Quando a Porsche passou o Boxster e o Cayman para os quatro cilindros turbo, levantou-se um coro de protestos. Com as novas versões 718 GTS 4.0, o seis cilindros atmosférico está de volta. E que prazer dá a sua condução!…

 

Estamos em 1980 e a Porsche lança no mercado o 924 Carrera GTS, uma versão muito especial do seu modelo mais barato, para servir de base a uma utilização em competição.

Foi aí que a sub-marca GTS começou a ser usada para fins comerciais, apesar de a sua origem recuar a 1963 e a um carro ainda mais especial, o 904 Carrera GTS.

Com carroçaria e estrutura em fibra de vidro, o Gran Turismo Sport era um coupé que podia andar na estrada mas tinha sido feito para ganhar corridas.

Foi usado com motores de quatro cilindros, seis cilindros e até um de oito cilindros, todos “flat”, na tradição da marca, mas colocados ao meio e não atrás do eixo traseiro.

Na verdade, apenas a história lhe deu autorização para ser chamado 904, o número do projeto, pois em 1963 essa designação esbarrou com o mesmo problema do 901, o primeiro nome dado o 911.

O “problema” Peugeot

O problema era simples mas de solução impossível: a Peugeot tinha registado todos os números de três algarismos com zero ao meio e não autorizou a Porsche a usar algumas exceções.

O Carrera GTS, não perdeu muito com isso, tendo obtido resultados importantes ao longo da sua carreira desportiva, como vitórias no Targa Florio, Rali dos Alpes e muito mais.

Compreende-se a ligação que a Porsche quer fazer a este antecessor do atual 718 GTS, pois há realmente pontos em comum: dimensões compactas, motor central e um claro espírito desportivo.

Talvez até se encontre um paralelo entre a variedade de motores que o 904 usou e a maior das novidades do novo 718 GTS 4.0, o regresso do motor de seis cilindros opostos atmosférico.

Para todos os que criticaram a Porsche quando foi decidido passar os 718 (Boxster e Cayman) dos motores de seis cilindros opostos atmosféricos para os de quatro cilindros opostos turbocomprimidos, a marca dá agora a resposta. Mas com um preço, claro.

Os 718 GTS 4.0 são a versão de topo das duas gamas, excluindo o Boxster Spyder e o Cayman GT4, fabricados em volumes limitados.

O motor do Cayman GT4

Quem comprar um dos novos 718 GTS 4.0, Boxster ou Cayman, leva para casa o mesmo motor de seis cilindros opostos e 3 995 cc do 718 Cayman GT4. Apenas a eletrónica é mudada para debitar 20 cv menos e ficar-se pelos 400 cv.

Em si, o bloco do motor é o mesmo do atual 911, mas deixando de fora a sobrealimentação.

Por isso, ao contrário dos motores turbo, que chegam ao binário máximo por volta das 2000 rpm, este motor do 718 GTS 4.0 só chega aos 420 Nm às 5000 rpm.

Mas os turbos não eram melhores?

Isto vai contra tudo aquilo que andamos a ouvir há anos, sobre as vantagens da maior elasticidade dos motores turbo. Só que aqui há dois “ses”.

O primeiro é a cilindrada de 4,0 litros, que lhe permite ter 340 Nm logo às 2250 rpm. Com a injeção direta de injetores piezo a ajudar.

Depois tem uma caixa manual de seis velocidades com as primeiras três relações escalonadas para dar prazer de condução: segunda longa e terceira muito próxima.

Para completar o conjunto, há um escape desportivo novo, montado sobre a caixa de velocidades como se fosse uma sela de um cavalo.

Como é tradição nos GTS, faz mais barulho que nas outras versões, mas há um botão para o acalmar.

Não esquecer que o GTS continua a ser um carro para usar sobretudo em estrada e até tem desativação de uma bancada de cilindros, em situações de condução de baixa carga. Mas chega de conversa, vamos para a estrada!

O 718 Boxster GTS 4.0 em Sintra

O primeiro a guiar, em algumas das estradas em redor do Circuito do Estoril, onde a Porsche decidiu organizar a apresentação internacional à imprensa, foi o 718 Boxster GTS 4.0, com a capota fechada, pois o tempo ameaçada chuva que, felizmente nunca chegou.

Roda-se a chave, sempre do lado esquerdo (apesar de já não ser uma chave) e a melodia dos seis cilindros é imediatamente reconhecível. Um toque no acelerador e o som ganha uma harmonia que as versões turbocomprimidas nunca poderão ter.

Apesar de ter uma suspensão 20 mm mais baixa (em opção pode ser apenas 10 mm mais baixa, para quem tiver costas mais sensíveis) e jantes de 20”, tem também amortecedores reguláveis em três graus de dureza.

Ou seja, em modo Normal, a suspensão passa pelo mau piso com inesperado conforto, a direção é leve, o pedal de embraiagem também e a caixa manual muito suave e rápida.

Guiar devagar no meio do trânsito não é um problema, mas, para quem quiser, vai ter a opção da caixa PDK, mais tarde.

A resposta do motor a baixos regimes é muito suave e decidida, sem os “degraus” que alguns motores turbo apresentam. É um motor orgânico, se é que isto faz algum sentido…

A magia dos seis cilindros… sem turbo

Na primeira reta desimpedida, rodo o botão do volante para o modo Sport+, afundo o acelerador e deixo-o lá ficar. O seis cilindros faz a sua exibição.

Muito progressivo até às 4500 rpm e depois com um subtil acréscimo de entusiasmo daí para a frente, que faz eriçar os pelos da nuca.

Os 400 cv só chegam às 7000 rpm e o limitador só entra às 7800 rpm. Tudo isto ao som da melodia tradicional de uma certa localidade, que dá pelo nome de Zuffenhausen. Os 0-100 km/h em 4,5 segundos são um mero efeito colateral.

A caixa faz o duo perfeito com o 4.0 autorizando passagens a subir tão rápidas quanto a rapidez do braço direito. Claro que é preciso precisão também, para não acertar na quinta em vez da terceira. Mas é mais uma questão de gerir o entusiasmo.

Pelo contrário, a caixa aceita todo o tipo de reduções, fazendo um “ponta-tacão” tão bem feito que rapidamente desisti de o fazer eu. É isto uma boa caixa de velocidades manual: envolve o condutor de uma maneira que nenhuma caixa de patilhas consegue.

“Powerslides” ou tração?

Mas o melhor estava para vir, pois um Porsche não é feito para as retas. Nas curvas, fui reencontrar aquela precisão e comunicação que só as direções da Porsche conseguem ter.

As rodas da frente vão milimetricamente para onde as mando, sem a mais pequena dúvida e sem nenhum sinal de subviragem.

Com a estrada ainda húmida da noite anterior, sobretudo nas zonas mais resguardadas, não foi difícil perceber como o controlo de estabilidade PSM (Please Save Me, dizem os alemães a brincar) é liberal.

A traseira atravessa-se na reaceleração, mas de uma maneira tão benigna e espectável que a correção é sempre um prazer.

O próximo passo era subir ao nível Sport do PSM e colocar o amortecimento no nível intermédio. Resultado? Ainda mais gozo na condução!

As saídas de traseira ganham ângulo mas não trazem sustos. Tudo corre de acordo com o plano e com uma sensação de que estou realmente a conduzir.

Que são os meus gestos a decidir o desfecho da próxima curva e não uma eletrónica escondida algures debaixo do capot.

Motor/caixa o duo perfeito

A utilização do motor e da caixa acrescem – e muito – a este genuíno gozo da condução. Obrigam a adivinhar qual a melhor relação para a próxima curva e depois a viver com a escolha: é quase o redescobrir das caixas manuais, em carros de 400 cv.

Mas se a vontade for ouvir mais o motor do que os pneus, travando tarde e curvando com o carro direito, o 718 Boxster GTS 4.0 faz exatamente isso.

Acrescenta uma fabulosa tração na saída das curvas lentas, oferta da mesma entidade que tinha servido os “powerslides”: um autoblocante mecânico primorosamente afinado.

A partir daqui, só havia um destino possível para continuar a explorar o 718 GTS 4.0: a pista do Estoril. Foi o que fiz, passando do Boxster para o Cayman.

Com o 718 Cayman GTS 4.0 no Circuito do Estoril

Ainda com mais rigidez, coisa de que o Boxster não se tinha queixado na estrada, o Cayman é a “arma” perfeita para atacar o antigo circuito de F1.

O “jogo” era muito simples: ir atrás de um instrutor no seu 911 Carrera S e tentar acompanhar o seu ritmo.

Se me atrasasse, ele abrandava, se me aproximasse, ele ia mais depressa. Ao estilo “gato e rato” mas com o gato à frente, mais potente, mas maior.

Para me entusiasmar, o instrutor dizia-me que, o que o 911 S tinha a mais de potência, o Cayman GTS tinha de chassis. Vamos ver…

Não foram precisas mais de duas curvas para o instrutor começar a “andar para a frente” obrigando-me a puxar de imediato pelo conhecimento que tenho da pista.

Nas saídas das curvas mais lentas, sentia que tinha mesmo de usar o “meu” 4.0 atmosférico até à última rpm permitida e depois passar de caixa bem depressa, para o 911 não se ir embora.

Mas nas travagens, os discos de carbono e o menor peso do Cayman aproximavam-me mais da sua traseira do que queria.

Mais agilidade

Nas curvas lentas, a agilidade do Cayman permitia-me “mergulhar” na trajetória do 911 à mesma velocidade e com uma sensação de neutralidade e estabilidade fabulosas.

Nas mais longas, como a parabólica, quando começava a ver o 911 a escorregar em cima dos seus quatro pneus, o “meu” Cayman ainda seguia “sobre carris”.

Depois era só aproveitar o cone de aspiração ao longo da reta para não perder o contacto com o 911, chegando à zona de travagem acima dos 230 km/h e com vontade de o ultrapassar.

Mas, se o tivesse feito, acabava logo aí a “brincadeira”, como é lógico. Não o largando, obriguei o instrutor a puxar dos galões e a empenhar-se um pouco mais.

Conhecer os “atalhos”

Em algumas partes do circuito, consegui fazer trajetórias que me permitiam aproximar e que ele começou também a fazer, quando olhava para o retrovisor e percebia a vantagem.

Uma pequena hesitação na entrada demasiado rápida na famigerada curva 2, levou-me a testar as capacidades do PSM Sport, que fez mesmo o que diz no rótulo, quase sem perder tempo.

Ao fim de cinco voltas, os pneus já começavam a aquecer e o exercício terminou. Meia volta depois estava de regresso à box com um enorme sorriso e pouca vontade de largar o volante.

Troca de galhardetes da praxe com o instrutor e tempo de fazer o balanço do dia.

Balanço do dia

A Porsche voltou a provar a si mesma que não há nada como o seis cilindros boxer atmosférico, mesmo no Boxster/Cayman.

O prazer de descobrir o temperamento do motor à medida que sobe de regime é inigualável. Redescobrir uma excelente caixa manual foi outro gozo, depois de anos a guiar Porsche sempre com caixa PDK.

Por último, a confirmação de que o Cayman, com o motor certo, é igual ou melhor do que um 911 comparável, numa pista.

Conclusão

O que está de errado nisto tudo? Não muito. A estética do 718 Boxster/Cayman nunca foi um ponto forte e continua a não ser.

Os consumos, nem olhei para eles, mas a Porsche anuncia 15,4 l/100 km, em cidade, o que não é brilhante. E o preço em Portugal.

Custa 122 375 euros. Fazendo umas contas simplistas, o 718 Boxster GTS 4.0 tem só mais 50 cv que o 718 Boxster S, mas custa mais 30 000 euros. Vale a pena? Tendo o dinheiro e a vontade…

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