, mas cujas características técnicas o tornavam numa máquina muito competitiva em algumas das estradas mais duras da Europa.

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