Quando o Boxster foi lançado, há 25 anos, muitos olharam para o novo descapotável de dois lugares e pensaram: “é desta vez que vou ter um Porsche!” Alguns o fizeram e a Porsche foi salva da falência.

 

No final dos anos oitenta a Porsche entra numa crise profunda. As vendas sofrem uma queda de 40 000 para 15 000 carros por ano e a empresa, que na altura ainda era independente, aproxima-se perigosamente da falência.

A queda das vendas está relacionada com o fraco acolhimento que o mercado americano deu ao 944 e ao 928, modelos de boa qualidade, mas dispendiosos de fazer e que não davam lucro. O próprio 911 era apenas visto como o resultado de “restylings” sucessivos do modelo lançado em 1963. O que era falso, pois as evoluções técnicas nunca pararam, mas o aspeto exterior pouco mudava.

Era preciso um plano de salvamento da empresa e a primeira ideia foi fazer uma berlina de quatro portas e quatro lugares, para disputar vendas ao Série 7 e Classe S. O modelo, que se aparentava muito ao 911, recebeu o nome de código de 989 mas nunca chegou à produção.

989 cancelado

Na altura, a administração considerou que, se os clientes já não compravam o 928, então menos comprariam o 989, que seria bem mais caro. Outra opção surgiu então sobre a mesa: regressar às origens e produzir um modelo mais pequeno e mais barato que o 911.

A inspiração vinha dos clássicos 550 Spyder e 718 RS dos anos cinquenta, modelos de dois lugares, descapotáveis e com motor central. A ideia foi rapidamente aprovada mas com uma exigência suplementar: o novo modelo teria que partilhar a plataforma e o máximo de componentes com a seguinte geração do 911.

Para acelerar o processo, foi criada uma equipa multidisciplinar de 21 elementos, provenientes de todas as áreas envolvidas no projeto, o que permitia acelerar o processo de desenvolvimento, em relação ao método convencional de ter que passar pelos vários departamentos em sequência.

Dois modelos em paralelo

O novo modelo foi desenvolvido em paralelo com o novo 911, a geração 996, e partilhavam 50% de todos os componentes. Até ao pilar central, era quase tudo comum, só a zona traseira diferenciava o modelo de motor central e dois lugares, do 911 de motor atrás e quatro lugares.

No início, alguém no conselho de administração chegou a sugerir que o mais barato seria fazer um 911 descapotável, só com dois lugares e recuperar o nome 912. Mas a ideia foi abandonada por não permitir fazer um segundo carro genuíno. Seria apenas mais uma derivação do 911.

Nos primeiros estudos, foi ponderada a hipótese de fazer ambos os carros em alumínio, mas o aço acabou por ser o material escolhido, por questões industriais e de custos.

Motor Audi era mais caro

Uma das opções iniciais foi equipar o modelo mais pequeno com um motor de quatro cilindros, deixando o seis cilindros para o 911. Foi pedido um orçamento à Audi para fornecer o motor, mas a resposta mostrou que ficaria mais caro do que fazer uma variante de menor cilindrada do seis cilindros do 911.

Enquanto o trabalho técnico continuava a todo o vapor, com alguns dos envolvidos a trabalhar fora de horas, entusiasmados com a possibilidade de fazer algo de realmente novo e de ajudar a salvar a Porsche, o departamento de estilo preparava o primeiro “concept-car” para começar a gerar expetativa nos clientes.

Concept-car feito à mão livre

O “concept-car” foi feito de forma muito analógica, apesar de tudo ter acontecido há apenas 25 anos. Todos os esboços foram desenhados em papel e colados nas paredes do estúdio. Ao contrário do método habitual, em que era feito um desenho à escala real e depois retiradas as cotas para em seguida definir uma maqueta.

O estilista responsável pelo projeto, Grant Larson, mostrava os seus esboços a Peter Müller, um dos mais experientes artesãos de maquetas em argila da casa. Müller passava os esboços diretamente para a maqueta em argila. “Uma verdadeira escultura nascia das suas mãos” diria Larson.

O nome do novo modelo não foi o resultado de programas de computador dedicados a construir palavras, nem foi encomendado a uma empresa de marketing. Surgiu espontaneamente no estúdio de design: “Boxster” era a contração entre o tipo de motor, o “Boxer”, e a carroçaria  descapotável, o “Roadster”.

Um sucesso em Detroit

As influências deste primeiro Boxster “concept-car” eram óbvias: o antigo 550 Spyder, com os seus faróis redondos, capót dianteiro baixo, cabine avançada, grande distância entre-eixos, pequenos vãos dianteiro e traseiro e saída de escape central.

O plano inicial era mostrar o “concept-car” no salão de Genebra de 1993, mas a apresentação foi antecipada para Janeiro no salão de Detroit. Por duas razões. Os EUA eram o maior mercado da Porsche na altura, com 60% de quota e era também aí que as vendas mais tinham caído. Era preciso mostrar que a Porsche estava viva e tinha ambiciosos planos para o futuro.

A reação do público visitante do salão de Detroit foi de tal forma entusiástica que a Porsche decidiu congelar imediatamente os trabalhos do estúdio de design: a ordem era passar o “concept-car” à produção com o mínimo de alterações.

Pequenas alterações

Mas algumas modificações tiveram que ser feitas, como a adoção das mesmas portas do futuro 996, dos mesmo faróis em “vírgula” e a colocação de entradas de ar necessárias para os radiadores. A frente teve que ser mais volumosa, para albergar as estruturas de deformação em caso de acidente; e o aro do vido mais grosso, para conter um arco de proteção em caso de capotamento.

Também foi preciso montar um spoiler automático na traseira, para reduzir o “lift” a alta velocidade. Mas o essencial foi preservado e não havia formas ou detalhes meramente decorativos, tudo era funcional, como é hábito na Porsche.

Antes da entrada em produção, alguns detalhes tiveram que ser alterados à última hora, como parte do mecanismo da capota, feito em plástico, que deixava de funcionar em climas muito frios. Também um componente do seletor da caixa de velocidades tinha peças em plástico que se partiam, em climas muito quentes. Ambos foram substituídos por peças metálicas.

Uma viagem ao Japão

Para otimizar os processo de produção, uma comitiva da Porsche chegou a fazer uma visita à Honda, no Japão, para perceber como os japoneses conseguiam reduzir o tempo de desenvolvimento de um novo modelo a somente 24 meses. Mas descobriram que as primeiras peças eram fabricadas com máquinas protótipo e que esse período não era contabilizado.

Desenvolvidos em paralelo, foi decidido lançar primeiro o Boxster que o novo 911 996. Por duas razões: ao anterior 911 993 ainda lhe restava algum tempo de vida e, lançando primeiro o Boxster, sublinhava-se a entrada da marca num novo segmento, em vez de focar a atenção na partilha de componentes. O 911 996 surgiu um ano depois.

Novos clientes e mais novos

A apresentação do Boxster exatamente há 25 anos permitiu à Porsche captar clientes bem mais novos e com muito menos dinheiro para gastar. Um investmento a curto prazo para fazer crescer as vendas, mas também um investimento a longo prazo. Quem começava novo por um Boxster, poderia passar depois a um 911.

O Boxster realizou o sonho de muitos compradores, que desejavam ter um Porsche mas não tinham dinheiro para um 911. Claro que a performance era inferior, mas a dinâmica era tão ou mais eficiente e a experiência de condução diferente de todos os rivais presentes no mercado em 1996, quando foi lançado.

Versão comemorativa

Um quarto de século depois, a Porsche lançou uma edição comemorativa “Boxster 25 Years”, com base no 718 GTS 4.0 de 400 cv, disponível com caixa manual, de seis ou PDK, de sete. Esta série especial recupera, para alguns detalhes da carroçaria e para as jantes, a cor Neodímio, o mesmo castanho acobreado usado no “concept-car” de 1993. Custa 134 885 euros.

A velocidade máxima é de 293 km/h e os 0-100 km/h fazem-se em 4,0 segundos. Longe vão os tempos do motor original de 2.5 litros e 204 cv, que levava o Boxster aos 240 km/h e fazia os 0-100 km/h em 6,9 segundos

Conclusão

Ao fim de quatro gerações e 357 mil unidades produzidas, o Boxster continua a sua carreira e Grant Larson garante que a próxima geração será bem mais ousada no estilo: “o 911 é um modelo de continuidade, mas no Boxster temos mais liberdade para tentar coisas novas. Já tenho uma ideia de como vai ser, pois já o tenho no meu computador!”

Francisco Mota

Para percorrer a galeria de imagens, clicar nas setas

Ler também, seguindo o LINK:

Teste – Porsche 911 Turbo S: 650 cv e… Feliz Natal!