18/01/2019. “Aterraram” centenas de trotinetas elétricas na capital e mexeram com os lisboetas. Entre os entusiastas e os críticos mora a falta de informação, que leva a situações de perigo. Com tantas campanhas de sensibilização, não se arranja uma para as trotinetas?…

No outro dia estava parado no semáforo, no meio do caos do trânsito matinal e a meu lado, chega um homem em pé, com os braços esticados para a frente como um sonâmbulo e a deslizar pelo ar, como se transportado por um qualquer veículo anti-gravidade saído da “guerra das estrelas”. O sono e o nevoeiro não me deixaram perceber de imediato que se tratava de um utilizador de uma trotineta elétrica. Devia ter desconfiado, pelo andar desequilibrado deste companheiro da estrada.

Trotinetas para todos

O homem, na casa dos trinta – digo eu que não sou perito da policia para avaliar estas coisas – não era portanto um jovem rebelde à espera que o semáforo ficasse verde para soltar as suas hormonas. Mas teria com certeza hábitos de motociclista, pelo à-vontade com que se posicionou entre a fila de carros da esquerda e a do meio (a não-oficial faixa dos motociclistas) e se chegou mesmo até à passadeira, lá à frente. Não era um jovem, mas a ideia era a mesma: acelerar a fundo no motor elétrico da sua trotineta e ganhar o arranque dos 0 aos 25 km/h aos carros que o ladeavam. Qual seria o plano quando a trotineta atingisse o seu limite de 25 km/h?… Talvez conseguir chegar à fila do próximo semáforo, antes dos carros com quem tinha partilhado a “grelha de partida” e fazer tudo outra vez.

Só que não conseguiu. Os motores a combustão demoraram mais a tomar balanço, mas depois o erecto condutor da trotineta foi ultrapassado por carros de ambos os lados, entre apitadelas, rasantes e desvios de última hora, dos condutores que levam sempre uma mão no volante e outra no telemóvel. Não acabou tudo em tragédia, porque não era dia dela.

Mobilidade total

Sou a favor das trotinetas, elétricas ou não, das bicicletas a pedal ou electro-assistidas, dos skates com e sem motor, até dos patins em linha. Mas cada um, em seu lugar, a bem da segurança de todos.

A mobilidade está a deixar de ser toda com quatro rodas e escape. Uma boa rede de transportes públicos (elétricos) joga bem com este tipo de veículos de curto-alcance e uso partilhado. Mas era melhor não se ter começado a construir a casa pelo teto.

Durante anos não se investiu nos transportes públicos e só agora parece surgirem alguns indícios de que alguma coisa vai ser feita

A verdade é que a rede de transportes públicos é insuficiente, já para não falar da sua qualidade. Durante anos não se investiu nessa área e só agora parece surgirem alguns indícios de que alguma coisa vai ser feita. Entretanto, os autarcas não perderam tempo a acolher de braços abertos as empresas que quisessem explorar estas pequenas mobilidades. Uma reunião, o obrigatório pagamento de uma qualquer licença e já está! Trotinetas na rua para os cidadãos usufruírem.

Como andar de trotineta?

Só que os cidadãos não têm a obrigação de saber como e onde usar uma trotineta. Com tantas campanhas de sensibilização que se fazem, por vezes acerca de assuntos bem mais prosaicos, não teria sido uma boa ideia comunicar aos utilizadores das trotinetas alguns principios básicos? Já nem digo de utilização cívica desses veículos, para evitar as trotinetas abandonadas no meio de qualquer passeio ou encostadas a carros estacionados. Mas pelo menos algumas dicas de como usar uma trotineta de forma segura, para o seu utilizador e para os outros.

Uma trotineta terá sido vista a circular numa autoestrada

Assim, sucedem-se os episódios que são caricatos até ao dia em que se tornarem dramáticos: trotinetas a andar nos passeios, fazendo slalom entre os peões; trotinetas a atravessar na passadeira, obrigando os peões a fugir ou até uma trotineta que terá sido vista a circular numa autoestrada. Isso, eu não vi, o que já vi foi um jovem a tentar fazer um “cavalinho” no meio do trânsito. Ou outros dois empoleirados numa só trotineta.

Pelo que vejo, muitos ainda descarregam a aplicação e pagam os 15 céntimos por minuto para “experimentar”, para “ver com é “ e não são só jovens e famílias a brincar nos passeios. São também indivíduos que pensam “ora deixa lá ver se ainda sei andar numa coisa destas”.

Falta de enquadramento

A verdade é que as trotinetas elétricas vieram levantar uma questão que a legislação não previa. Sendo veículos com duas rodas (com o diâmetro de uma laranja) e motor, a lei diz que devem circular nas estradas e nas ciclovias, estando sujeitas a multa se andarem nos passeios ou se lá forem estacionadas. O problema é que são demasiado lentas e perigosas, para as estradas e demasiado rápidas, para as ciclovias.

Também podem ser multadas por excesso de velocidade (!) e por manobras perigosas. Os seus condutores podem ter que “soprar no balão” e devem usar capacete e o veículo tem que ter luzes e refletores. De seguros, parece que poucos querem falar e há quem defenda que isso do capacete é um preciosismo.

Conclusão

Volto ao início. Estou parado no semáforo, a bordo de um automóvel que é obrigado a ter ABS, ESP, Airbags e muito mais. Eu sou obrigado a usar cinto de segurança e apoio de cabeça. E acho tudo isto muito bem! É para a minha segurança. A meu lado está o condutor da trotineta, equipado com… um sobretudo e um capacete de plástico.

Francisco Mota