Os desportivos estão em vias de extinção. A guerra ao CO2 está a acabar com eles, mas alguns ainda sobrevivem. Dos que testei em 2020, escolhi o melhor. Adivinhe qual será…

 

As normas anti-poluição tornam-os em empecilhos para a redução de CO2 e as marcas vão desistindo. A Ford já disse que não vai fazer um novo Focus RS, que nas gerações anteriores esteve sempre entre os melhores. Outras marcas suspenderam a produção das versões mais potentes e outras nem sequer querem falar do assunto.

A verdade é que os desportivos já não impressionam tanto o público como no passado. A mensagem da transição energética tem sido tão insistente, da parte da classe política, que os desportivos quase se tornaram nuns indesejados.

Hoje, são cada vez mais os que sonham em quilómetros de autonomia, em vez de sonhar com os 0-100 km/h ou com a velocidade de passagem em curva. Mas nem todos.

Mesmo num ano tão inacreditável como 2020, foram lançados alguns desportivos, o mais radical dos quais terá sido o Renault Mégane RS Trophy R.

Há 10 anos a bater recordes

A Renault já tinha experimentado esta fórmula antes: transformar um familiar compacto num desportivo (Mégane RS) depois lançar uma versão mais potente (Mégane RS Trophy) e depois uma versão francamente radical (Mégane RS Trophy R).

Eu nunca guiei os antecessores do novo “R”, que andam a bater recordes no Nürburgring há dez anos. Este também lá foi e também bateu o recorde para carros de tração à frente: 7m40,1s foi o tempo.

Por fora, as mudanças estão mais na decoração garrida, exagerada e opcional. Claro que as jantes de 19” são diferentes no desenho e os pneus são uns Bridgestone Potenza S007 feitos de propósito para este carro.

Depois há o capót em fibra de vidro e de carbono, com uma entada “NACA” a meio, para-choques com mais entradas de ar para radiadores e travões e um extrator atrás, que faz mesmo “downforce.”

Por dentro… quase nada!

Por dentro… é o choque! Bancos Sabelt de fibra, em concha e só reguláveis com uma chave sextavada. Não há banco atrás, substituído por uma plataforma onde se podem levar quatro rodas completas para um “track day”. Só falta um arco de segurança.

A guerra ao peso tirou 130 kg ao Mégane RS Trophy “normal” ficando nos 1306 kg. Passou pelas rodas mais leves (há umas opcionais em carbono ainda mais leves), escape Akrapovic em Titânio e vidros das portas traseiras mais finos e fixos. Até o infotainment é o mais leve.

Suspensão muito “mexida”

Depois, o mais importante: a suspensão. Para tirar peso e aumentar precisão, a direção às rodas traseiras saiu e deu lugar a um eixo de torção 38 kg mais leve. A suspensão da frente tem mais camber negativo e os amortecedores são Öhlins reguláveis em compressão, extensão e altura, mas só numa garagem. Há barras anti-aproximação à frente e atrás.

Os travões são Brembo com maxilas de quatro êmbolos e discos carbo-cerâmicos, na frente. O ABS e ESP foram recalibrados e a transmissão recebe um autoblocante Torsen. Só está disponível a caixa manual de seis, mais leve que a de dupla embraiagem.

Além das condutas de arrefecimento, o motor 1.8 turbo de quatro cilindros não recebeu modificações, mantendo os 300 cv e 400 Nm, que chegam para abater os 0-100 km/h em 5,4 segundos e atingir os 262 km/h.

A lista de opcionais parece a de um carro de competição: jantes de carbono, bateria de Lítio, cintos de seis apoios e entradas de ar em carbono. Se já puxou pela calculadora… espere pelo fim. Porque o mais importante, como sempre, é o resultado final.

Até parece civilizado…

Os bancos são bons para baixar o peso, mas as costas não se regulam face ao assento e para mudar a altura e/ou inclinação é preciso desapertar quatro parafusos. Como o utilizador anterior devia ser maior que eu, acabei por me sentir um pouco “deitado”.

O volante cai bem na mão, tal como a alavanca da caixa manual. De resto, o painel de instrumentos é o mesmo e foram mantidos os modos de condução (Comfort/Neutral/Sport/Race/Perso), bem como a câmara traseira… para não estragar o difusor nas manobras.

Falar em desempenho em cidade é irrelevante. No “R”, tudo o que não seja guiar depressa numa estrada com traçado exigente, é pura perda de tempo. Mas posso relatar a minha experiência nas ruas da cidade, a caminho da estrada de montanha.

Direção tão leve como nos outros RS, embraiagem fácil de usar nas manobras e arranques no trânsito. O motor é civilizado, disponível e no modo Comfort ou Neutral, o escape nem faz muito barulho. A caixa manual tem um curso mais curto, mas não melhorou na precisão. E os travões são fáceis de dosear.

Suspensão muito dura

O barulho vem da areia e gravilha a bater nas cavas das rodas, mostrando que a poupança de peso também passou pelos materiais insonorizantes. E há ruídos parasitas que seriam inaceitáveis num Renault comercial.

O pior é a suspensão, que mesmo em modo Comfort é demasiado dura para os pisos que não sejam perfeitos. Salta nas bandas sonoras e reorganiza os orgãos internos nos remendos do asfalto. Muito desconfortável, mas nunca chega ao fim do curso, o que mostra a sua qualidade. O consumo em cidade foi de 9,2 l/100 km.

Trophy-R no seu “habitat”

Estrada deserta, piso com muita aderência e Sol a brilhar. Começo no modo Sport e acelero a fundo para ver onde estão os 300 cv. Só acima das 2000 rpm o motor dá realmente aquele salto para diante, com o silvo do turbo a chegar aos ouvidos. Depois despacha-se muito bem até ao “red-line”, com força até cortar pelas 7000 rpm. O escape acompanha o espírito, mas sem exageros, apenas com umas detonações quando se desacelera.

A travagem é potente e resistente, como se espera de discos de carbo-cerâmica, mas é também fácil de dosear, mesmo quando chego um pouco mais depressa à próxima curva do que tinha planeado. A caixa manual não é nada de especial, pouco rápida e pouco precisa quando usada com pressa. Mas a seguir o R “abre o livro” e começa a mostrar aquilo de que é feito.

Incrível precisão

O primeiro golpe de volante para entrar em curva transmite de imediato uma sensação de eficácia e precisão. A rigidez da frente é bem fácil de perceber na maneira como o carro obedece e entra na trajetória. Tudo acontece de uma maneira mais natural do que nos outros RS, porque a direção traseira 4Control não está cá.

A inclinação lateral é pouca, como seria de esperar, e quando se começa a aumentar o ritmo, a suspensão faz melhor o seu trabalho: mantém o R estável, não o deixa saltar ao sabor das imperfeições da estrada.

A confiança aparece de imediato: levo mais velocidade para dentro das curvas mas a resistência à subviragem continua a manter o R na linha certa. O maior camber negativo das rodas da frente dá aqui os seus frutos, bem como os pneus. Mas o ESP também participa no exercício: vê-se a sua luz a acender, mas quase não se sente a sua ação.

No modo Race é outra história

Passar ao modo Race é uma formalidade que cumpro de imediato. O acelerador fica um pouco mais sensível e o ESP vai dormir uma sesta. Com esta configuração, o R começa então a deslizar um pouco. De frente só se me “esquecer” de travar na entrada em curva e, ainda assim, muito pouco. Mas se provocar a traseira com um levantar de pé agressivo, a traseira já “enrola” um pouco a curva, sobretudo se os pneus ainda estiverem frios.

A temperatura dos pneus, mesmo em estrada, é um fator que altera a aderência do R e isso percebe-se à medida que a sessão continua. O que também se percebe desde cedo é a fenomenal tração.

Assim que se passa do travão para o acelerador e se começa a pôr os 300 cv no chão, as rodas da frente cumprem o seu papel sem desperdiçar nenhuma potência. Tudo o que o motor gera vai direto para o asfalto e para extrair o R da curva.

Em piso desnivelado, a andar depressa, sente-se um pouco o efeito do autoblocante com  alguns puxões na direção, Mas que apenas pedem uma pega mais apertada no volante.

Tração muito elevada

Na realidade a tração é tão boa, a velocidade de passagem em curva tão alta que a traseira quase quer deslizar pela simples aplicação da força centrífuga. Não fossem os pneus tão bons e tinha aqui uma sobreviragem de potência num tração à frente, algo que não me recordo de sentir desde que testei o saudoso Honda Integra Type R.

Claro que, à medida que os quilómetros e os minutos avançam, a tendência é guiar cada vez mais depressa, à procura dos limites, da altura em que o R diz: “já chega!” Mas a verdade é que nunca o chega a dizer. Mesmo provocando fortemente a traseira, nunca há a sensação de que o carro está prestes a fazer um pião completo.

A suspensão mantém sempre uma atitude muito estável e controlada. A pura verdade é que, este Mégane RS Trophy R não precisa que se lhe provoque o eixo traseiro para obrigar o dianteiro a manter a linha certa. A aderência e a tração são simplesmente demasiado altas. Basta guiar limpo, nem é preciso “inventar”, para se chegar a um nível de condução muito impressionante para um carro de tração apenas às rodas da frente.

O consumo e o preço

No final da sessão, o computador indicava um consumo de 30 l/100 km, normal para um motor turbo desta potência. Os pneus mostravam uma excelente resistência ao desgaste e toda a mecânica voltava ao “normal” como se não tivesse sido chamada a dar tudo o que tinha.

Deste R só se fizeram 500, por isso considero um privilégio ter tido a oportunidade de testar um deles. E nem entro na discussão do preço. Ter 81 500 euros para gastar num desportivo e comprar este Mégane só faz sentido depois de o testar.

Conclusão

Este é um carro especial, muito especial. Foi projetado por uma equipa de 15 pessoas em tempo recorde e produzido em apenas 500 unidades para todo o mundo. Foi o desportivo que mais me surpreendeu, entre aqueles que testei este ano. O que mais me entusiasmou, o que mais puxou por mim. Por tudo isso, merece o prémio de “Desportivo do Ano – Targa 67”.

Francisco Mota

 

Renault Mégane RS Trophy-R

Potência: 300 cv

Preço: 81 500 euros

Veredicto: 5 (0 a 5)

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Teste – Renault Mégane RS Trophy: um belo dia na montanha