A terra do Pai Natal foi a escolhida para o primeiro teste do Taycan 4S, a versão mais acessível. Por entre neve e gelo, o desafio era descobrir se a Porsche conseguiu bater a Tesla.

 

Os números não dizem tudo, nunca dizem. Podemos ficar um dia a olhar para as fichas técnicas de um Taycan e de um Model S e decidir qual o mais rápido, o mais económico, o mais caro, o que tem mais equipamento, mais opcionais ou maior autonomia.

Mas no final desse dia, continuamos a saber quase nada de ambos os carros, se não os guiarmos. Para quem acredita que conduzir não é só levar um automóvel do ponto A para o ponto B, o mais importante é sempre o caminho, não é o destino.

Armado desta convicção, que sempre foi a minha, embarquei para a terra do Pai Natal, a distante Lapónia, no Norte da Finlândia, para o meu primeiro contacto dinâmico com o Porsche Taycan, na versão, para já mais barata, o 4S.

Finalmente ao volante

Assisti ao vivo à estreia do “concept-car” Mission-E, no Salão de Frankfurt de 2015. Depois à estreia da versão final, no salão de Frankfurt deste ano e, pelo meio ainda fui à nova fábrica em Zuffenhausen, testemunhar o início da produção. Só me faltava mesmo guiar o Taycan.

Dizer que a espetativa era muita, é um eufemismo. Mas o programa incluía apenas a condução em pisos nevados ou gelados no Norte da Finlândia, o que poderia dificultar a minha missão: descobrir se o Taycan é melhor que o Tesla Model S.

Nesta altura do campeonato, é impossível olhar para o Taycan sem pensar no Model S, os próprios engenheiros da Porsche confirmaram que conhecem bem o produto da Tesla e que têm “muito respeito” pelo trabalho dos americanos.

Ao vivo e a cores

De manhã cedo, tenho o “meu” Taycan à espera, à porta do hotel, em cima de um manto branco que cobre as ruas de Levi, uma localidade a cerca de mil quilómetros a Norte de Helsínquia e onde várias marcas se deslocam para testes de Inverno e experiências de condução com os seus clientes.

Ver um carro na rua, é sempre diferente de o ver nos palanques dos salões, sob os holofotes. Mas o Taycan continua a ter o mesmo impacte: uma berlina de quase cinco metros não “tem o direito” de ser tão baixa (só mais 81 mm que um 911) nem tão desportiva.

Toda a estética remete para o ADN Porsche: formas onduladas, dois vincos que vão do capót da frente para o tejadilho, a silhueta da traseira “igual” à do 911 e nem falta o friso a unir os dois farolins, que aqui usa um LED.

A Porsche conseguiu unir o passado ao futuro, que é dado sobretudo pelo desenho da frente, com os faróis quadrados aninhados dentro das entradas de ar para as “air curtains”.

Interior desportivo

Abro a porta e tenho que “descer” o corpo para entrar, quase como num 911. Quando “aterro” no banco desportivo, a posição de condução que encontro é-me extremamente familiar.

A mesma colocação do volante, quase na vertical, a mesma altura reduzida da frente, o mesmo enquadramento do banco. Fecho os olhos, e estou num 911.

Mas com os olhos bem abertos vejo que a Porsche não cedeu à nostalgia. É certo que o painel de instrumentos digital e curvo continua a ter o mesmo formato, com a opção de visualizar os instrumentos redondos a ladear um indicador de utilização de potência, que substitui o conta-rotações ao centro.

Mas até este painel é diferente: totalmente digital, com um contraste tão bom que nem precisa da habitual “pala” para fazer sombra e com botões táteis em ambos os extremos.

Quatro monitores digitais

O cenário começa a complicar-se quando olho para o lado direito. Só na consola estão dois monitores táteis, com o de baixo concentrado nos comandos da climatização, mas não só. Também tem atalhos para o monitor acima. Depois ainda há um terceiro monitor em frente ao passageiro, que é opcional.

Botões físicos, só há no volante e à sua esquerda, onde fica o interruptor para ligar o carro, como sempre na Porsche. Do outro lado, logo abaixo do painel de instrumentos, está o botão balanceiro da transmissão, com as habituais posições PRND.

Acerto a minha posição de condução, saio do carro e vou sentar-me no banco traseiro, “atrás de mim próprio”. Entrar e sair obriga a atenção para não bater com a cabeça, mas depois de sentado, o espaço em altura é mais que suficiente e para os joelhos também.

E até há um “truque” que a Porsche chama a garagem para os pés. No lugar dos pés dos passageiros de trás, a bateria não tem módulos, permitindo assim criar um espaço mais baixo, que evita aos passageiros ter que ir sentados com os joelhos muito altos.

No final, é esta simples solução que permite ao Taycan ser tão baixo.

Volto ao lugar da frente, com uma passagem pela mala de trás (há uma mais pequena, na frente com 81 litros) para confirmar que nos 407 litros cabe a bagagem de fim de semana de uma família de quatro.

De novo ao volante, é fácil constatar que a qualidade está no topo daquilo que a Porsche faz, como seria de esperar. Não só a qualidade dos materiais mas a contenção no desenho das formas, que tem resistido heroicamente ao apelo do “bling” chinês.

Are you “ready”?

Carrego no interruptor para ligar o carro e não ouço nada, mas o Taycan está “ready” para começar. Um ligeiro toque no acelerador e ouço os pneus a esmagar a neve.

O acelerador é muito suave e fácil de dosear, a direção tem o peso certo, nem leve, nem pesada e o travão está muito bem calibrado, considerando que em 90% dos casos, não está a travar as rodas, está a accionar a regeneração.

A visibilidade para fora é muito boa. Mas a utilização dos monitores internos obriga a alguma habituação, até dominar os menús, sub-menús e encontrar as teclas de atalho certas. Quando é preciso gastar tempo nestas tarefas, nunca é um bom sinal, pois é atenção retirada à condução.

A estrada principal tem uma fina camada de neve, mas os trilhos por onde passam as rodas mostram o negro do asfalto. Tento não as tirar daí quando encontro a primeira reta deserta e carrego a fundo no pedal da direita. O efeito catapulta não se faz esperar.

Pode chegar aos 571 cv

O Taycan é atirado para diante com a mesma força com que a cabeça é atirada contra o apoio. Nas primeiras vezes, chega a ser desconcertante, como em todos os elétricos potentes.

O 4S tem 435 cv com a bateria de 79,2 kWh (que chegam a picos de 530 cv, atuando o “launch control”); ou 490 cv (picos de 571 cv) com a bateria opcional de 93,4 kWh. O carro que guiei tinha a bateria maior.

Mas o cérebro rapidamente se habitua à aceleração (0-100 km/h em 4,0 segundos, com asfalto seco…) até porque não há condições para manter a aceleração a fundo durante muito tempo.

O Taycan 4S não mostra nenhuma instabilidade, o 4S quer mesmo dizer que tem tração às quatro rodas. Um motor com uma relação, à frente e outro motor com duas relações, atrás. A direção às rodas traseiras também deu a sua ajuda.

A confiança sobe rapidamente, levando o Taycan a tocar velocidades demasiado altas, mas longe dos 250 km/h máximos. Um sintetizador emite um som de frequência crescente, à medida que se acelera, dando assim informação adicional ao condutor.

Quando se desacelera, o som inverte-se, mas a regeneração não entra em ação enquanto o condutor não tocar no pedal de travão.

A Porsche não acredita na teoria da condução só com um pedal, não a acha natural nem eficiente. Prefere deixar rolar o carro sob o efeito da inércia, quando se desacelera.

Travagem a fundo e “launch control”

Para tirar as dúvidas sobre a aderência, decido fazer uma experiência: travar a fundo até à imobilização, partindo dos 80 km/h.

O ABS entra de imediato em cena e faz horas extraordinárias até conseguir parar os discos, muitas dezenas de metros depois. A prova de que a aderência, nesta condições é mesmo muito reduzida.

Aproveito ter o carro parado e faço um arranque com o “launch control”, desta vez é o controlo de tração que trabalha a dobrar.

Gerindo a pouca tração que encontra para lançar o Taycan o melhor possível, com a traseira a sair ligeiramente da linha e a obrigar a um pouco de correção com o volante.

Tanto num caso como no outro, impressionou a suavidade com que a eletrónica conseguiu gerir a aderência, ou a falta dela…

No meio do deserto gelado

A estrada não tinha muitas curvas, pois nesta parte quase deserta do globo, não é preciso fazer muitos desvios.

A não ser duas ultrapassagens a dois camiões, no meio da “poeira” de neve que levantavam, cruzando os trilhos no piso e tentando não pisar o banco de neve na berma da esquerda. Garanto que foi das ultrapassagens mais difíceis que tive de fazer…

À medida que avancei para Norte, a estrada foi ficando mais estreita, com o piso mais ondulante e sempre com os troncos das árvores ali bem ao lado, a não permitir erros. Algumas lombas aumentavam a emoção e o vento lateral a dar um pouco mais de sal à condução.

Os avisos que os homens da Porsche fizeram quanto à possibilidade de encontrar alces a atravessar a estrada, nunca se concretizaram. Sinceramente, com tão pouca aderência, não sei bem o que poderia ter feito…

Modos de condução

Com o piso a piorar, cada vez com mais gelo, foi a altura certa para testar os vários modos de condução: Range/Normal/Sport/Sport Plus/Individual.

À exceção do primeiro, todos os outros fazem o mesmo que nos outros Porsche, sendo comandados pelo mesmo botão rotativo no volante.

Com suspensão pneumática e amortecedores ajustáveis, há uma diferença clara no conforto entre o modo Normal e o Sport ou Sport Plus.

Quando a estrada começou a ficar com mais neve e gelo, totalmente branca, o modo Normal passou a ser o mais aconselhável.

Claro que foi sempre preciso não exagerar com o pé direito, pois mesmo com tração às quatro rodas, a verdade é que a massa do Taycan é de 2295 kg.

Tração à frente?…

Quanto ao modo “Range” a sua função é otimizar a autonomia, limitando a velocidade máxima (exceto em kick down), desligando o A/C e chegando mesmo a usar apenas o motor dianteiro a velocidade de cruzeiro. Um dos engenheiros brincava dizendo que o Taycan é o primeiro Porsche de tração à frente.

Por falar em autonomia, a Porsche anuncia 407 km, para a bateria mais pequena e 463 km, para a maior, com consumos que vão dos 21,1 aos 26,2 kWh/100 km.

Quanto aos tempos de recarga, vão dos 22 minutos para ir dos 0 aos 80%, num carregador rápido (a bateria normal carrega a 225 kW e a maior a 270 kW); até às 9h00, numa wallbox de 11 kW.

“Patinagem artística”

Mas o teste na neve e gelo não terminou com o percurso de estrada. A seguir veio uma alargada sessão sobre um pântano gelado, com uma altura de 20 cm de gelo, sobre o qual a Porsche preparou alguns exercícios.

O primeiro foi um pequeno troço muito sinuoso, para testar a agilidade com o controlo de estabilidade ligado e desligado.

A marca quis manter os pneus de Inverno, sem pregos, para as conclusões serem mais próximas às de um utilizador normal.

Mas o dia esteve mais “quente” que o esperado (raramente baixou dos 0 graus) o que levou a superfície do gelo a “vidrar” reduzindo a aderência a quase nada.

Assim, o primeiro exercício tomou a prioridade de não “plantar” o Taycan nos bancos de neve, o que iria atrasar o programa e reduzir o tempo em pista.

Nas poucas vezes em que encontrei alguma aderência nas rodas da frente, depois foi possível colocar a traseira a deslizar com um toque no acelerador e contrabrecagem rápida.

“Drift” com volante a direito

O exercício seguinte foi um slalom seguido de uma curva de 180 graus, feita em “drift”. Aqui, havia mais neve no chão, mais aderência e já foi possível jogar melhor com as massas.

Na curva em “drift”, consegui fazer todo o arco com as rodas da frente direitas, depois de bem balancear o Taycan na entrada. O autoblocante traseiro dá uma ajuda preciosa e a distribuição ativa do binário pelas quatro rodas faz o resto.

No slalom, a alternância entre a travagem, para colocar peso sobre a frente e entrar no pino, seguida pela aceleração forte, para rodar a traseira, mostrou bem a facilidade de domínio que um binário máximo de 650 Nm pode dar. E a maneira como passa mais força para as rodas traseiras, quando é preciso. Uma atitude bem desportiva, bem ao estilo da Porsche.

Salvaram-se os “dougnuts”

O exercício mais difícil ficou para o fim, um “drift” completo em dois círculos de raios diferentes. Em ambos, a baixíssima aderência (era quase impossível andar em pé sobre o gelo) tornava o limite entre o “drift” e uma série de piões consecutivos, numa linha demasiado fina.

O objetivo do exercício não foi atingido, mas ainda deu para fazer uns “dougnuts” e ver a facilidade com que a mecânica aceita esta “figura”.

É claro que um teste em condições tão extremas como estas não chega para tirar todas as conclusões. Mas algumas ficaram óbvias.

A qualidade de construção é um dado adquirido, a opção pelos quatro monitores no tablier não é pior do que a opção de um só monitor central. Mantém a elegância do habitáculo e melhora a leitura de alguns instrumentos.

Em temos dinâmicos, o que ficou claro foi que o Taycan tem a mesma consistência de qualquer outro Porsche, talvez até mais próximo do 911 que do Panamera na sua atitude desportiva.

A calibração da suspensão, da direção e dos travões dão ao condutor o mesmo nível de transparência na condução, o mesmo nível de informação de um 911.E isso é realmente um feito.

Sem opcionais, o preço do 4S com a bateria de 79,2 kWh é de 110 127 euros, mais barato que qualquer Panamera, mas mais caro que o Tesla Model S base, de 443 cv, que custa 84 305 euros.

Conclusão

Melhor que o Tesla?… Na minha opinião, sim. Pela experiência de condução, pelo maior envolvimento do condutor, pelo estilo, pelo ambiente do habitáculo e pela qualidade. Como disse no início, os números não são tudo e tenho a certeza que, na Tesla, quem estiver a trabalhar na próxima geração do Model S, vai olhar com atenção para o Taycan.

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