23/11/2018 São os carros da moda. Os SUV estão na “pole position” de muitos compradores, mas serão a compra mais racional? Com os números disponíveis, decidi encomendar um “estudo” à “FJASM” para comparar quatro SUV com os seus “irmãos” em formato berlina. O objetivo era perceber se há diferenças nos consumos e nas emissões e tentar descobrir a razão. E as conclusões talvez sejam surpreendentes, para muitas pessoas que estejam neste momento a pensar em comprar um SUV.
O aspeto robusto, a suspensão mais alta, a posição de condução que ajuda a ver melhor o trânsito e o maior espaço no interior são as principais razões que levam os compradores de automóveis novos a optar cada vez mais pelos SUV (Sports Utility Vehicles). Estes carros com aspeto inspirado nos antigos todo-o-terreno, já representam mais de 30% nas vendas de carros novos na Europa e a tendência é de crescimento, em todos os segmentos, ou seja, em todos os tamanhos e a todos os níveis de preço.

Sem 4×4

Apesar de muitos destes carros não estarem disponíveis com tração às quatro rodas, isso parece não fazer diferença para os compradores, pois o uso que dão aos SUV é o mesmo que dariam a qualquer outro automóvel. Na maioria do tempo vão ser guiados em cidade, vias rápidas e autoestrada, a condução fora de estrada, por caminhos de terra onde a tração às quatro rodas seria um argumento importante, não é uma prioridade para os seus utilizadores. Num país com muito pouca neve, como o nosso, nem sequer no Inverno têm vantagens significativas.

O obstáculo mais frequente que os SUV vão enfrentar nas suas vidas vai ser o lancil do passeio

No máximo, são usados para ir do asfalto até uma praia mais escondida, que tenha um acesso por caminho de terra, mas por onde passaria qualquer carro convencional, para dizer a verdade. O obstáculo mais frequente que os SUV vão enfrentar nas suas vidas vai ser o lancil do passeio, quando chega a hora de estacionar e todos os lugares estão ocupados.
A maior altura do assento do condutor é muito apreciada pelos condutores de SUV, por permitir ver melhor o que se passa na frente, o que é muito útil para antecipar situações de trânsito citadino, por exemplo engarrafamentos repentinos, permitindo travar mais cedo e evitar um potencial acidente.
A utilização do espaço disponível no habitáculo é outra das vantagens dos SUV, face a um modelo convencional de comprimento semelhante. Não só pela maior altura, mas também pela maior versatilidade e a maior facilidade com que se entra e sai do carro. A mala também lucra com a maior altura de um SUV, aumentando de capacidade.

O “estudo” que mostra as desvantagens

Estas são as principais vantagens, mas e as desvantagens dos SUV? Pouco se fala delas, ofuscadas que estão pela moda. Sem entrar em considerações mais subjetivas, como o menor prazer de condução e a dinâmica menos rigorosa que um SUV tem face a uma berlina convencional, decidi agarrar-me aos números e fazer algumas comparações entre um modelo SUV e o seu “irmão” em formato convencional. Se tivesse mais queda para o marketing, até poderia dizer que fiz “um estudo”, publicado pela empresa “FJASM” (são as iniciais do meu nome completo…) uma empresa especializada em estudos de mercado. Esta parte é “fake news”, como é óbvio…

O X5 é 12% mais poluente e 13% mais gastador que o Série 5

E comecei por cima, pelos novos BMW X5 e Série 5, que partilham a mesma plataforma CLAR, e os mesmos motores. Escolhi um X5 30d e um 530d xDrive, ambos com caixa automática e ambos com tração às quatro rodas, para fazer uma comparação mais justa. Começando pelas performances, o X5 é 1,1 segundos mais lento na aceleração dos 0 aos 100 km e fica 20 km/h atrás na velocidade máxima, o que não é muito relevante, pois o X5 continua a chegar aos 230 km/h e bastam-lhe 6,5 segundos na aceleração. Mas o consumo médio anunciado é 0,7 litros mais alto, ficando nos 6,0 l/100 km; e as emissões de CO2 também ficam acima, passando dos 141 g/km do 530d, para os 158 g/km do X5 30d. Resumindo, o X5 é 12% mais poluente e 13% mais gastador.

Peso e aerodinâmica são as causas

Como a BMW tem o hábito de revelar o máximo de detalhes sobre as características dos seus carros, as razões para estas diferenças são muito fáceis de perceber. O peso deste X5 é de 2185 kg, o que fica uns substanciais 415 kg acima do 530d xDrive. Por outro lado, a aerodinâmica também é pior, tanto no Cx, que sobe dos 0,25 do Série 5 para os 0,31, no X5; como na superfície frontal, que sobe dos 2,35 m2 para os 2,90 m2. Multiplicando o Cx pela S, obtemos o coeficiente de resistência ao avanço, que é de 0,59, no Série 5 e de 0,90, no X5.
Se entretanto se perdeu nestas contas, o resumo é este: o X5 é 23% mais pesado e tem uma aerodinâmica 52% pior. Este último número é particularmente importante, pois afeta mais os consumos, quanto maior for a velocidade. Portanto, as diferenças de consumo em autoestrada tendem a ser ainda maiores do que as referidas acima.

E nos segmentos abaixo?

Mas se este exemplo se reporta a um par de carros de uma gama de preços alta, podemos tentar a mesma comparação a um nível mais acessível, por exemplo entre o A3 Sportback e o Q3 que está a terminar a sua carreira, não o novo modelo. Comparando versões de tração à frente, ambas equipadas com o motor 2.0 TDI de 150 cv e caixa manual, verifico que o Q3 é 180 kg mais pesado que o A3 e que o Cx passa de 0,32 para 0,31. Não encontrei os valores para a superfície frontal, por isso não posso ir mais longe nas contas da aerodinâmica. Mas os consumos anunciados são 0,2 litros mais altos, em ciclo misto e as emissões de CO2 sobem de 111 para 117 g/km, do A3 para o Q3. Portanto, o Q3 é 4,6% mais gastador e 5,4% mais poluente, além de mais lento, pois a velocidade máxima é de 204 km/h (menos 14 km/h) e a aceleração 0-100 km/h demora 9,6 segundos, mais um segundo que no A3.

O 3008 gasta mais 0,9 l/100 km (mais 21%!…) em ciclo misto do que o 308 com o mesmo motor

Para sair dos carros alemães, escolhi outro SUV da moda e o seu irmão “hatchback” de cinco portas: os Peugeot 3008 e 308, que usam ambos a plataforma EMP2 e, no caso escolhido, o mesmo motor 1.2 PureTech 130. O cenário é semelhante, com um aumento de peso de 161 kg, do 308 para o 3008. Não encontrei dados sobre a aerodinâmica, mas os efeitos nos consumos e nas prestações são visíveis com o 3008 a gastar mais 0,9 l/100 km (mais 21%!…) em ciclo misto e a demorar mais 0,6 segundos nos 0-100 km/h, ficando a velocidade máxima 22 km/h abaixo. Quanto a emissões de CO2, o 3008 anuncia 117 g/km, mais 1,7%.

O segmento B não é melhor

Para terminar com as contas, fui à procura de dois modelos do segmento B, que é o mais vendido em Portugal. Encontrei dois Seat, o Arona e o Ibiza, ambos com o motor 1.0 TSI de 95 cv. Claro que a plataforma é a mesma, tal como os motores e transmissões. Mas repare nos números: o Arona é 43 kg mais pesado que o Ibiza e tem um Cx de 0,37, contra os 0,33 do Ibiza. A superfície frontal projetada do Arona é de 2,22 m2 e a do Ibiza de apenas 2,13 m2, o que resulta num coeficiente de resistência ao avanço de 0,82, para o Arona e de 0,70, para o Ibiza, ou seja a aerodinâmica do Arona é 17% menos eficiente.
Os resultados destas diferenças decorrentes de uma carroçaria SUV não podiam ser outros senão piores prestações, consumos mais altos e mais poluição. O Arona fica pelos 173 km/h, enquanto o Ibiza chega aos 182 km/h e na aceleração 0-100 km/h, o Arona é 0,5 segundos mais lento. Quanto aos consumos, em circuito misto, os valores anunciados são 0,3 l/100 km piores para o Arona, com 4,9 l/100 km e as emissões de CO2 sobem de 105 para 111 g/km. Passando isto para percentagens, o Arona gasta mais 6% de gasolina, e emite mais 6% de CO2.

Conclusão

Comparando um SUV com o seu “irmão” de carroçaria convencional, é fácil perceber que o SUV gasta mais, é mais poluente e tem piores prestações. Além disso, ainda é mais caro. Para os quatro exemplos deste “estudo” da “FJASM”, as diferenças são de mais 12% para o BMW X5, face ao Série 5; a mesma diferença entre o Q3 e o A3; mais 13% para o Arona, face ao Ibiza e mais 21% para o 3008, face ao 308. Ou seja, aderir à moda dos SUV tem algumas vantagens de utilização, não se pode negar isso. Mas o preço a pagar, até em termos de consciência ecológica, parece-me demasiado alto. Num mundo em que os políticos decidiram fazer guerra aos Diesel, talvez devessem olhar com mais cuidado para o fenómeno SUV e para o acréscimo de poluição que este tipo de carros implica.

Francisco Mota

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