O início do Verão era sempre a altura de pegar nas poupanças e comprar o anuário da “L’Automobile”. Um catálogo que era muito mais do que isso, para os “maluquinhos” por carros.

 

Fim das aulas, início das férias e começava a contar as poupanças da mesada para ver se conseguia comprar o anuário da L’Automobile com o título prometedor “Toutes les voitures du monde”.

Para mim, como para muitos outros miúdos e graúdos viciados em carros, era muito mais do que um catálogo de todos os modelos de automóveis à venda em todos os mercados do mundo.

Estou a falar do início dos anos oitenta e até antes, pois a primeira edição deste anuário francês foi referente a 1978/1979, portanto lançado no Verão de há quarenta e um anos.

Janela sobre o mundo

Nessa altura a Internet nem era um sonho, os telemóveis existiam só nos filmes de ficção científica e a televisão só tinha canais nacionais.

Mas para nós, portugueses e “maluquinhos por carros”, havia uma forte ligação direta com o exterior, através da distribuição mensal da revista francesa L’Automobile.

A cultura francesa tinha uma influência nos portugueses talvez maior do que terá hoje a anglo-saxónica e isso estendia-se também aos automóveis e à informação automóvel.

Quem gostava de ler sobre carros em Portugal, comprava a “L’Automobile”, mesmo que também comprasse um dos jornais ou revistas especializadas portuguesas.

Sabendo disso, a revista francesa chegou a ter uma edição especial para Portugal, o que nem era preciso, pois, por cá, toda a gente entendia francês.

A “bíblia” dos automóveis

O anuário “Toutes les voitures du Monde” era a janela que nos dava acesso ao horizonte da produção e comercialização automóvel em mercados distantes, dos quais pouca informação cá chegava.

Era a maneira de descobrir versões e modelos que não estavam, nem nunca viriam a estar, à venda em Portugal. Dava uma panorâmica muito abrangente sobre as preferências de vários países, seja em motorizações, seja em tipos de carroçaria.

Mas isso era já a análise de uma segunda leitura. Assim que comprava mais uma edição, a curiosidade ia logo para os carros que o meu pai e os meus tios tinham na altura.

Ali estavam todas as características técnicas, que eu lhes citava de cor, poucos dias depois de ter a “bíblia” na minha posse. A satisfação de saber mais detalhes sobre os carros do que os seus próprios donos era indisfarçável.

Muitas discussões…

Era também o suporte para discussões com amigos, sobre “quanto dava” um determinado carro.

Enquanto eles se ficavam pelo valor máximo que marcava nos velocímetros dos carros estacionados, eu estava de posse dos dados oficiais, anunciados pela marca. Grandes discussões, na volta da escola para casa, tínhamos sobre esta importante matéria.

O anuário “Toutes les voitures du monde” começou por apresentar cada modelo com uma imagem a preto-e-branco, seguida da ficha técnica. Os carros estavam divididos pelas nacionalidades das marcas, em capítulos organizados por ordem alfabética, exceto a França, que ocupava sempre o primeiro capítulo. Coisas de franceses…

Portugal também lá estava

Em alguns anos, lá estava também “Le Portugal”, com os Portaro e UMM. Nas primeiras edições, eram incluídas em alguns países, modelos de marcas estrangeiras fabricados localmente, desde que tivessem especificações diferentes.

Por exemplo, na edição 82/83, a primeira que comprei, no capítulo do nosso país (era só uma página…) lá estava o Morris Marina 1.5 Diesel, fabricado pela IMA.

Eram horas passadas a ler características técnicas, a fazer comparações entre modelos, a tirar conclusões com base em números, não em palpites. Sentia-me um especialista. Hoje seria considerado uma “pesquisa”.

Voltei a comprar este ano

Ao longo dos anos, fui sempre comprando algumas edições do anuário, dependendo da disponibilidade financeira e das minhas prioridades, que se foram alterando ao longo da vida adolescente.

Este ano, decidi voltar a comprar a edição 2019/2020, que continua a chegar às bancas nacionais todos os anos, no início do Verão. Ainda tem impresso na lombada o preço para Portugal Continental, que passou dos 300 escudos, em 1982, para os 10,20€.

O formato deste “Hors Série” contínua a ser o mesmo, mas tem mais páginas, todas a cores, com mais fotos por modelo e muitos mais modelos.

Todos passaram a ter um texto que os descreve com muito mais detalhe e informação que no passado. É bem a prova de como cresceu o mercado automóvel mundial, tendo sido incluído um capítulo sobre as marcas chinesas e outro sobre os pequenos construtores.

Agora é por marcas

De resto, a organização deixou de ser por países e passou a ser por marcas, sempre por ordem alfabética e agora já sem as francesas antes das outras.

As fichas técnicas são menos descritivas e mais numéricas, agrupadas em grelhas que juntam vários modelos da mesma marca no rodapé das páginas. Já não é bem a mesma coisa, mas a informação essencial está lá.

Conclusão

Como pode sobreviver um anuário baseado nas características de todos os carros do mundo, em suporte papel, ao final de quatro décadas? Aí está um mistério para ser resolvido por aqueles que anunciam o “fim do papel” há mais de uma década.

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