A Tesla é um fenómeno e o novo Model 3 é outro. A paixão que este carro elétrico criou no mercado das berlinas de luxo é avassaladora. Mas será que merece toda esta atenção?

 

Para lá das importantes questões do balanço de CO2, num carro elétrico tudo se resume a duas coisas: autonomia e tempo de recarga. Quando a segunda questão estiver otimizada, a primeira deixa de ser um problema.

Pensava, mais uma vez, nisto enquanto olhava para a frente sem grelha do Tesla Model 3, a berlina executiva mais desejada do momento, e que tomou o segmento de assalto na Europa, assustando líderes históricos, como o BMW Série 3, Mercedes-Benz Classe C e Audi A4.

Qualidade de construção a melhorar

O estilo da Tesla não é revolucionário, mas é facilmente identificável. Muitas marcas demoraram anos até agarrar uma imagem de marca, a Tesla fez isso na primeira geração.

Mas, claro que não fez tudo bem. Basta dar uma volta ao Model 3 e olhar com atenção para o ajustamento das partes móveis da carroçaria para perceber a razão das dificuldades no arranque da produção.

Fechada, a tampa da mala fica a um dedo de distância do guarda-lamas, de um lado, e praticamente encostada, do outro. Na fresta que separa a porta da frente da porta de trás, em cima quase se tocam, em baixo cabe lá mais um dedo. No próprio alinhamento das portas se nota um desnível, entre as da frente e as de trás.

São falhas que nenhuma das três marcas premium alemãs tolera, há muitos anos. A Tesla tem que melhorar nesta parte, a de construir um automóvel premium.

Pouca informação oficial

Ao contrário das marcas alemãs, a Tesla não divulga muita informação técnica detalhada, pelo menos de forma pública. Vá ao configurador e não conseguirá encontrar a potência dos motores elétricos. Nem muitas outras coisas.

A estrutura monobloco é diferente da usada no Model S, sendo feita em aço, apenas com algumas peças no alumínio que é usado no modelo maior. É compreensível que assim seja, para controlar o preço.

As suspensões são de braços sobrepostos, na frente e multibraço, atrás sem amortecedores adaptativos. A bateria de iões de Lítio tem 75 kWh de capacidade e está colocada sob o habitáculo, mantendo o centro de gravidade baixo, mas obrigando os ocupantes a estar sentados num plano mais alto. O peso anunciado do Model 3 é de 1847 kg.

Model 3 Performance

A versão que pude guiar, num teste que durou menos de 24 horas, foi a Performance, a mais potente e mais cara. Custa 69 700€, sem opcionais.
Nesta versão, há dois motores, um para as rodas da frente, com 200 cv e outro para as rodas de trás, com 287 cv. A potência máxima combinada é de 480 cv e o binário de 639 Nm.

Para comparação, um BMW M4 tem 431 cv e 550 Nm, pesando 1590 kg.
A Tesla anuncia a aceleração 0-100 km/h do Model 3 Performance em 3,4 segundos e velocidade máxima de 261 km/h; o BMW M4 faz os 0-100 km/h em 4,1 segundos e está limitado aos 250 km/h.

Quanto à autonomia da bateria, a Tesla anuncia 530 km, segundo o protocolo WLTP. Por curiosidade, fazendo as contas ao consumo médio anunciado, um BMW M4 tem autonomia para 722 km.

Em ambos os casos, estes valores de autonomia são calculados de acordo com os consumos médios homologados, ou seja, a andar muito abaixo da performance máxima de ambos.

A recarga da bateria

Para acabar com os números anunciados, falta dizer que o Model 3 recarrega 270 km de autonomia em 30 minutos (em teoria, demora pouco mais de uma hora para uma carga total) mas só quando ligado a um supercarregador Tesla.

Estes são 52 ao todo disponíveis em apenas seis locais, em Portugal. Depois há os 140 “carregadores de destino”, instalados em hotéis, “resorts” e restaurantes, com os quais a Tesla firmou acordos.

Para esses, a marca anuncia uma carga de 80 km em uma hora, ou seja, para fazer uma carga total seriam precisas 6h37, numas contas simplistas.

Note que, todos estes valores de “km carregados” são calculados com base nos consumos médios considerados pela Tesla. Se andar mais depressa, “carrega menos km” como é lógico.

Claro que o Model 3 também pode ser carregado num posto público, como os outros carros elétricos. Mas vai sempre demorar muito mais tempo.

Ao volante do Tesla Model 3

Equipado com toda esta informação, encosto um cartão da Tesla ao pilar central e as portas destrancam-se. Uma “app” para o “smartphone” pode substituir o cartão.

Ocupando o lugar do condutor, o banco tem uma formato simples, o assento é curto, tem pouco apoio lateral e sente-se a posição alta, não é muito confortável, mas a visibilidade é boa.

A primeira sensação é um pouco estranha, pois o tablier não tem botões, nem saídas de A/C convencionais. Apenas um enorme monitor de 15” no meio, que parece roubado a um PC e onde se controla quase tudo.

A sua leitura não é afetada por reflexos exagerados, mas notam-se as dedadas que lá vão ficando, como num “smartphone.”

Onde estão os botões?

A falta de botões chega a ser desesperante, no início: para regular os espelhos, tem que se ir ao monitor selecionar essa função e depois usar os dois botões rotativos, multi-tarefas do volante, o mesmo para regular o volante. Até o porta-luvas se abre no monitor!

Um olhar à volta mostra que o habitáculo tem uma mistura de materiais bons e menos bons, com algumas falhas de montagem, como na zona inferior do tablier, acima dos pedais.

A consola tem dois enormes porta-objetos com tampas, talvez pudessem estar um pouco mais compartimentados, porque são mesmo grandes.

Nos lugares de trás há bastante espaço em comprimento e razoável em altura. Mas o piso plano acaba por obrigar os joelhos a ir um pouco mais altos que o ideal e a largura é melhor para dois adultos que para três.

O tejadilho em vidro filtra bem o calor, não exigindo muito ao A/C.
O Model 3 tem duas malas, pois os motores estão alinhados com as rodas de cada eixo.

A mala de trás leva 340 litros, mas o acesso é estreito, pois não tem quinta porta, nem abertura elétrica, obrigando a empregar alguma força para a fechar. Mas tem um amplo alçapão sob o piso, para guardar o “esparguete” dos cabos de recarga. Na frente, há outra mala, com 85 litros.

Pronto a andar

Também não há um botão para ligar o motor. Basta empurrar para baixo a alavanca da transmissão de uma velocidade, que é a haste do lado direito na coluna de direção e acelerar.

Mas antes disso é melhor “estudar” alguns dos menus mais importantes no monitor. O mais divertido é a regulação do fluxo do A/C, que se faz numa animação que mostra o vento a sair da fresta que “rasga” o tablier de um lado ao outro. Basta orientar o “vento” para onde se deseja.

No terço da esquerda do monitor, estão as informações de condução mais importantes, no resto pode estar o mapa da navegação ou outras funções de entretenimento e informação.

Monitor fácil de usar

A parte boa de ter um monitor tão grande é que os ícones estão bem afastados uns dos outros, sendo fácil acertar-lhes à primeira tentativa. Mas é sempre preciso desviar os olhos da estrada.

É possível fazer três regulações na condução: rapidez do acelerador nos níveis Chill/Sport; direção nos níveis Comfort/Standard/Sport e regeneração nos níveis Standard/Low. Depois ainda pode escolher o modo Track, que coloca tudo um nível acima de Sport.

Mas o melhor é mesmo começar a andar. Só para registo, a autonomia estava nos 490 km e a carga da bateria nos 98%, quando comecei.
Como esperava, o Model 3 arranca no maior dos silêncios.

A suspensão rebaixada desta versão Performance e os pneus de baixo perfil (235/35 R20) tornam o pisar do carro um pouco firme, nos pisos imperfeitos não é muito confortável.
Nesses terrenos, ouvem-se alguns ruídos parasitas de plásticos menos bem montados.

Quase só com um pedal

O modo Standard da regeneração está bem afinado, retirando velocidade nas desacelerações, quase não sendo preciso usar o pedal de travão, o que é bom porque tem um tato pouco progressivo, difícil de modular.

A direção no modo Comfort fica muito leve, boa para a cidade. O raio de viragem é maior do que o ideal, não facilitando algumas manobras. O consumo em cidade foi de 22,5 kWh/100 km, um bom valor.

Em autoestrada, a ausência de ruído do motor e transmissão deixa ouvir mais os silvos aerodinâmicos, que vêm dos vidros e dos retrovisores.

A 100 km/h já incomodam, sobretudo os gerados pela zona onde o para-brisas se junta ao teto de vidro. Neste tipo de estradas, o melhor é passar a direção para o modo Standard, para lhe tirar o nervosismo do modo Comfort.

Fica muito bem calibrada assim, com uma boa resposta aos mais pequenos “inputs” do condutor. O mesmo para a dinâmica, que se sente segura, serena, composta. Se o piso for perfeito, este Performance é um prazer de guiar em autoestradas ou vias rápidas, mesmo em curvas mais rápidas, onde se sente bem o centro de gravidade baixo a trabalhar para a estabilidade.

O efeito do peso

Nas zonas mais onduladas, começa a sentir-se o efeito do peso, que faz a carroçaria oscilar, mas é sobretudo nas travagens mais fortes que se percebe que o Model 3 não é leve.

Em autoestrada, abaixo dos 120 km/h, o consumo foi de 23,6 kWh/100 km, usando aqui o modo de regeneração Low, para deixar o carro rolar mais do que regenerar, aproveitando a inércia.

A autoestrada foi também a oportunidade para experimentar o “cruise control” adaptativo, que na Tesla se chama Autopilot. O funcionamento é bom, mesmo se as correções da direção para manter a faixa nem sempre são muito suaves. Mas isso acontece em muitos outros rivais.

Por lei, para já ainda é obrigatório manter sempre as mãos no volante, por isso o “piloto automático” ainda não está disponível.

Arranque impressiona… muito!

Claro que a grande curiosidade era ver como seria este Model 3 Performance num arranque a fundo, em modo Track. E o que posso dizer é que a entrega instantânea e brutal do binário máximo, consegue importunar o equilíbrio do ouvido interno.

Os primeiros arranques chegam a criar uma ligeira sensação de náusea, até o organismo se habituar a este tipo de aceleração sem aviso.

O próximo passo foi levar o Model 3 para uma estrada de montanha para descobrir se o seu desempenho dinâmico está à altura da performance máxima.

O modo Sport torna a aceleração mais viva que o modo Chill, mas o modo Track é o melhor para perceber aquilo de que o Model 3 é capaz.

Peso prejudica dinâmica

Claro que a aceleração impressiona sempre, fazendo as retas parecer mais curtas. Mas numa estrada com o perfil imperfeito, percorrida depressa, a suspensão, sob carga, começa a deixar o Model 3 oscilar. Nada de grave, mas é mais um sinal de que há aqui muito peso em jogo.

A direção, em condução desportiva, é um pouco inerte e parca em comunicação com o condutor. A frente vai para onde se aponta, mas sem o “feedback” que um condutor entusiasta aprecia.

Se, em modo Sport, a intervenção do ESP é frequente, já em Track fica mais liberal, deixando o carro escorregar um pouco mais e entrando de forma menos intrusiva.

Não é fácil provocar o Model 3 ao ponto de começar a subvirar na entrada em curva, o bom guiamento da suspensão dianteira e a intervenção da vectorização de binário tratam bem disso.

Boa tração

A partir do momento em que se volta ao pedal da direita, para tirar o carro da curva, a tração às quatro rodas – que não tem nenhuma ligação física entre as rodas da frente e as traseiras – começa por colocar a traseira numa ligeira deriva, apenas o suficiente para “arredondar” a curva e apontar a frente para a próxima reta.

Neste ponto, o modo Track é bem melhor do que o modo Sport, iniciando a deriva de forma mais progressiva e controlada.

A questão é sempre o peso. Quando a deriva de traseira termina e o Model 3 volta a “assentar” isso acontece de maneira um pouco desajeitada, com a suspensão a revelar alguma dificuldade em gerir o momento de transição de maneira mais refinada.

Na verdade, insistindo numa condução desportiva, o Model 3 mostra falta de fluidez nas transferências de massa, como se, subitamente, o amortecimento tivesse diminuído.

Falta mais “feedback”

Não há uma interligação tão apurada entre o carro e o condutor como num BMW potente, e aqui já nem estou a falar de um M4.

A resistência dos travões e dos pneus Michelin Pilot Sport 4S, a boa tração em todos os momentos e o rigor da suspensão dianteira são os pontos mais positivos. Neste tipo de condução, o computador de bordo marcou um consumo de 80 kWh/100 km.

Vamos a contas

No final deste curto (mas intenso) teste, a autonomia era de 204 km e a bateria ainda tinha 41%. Ou seja, no total do teste percorri 126 km e gastei 57% da capacidade da bateria.

O que é equivalente a dizer que gastei 42,75 kWh,resultando numa média de 33,9 kWh/100 km. Mas admito que a utilização foi muito atípica, sobretudo nos quilómetros percorridos em estrada de montanha.

Considerando o consumo que registei em cidade (22,5 kWh/100 km) mais representativo de uma utilização normal, a autonomia total teórica seria de 333 km. Será possível fazer mais, mas só baixando a velocidade média em cidade, que no meu caso foi de 30 km/h e ser mais eficiente na utilização da regeneração.

Conclusão

Como em todos os carros, há aspetos que gosto mais do que outros. No Model 3, gostei das performances máximas, mas também da condução a ritmos lentos. Gostei da utilização do monitor central, que só precisa de um pouco de habituação.

Não gostei da qualidade de construção, num carro do segmento Premium, nem do tato do travão. A dinâmica não é a de um desportivo, mas isso só desilude porque a potência máxima disponível gera expetativas muito altas. Para um carro executivo, que não é um desportivo radical como um BMW M4, a dinâmica está adequada.

Depois há a questão do carregamento da bateria. Para quem tem meios de carregar um carro elétrico em casa, durante a noite, ou no emprego, durante o dia, tem o problema resolvido. Para os outros, o melhor é esperar por carregadores mais rápidos.

Potência: 480 cv
Preço: 69 700 €
Veredicto: 3,5 (0 a 5)

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