A pandemia chegou na mesma semana em que me preparava para escrever o teste do A110 S. Mas nessa altura já ninguém queria ler sobre carros. Cinco meses depois, aqui está ele.

 

Testei o Alpine A110 S poucos dias antes da pandemia chegar a Portugal, longe de imaginar o que nos esperava.

A Covid-19 era apenas uma notícia de uma doença distante “que nunca chegará a Portugal” como diziam as autoridades sanitárias nacionais.

Mas chegou e o interesse dos leitores centrou-se integralmente nas notícias e nas indicações difundidas sobre a pandemia e como lidar com ela.

Ler testes a carros, deixou de ser uma prioridade, mesmo para quem “respira” automóveis e mesmo quando se trata de um dos mais brilhantes desportivos dos últimos anos.

O teste do Alpine A110 S tinha que esperar por melhores dias, por dias em que os leitores que gostam destes temas pudessem voltar a um estado de espírito que os levasse a querer ler sobre as diferenças, as vantagens e desvantagens da segunda versão do Alpine A110.

O meu preferido

Não escondo que o novo Alpine A110, para o distinguir do antigo, de que apenas alguns se lembram, é o meu desportivo preferido dos últimos anos.

E não é por ser o mais potente, o mais veloz ou o mais rápido. Nem sequer por ter a dinâmica mais eficaz que o faça ser o campeão dos “g” laterais. Nada disso!

O A110 é o meu desportivo preferido por razões muito mais subjetivas que objetivas.

Claro que tudo começa no conceito de estrutura leve e rígida, feita em alumínio. No motor central e tração traseira. Mas só isso não chega. Há outros que seguem as mesmas ideias e ficam longe, muito longe do A110.

É a maneira como os homens da Renault Sport souberam chegar a um equilíbrio entre performance, dinâmica e interação com o condutor.

Sobre isso já escrevi no teste do primeiro A110, um carro que tive a sorte de ter guiado em pista, em estrada e até em alguns troços de terra do Rali de Portugal. Em todos os terrenos, me impressionou.

A versão mais potente

O plano da Renault sempre foi fazer várias versões do A110, construir uma gama, o que não se consegue só com pacotes de equipamento diferentes, é preciso mais que isso.

Desde o início que se sabia estar planeado um A110 mais potente, que só se poderia chamar A110 S, tal como o seu antepassado dos anos sessenta.

Mas a Alpine não se ficou pelo aumento de 40 cv na potência do quatro cilindros turbo, chegando aos 292 cv, mas fazendo os 0-100 km/h descer apenas 0,1 s para os 4,4 s. Na verdade, redefiniu o A110 e fez quase um carro novo.

A potência a mais, vem de um turbocompressor com mais 0,4 bar de pressão acima das 5000 rpm, abaixo desse regime a curva de potência é a mesma e o regime de potência máxima também é o mesmo: 6400 rpm.

No binário máximo de 320 Nm nem mexeu, pois já estava no limite admitido pela caixa Getrag de dupla embraiagem.

Mas acrescentou um escape desportivo ativo, que lança todo o tipo de sons espetaculares, dos “engasgos” nas passagens a subir, às “detonações” nas reduções em modo Track.

Suspensão muito diferente

As grandes alterações foram na suspensão, a começar com uma descida de 4 mm na altura. As molas e os amortecedores são 50% mais rígidos e as barras estabilizadoras têm metade da flexibilidade.

As jantes são forjadas (1,5 kg mais leves), os discos bi-matéria têm a parte central em alumínio e os pneus de série são os Michelin Pilot Sport 4S, mais largos atrás que à frente (215/40 R18 e 245/40 R18).

O tejadilho em fibra de carbono é 2 kg mais leve e os bancos desportivos Sabelt, poupam 13 kg, mas o peso subiu, apesar de apenas uns insignificantes 16 kg, para os 1114 kg.

Tudo somado, não parece muito mas é o suficiente para fazer escalar o preço de 64 500 euros para 76 700 euros. Justifica-se?… Só a estrada me poderia dar a resposta.

Primeiras impressões

O som do escape começa por marcar a diferença, mais alto, mais extrovertido, sobretudo quando se passa do modo Normal para o Sport ou o Track.

Mas o que se sente de imediato é a maior dureza da suspensão, sobretudo a baixa velocidade e em pisos imperfeitos.

Alguns “buracos” da estrada propagam um “eco” na estrutura de alumínio e os bancos Sabelt não amortecem quase nada.

Estes são os bancos de que não gosto, apesar de ficarem bem nas fotografias. A impossibilidade de regular a inclinação das costas, para mim, é um problema. Gosto de guiar com as costas direitas, aqui, sinto-me numa espreguiçadeira…

A baixas velocidades, o motor continua a dar-se bem com a caixa de dupla embraiagem, há sempre binário disponível e as mudanças em automático são suaves e atempadas. Tudo normal.

Em cidade gastou 8,8 l/100 km e em autoestrada uns “ridículos” 5,5 l/100 km. Mesmo a fundo, nunca passou dos 20,0 l/100 km.

Sensível ao piso

Numa primeira estrada secundária de piso imperfeito, começo por sentir que o A110 S se mostra bem mais nervoso de suspensão que o A110. O carro sente-se mais tenso, a pedir uma pega mais apertada do volante e olhos mais abertos.

Logo a seguir, apanho piso escorregadio, com asfalto polido e empoeirado. A direção perde grande parte do tato, a frente deixa de “agarrar” e sai de frente, mesmo sem grandes exageros. A rigidez da suspensão não a deixa encontrar aderência a velocidades tão baixas e com tão pouco “grip”.

A seguir, uma estrada que vai tirar todas as dúvidas, com piso bom, de alto atrito e curvas de todos os tipos. Reencontro aquele “planar” de curva em curva típico dos carros leves: não é a potência que os leva, é a ausência de massa.

Mostrar o que vale

Neste piso, o A110 S começa a mostrar as vantagens da suspensão. Consegue levar mais velocidade para dentro das curvas, com muito menos inclinação lateral e depois assume uma atitude mais neutra, menos sobreviradora quando se altera a posição do acelerador, para cima ou para baixo.

O comportamento é claramente mais eficiente, mais neutro, o que deixa aproveitar a maior potência sem o perturbar. Muito diferente do A110, que facilmente se coloca em sobreviragem controlada.

Os limites são mais altos, o que “obriga” a guiar mais depressa. Exagerar na entrada em curva para depois aliviar e ver então a traseira a rodar um pouco, mas de uma maneira menos progressiva que no A110. Nem sempre sai bem…

Modo Track, ESP Off…

O mesmo na saída das curvas, decididamente há muito menos tendência para o “powerslide” que no A110, não só porque tem mais borracha no chão, mas sobretudo porque a afinação da suspensão assim o determina.

O efeito “autoblocante” feito com os travões não evita um pouco de perda de tração nas acelerações precoces em curvas muito fechadas. Mas isso é pouco importante.

Tudo isto, com o modo Track selecionado, ESP desligado e caixa comandada com as patilhas. As passagens são rápidas e obedientes, acrescentando uma boa sensação de controlo.

Como esperado, só se dá conta da diferença de potência quando se rola consistentemente em regimes altos, o que não é o mais frequente quando se tem pouco peso e uma caixa com a segunda velocidade curta, a convidar a usar mais vezes a terceira.

A110 versus A110 S

Assim que o piso volta a deixar de ser perfeito, o A110 S torna-se tenso, obrigando a maior alerta. Por uma razão simples: para fazer funcionar bem a suspensão, é preciso pôr-lhe mais carga, ou seja, andar mais depressa, o que nem sempre é viável.

Chego ao fim constantemente a comparar a experiência que estou a viver com as memórias bem presentes do A110 e começo a pensar que prefiro a versão menos potente.

Não guiei o A110 S em pista, mas não tenho dúvidas que será mais rápido e dará mais satisfação que o A110, numa volta rápida. Mais potência, suspensão mais firme, é sempre aquilo que uma pista pede.

Mas, na estrada, o acréscimo de performance do motor nem sempre é fácil de usar e o acerto da suspensão exige maiores riscos para dele tirar uma percentagem do gozo de condução que o A110 proporciona.

Conclusão

E aí está uma daquelas conclusões que raramente me aparece pela frente: a versão menos potente, para mim que não frequento “track days”, é claramente a melhor.

Francisco Mota

Potência: 292 cv

Preço: 76 700 euros

Veredicto: 4,5

Para percorrer a galeria de imagens, clicar nas setas

Ler também, seguindo este LINK:

Alpine A110, um implante de memórias