O mais pequeno dos SUV da VW chegou a Portugal e vai roubar vendas ao T-Roc feito na Autoeuropa de Palmela. É o que a marca chama “canibalização” e diz que está tudo controlado. Mas estará mesmo tudo controlado?…

Tal como o fez há muitos anos com os carros convencionais, a Volkswagen continua a sua estratégia de segmentação da sua oferta, desta vez nos SUV. Não admira que o faça, pois um em cada cinco carros que vende hoje já é um SUV.

Este tipo de automóvel continua a ser da preferência de muitos compradores individuais e a tendência é de crescer ainda mais. Na verdade, isto não podia ser melhor notícia para os construtores de automóveis.

SUV, negócio perfeito

Por um lado, os SUV conseguiram convencer os compradores que valem mais do que os modelos que lhes servem de base e com os quais partilham a plataforma e a mecânica, ou seja, partilham quase tudo, à exceção dos painéis exteriores da carroçaria e de algumas partes do habitáculo. Os custos de produção entre um Polo e um T-Cross, que usam a plataforma MQB-A0 são virtualmente iguais, mas o preço não.

Por outro lado, ao ter no cliente final o seu alvo principal – estimado em 90% das vendas no caso do T-Cross – em vez de ser arrematado a granel pelas frotas e pelo “rent-a-car”, a sua margem de lucro é também consideravelmente superior à de um utilitário.

São o negócio perfeito, a que a voracidade dos homens do plano de produto da VW não podiam ficar indiferentes, lançando no mercado cada vez mais opções. O “perigo” desta estratégia é a sobreposição de modelos que se diferenciam por pouco centímetros, em termos de dimensões exteriores, a chamada “canibalização”, quando dois modelos da mesma marca acabam por “comer” vendas um ao outro.

Além disso, confundem os clientes, depois de terem feito o mesmo aos próprios vendedores da marca, que começam a ter dificuldades em explicar as diferenças entre modelos que se situam tão próximos. É o caso do novo T-Cross.

Pamplona contra Palmela

Na teoria, o T-Cross (feito em Pamplona) está para o Polo assim como o T-Roc (feito na fábrica Autoeuropa de Palmela) está para o Golf. Mas a realidade do mercado não é tão cartesiana como a cabeça de quem estrutura a gama da VW. Tanto mais que o T-Roc não é especialmente grande, para o seu segmento C; enquanto o T-Cross é um dos maiores, no seu segmento B.

Os compradores não querem saber de nada desta conversa de segmentos, querem comprar o carro que melhor lhes serve, ao melhor preço possível. E é aqui que entra a canibalização.
As dimensões do T-Cross estão muito próximas do T-Roc e o SUV mais pequeno até tem uma posição de condução 25 mm mais alta, o que é inesperado, tendo em conta que este é sempre um dos fatores de compra de um SUV.

Dimensões comparadas

De resto, as dimensões exteriores comparadas são elucidativas: o T-Cross é apenas 12 cm mais curto e tem apenas menos 3,0 cm na distância entre-eixos que o T-Roc, ganhando-lhe até na altura. Mas há mais.

A mala do T-Cross tem 455 litros (o T-Roc tem 445 l) mas só quando se usa a possibilidade de os bancos traseiros deslizarem para a frente, num total de 14,0 cm, coisa que o T-Roc não tem. Com os bancos puxados atrás, a capacidade da mala do T-Cross desce para uns ainda assim muito bons 385 litros, existindo um fundo ajustável em duas alturas.

Claro que as diferenças existem, desde logo nas motorizações disponíveis, que no T-Cross são apenas três: duas variantes do motor a gasolina de três cilindros 1.0 TSI (95 ou 115 cv) e o Diesel 1.6 TDI de 95 cv. O T-Roc tem disponíveis motores maiores e versões de tração às quatro rodas (o T-Cross não as pode ter) mas em Portugal nada disso tem muita procura.

Guiei o 1.0 TSI de 95 cv

Nesta apresentação nacional do T-Cross, tive a oportunidade de guiar a versão mais barata, o 1.0 TSI de 95 cv, que custa 18 771 euros, sem opcionais. Não deverá ser a versão mais vendida, que se suspeita venha a ser o 1.0 TSI também de 95 cv no nível de equipamento intermédio Life (abaixo fica o base e acima fica o Style) que custa 21 132 euros, a que a maioria dos compradores deverá acrescentar, pelo menos, o pacote opcional Life Plus, que inclui sensores de estacionamento à frente e atrás, navegação e A/C automático. Só o 1.0 TSi de 115 cv tem opção pela caixa DSG.

Voltando ao 1.0 TSI de 95 cv, a única caixa disponível é uma manual de cinco, com um manuseamento um pouco lento e impreciso e com um escalonamento pouco vivo. Cumpre os mínimos. Mas não é por aí que começam as primeiras impressões da condução do T-Cross.

Posição de condução alta

A posição de condução alta (mais 100 mm que no Polo) percebe-se claramente assim que se ocupa o banco do condutor, que é bastante simples mas não é desconfortável. O volante tem uma pega um pouco grossa, para o meu gosto, mas o painel de instrumentos tem boa leitura, tal como o monitor central tátil. Os comandos da consola central são claros e fáceis de usar, mas os espaços para arrumação não são amplos.

Antes de começar a guiar, regulei a posição de condução para a minha estatura e fui ver como ficava o espaço nos lugares de trás. Com o banco todo puxado atrás (só desliza por inteiro) fica imenso espaço para as pernas e mesmo quando se puxa todo para a frente, as pernas ainda lá cabem. A largura é boa, para o segmento e a altura muito generosa, incluindo o acesso, facilitado pelo formato quadrado e alto das portas traseiras.

Voltando ao lugar do condutor, uma inspeção dos plásticos, com as pontas dos dedos, mostra que são todos duros, apesar de o seu aspeto ser bastante bom. Mas no T-Roc passa-se o mesmo.

Motor de 95 cv é “curto”

O motor 1.0 TSI de três cilindros tem um funcionamento suave e pouco ruidoso. A sua disponibilidade depende do turbocompressor, atingindo o binário máximo de 175 Nm entre as 2000 e as 3500 rpm, o que se percebe logo que se acelera a baixos regimes.

Abaixo das 2000 rpm, o motor de 95 cv tem menos para dar e acima disso, não é propriamente entusiasmante. A aceleração 0-100 km/h anunciada é de 11,5 segundos e a velocidade máxima de 180 km/h.
Não foi possível confirmar os 5,8 l/100 km de consumo misto anunciado, pela norma WLTP, isso ficará para um teste mais longo.

Plataforma do Polo

A plataforma tem a mesma suspensão do Polo, ou seja, MacPherson, à frente e barra de torção, atrás, mas foi recalibrada para o T-Cross, desde logo com mais 37 mm de altura ao solo. Não perdeu um bom nível de conforto, mas tem que lidar com um carro em que o centro de gravidade é bem mais alto. E um peso que subiu 100 kg.

Isso fez-lhe perder a precisão de controlo de massas do Polo, como seria de esperar. O T-Cross não é tão rápido, preciso e controlado a curvar depressa, sobretudo em situações de mudança de direção mais brusca, como em estradas com sequências de curvas mais fechadas.

Mas tem um desempenho correto em condução citadina, que acaba por ser o mais importante. Boa visibilidade, direção leve, pedais bem calibrados e um “pisar” consistente.
Este T-Cross de 95 cv não será a versão mais aconselhável a quem gosta de se envolver mais na condução, para esses, a melhor opção deverá ser o 1.0 TSI de 115 cv.

Vocação de “canibal”

Quanto à “canibalizaçao” do T-Roc pelo T-Cross, parece mais que certa, pelo menos no nosso país, em que a relação preço/equipamento é sempre a chave do sucesso. É que o T-Cross já traz de série, em todas as versões, equipamentos relevantes como a travagem de emergência com deteção de peões, aviso de saída de faixa, monitorização de ângulo morto e ajuda ao arranque em subidas. Estando disponíveis vários opcionais mais comuns no segmento superior, o do T-Roc.

Conclusão

A “canibalização” do T-Roc é mais que certa, o T-Cross é um produto muito mais adaptado ao nosso mercado, o SUV da VW mais adaptado ao consumidor português. Por isso não é de estranhar que as ambições do importador sejam as de atingir 2100 unidades entregues até ao final deste ano, ligeiramente à frente de todos os concorrentes, exceto do Peugeot 2008 e do líder Renault Captur, que vendem entre 5000 e 6000 unidades por ano em Portugal.
A “dentada” final do apetite canibal do T-Cross pelo T-Roc será a diferença de preço: o T-Roc mais barato, o 1.0 TSI de 115 cv, custa 24 158 euros.

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