08/03/19. Nunca como este ano faltaram tantas marcas no Salão de Genebra. Grandes construtores como a Hyundai, Ford, Opel, Volvo, Jaguar, Land Rover, mas também a Alpine, DS, Infiniti e Mini decidiram não ir aquele que era considerado o salão “obrigatório” na Europa.

As marcas que foram, esforçaram-se por mostrar novos modelos, tanto em forma de veículos prontos a entrar em produção, como em concept-cars ou simplesmente anúncios de futuros modelos. Foi o caso da McLaren, que mostrou um vídeo de um carro camuflado a ser conduzido, não revelando mais detalhes a não ser que se trata de um novo GT, que vai lançar até ao final deste ano.
A Ferrari também anunciou que o futuro vai passar por um novo motor V6 biturbo híbrido, para substituir a novidade que foi apresentada, o F8 Tributo, uma evolução do anterior 488 GTB. A Aston Martin fez a sua entrada no mundo dos supercarros de motor central, mostrando uma versão muito próxima do final do novo Vanquish de motor central, para concorrer com o F8 Tributo, além de mostrar o AM-RB003, um hipercarro que faz a ponte entre o Vanquish e o Valkyrie.

O príncipe dos salões

Supercarros, e hipercarros foi coisa que não faltou em Genebra, com a Bugatti a mostrar o Voiture Noire, uma versão do Chiron levada ao limite estético, inspirada no clássico Type 57 Atlantic. É exemplar único e foi anunciado como o carro novo mais caro de sempre, tendo já sido vendido por 11 milhões de euros, mais impostos.
Os carroçadores tradicionais estavam presentes com novas criações, numa tradição do salão de Genebra, que muitas vezes não tem continuidade para a produção. Mas também surgiram novas marcas, a maioria de origens menos convencionais e quase todas viradas para a eletrificação. Híbidos não faltaram, por exemplo na BMW, que apresentou evoluções das variantes “plug-in” para os seus principais modelos.

Os “espaços verdes”

Mas claro que os grandes fabricantes também apresentaram novidades mais acessíveis, como o novo Renault Clio e o novo Peugeot 208, rivais diretos no salão e no mercado.
O diretor do salão, disse que não estava preocupado com as dez marcas que não quiseram vir, dizendo que, em vez delas, estavam lá todas as marcas de luxo. Uma afirmação curiosa, mas que talvez se explique pelo facto de ele se reformar este ano.
A verdade é que, depois de ter passado dois dias a percorrer os pavilhões da Palexpo, não foi difícil dar pela falta de alguns dos maiores construtores. Os espaços que ocupavam nos anos anteriores estavam agora preenchidos com cafés improvisados, tipo “espaços verdes” para os visitantes repousarem; ou por fornecedores de componentes, que nunca tiveram direito a áreas tão generosas. Para não ficarem com espaços vazios, os organizadores atribuíram stands maiores a algumas marcas e lá estava uma exposição de clássicos da Abarth, a comemorar os setenta anos da marca. Muito interessante, por sinal, mas fora de contexto.

Uma debandada?

Qual a razão para esta debandada das marcas. Aquelas com que falei disseram o mesmo: que o investimento de estar presente num salão internacional já não compensa. Mesmo poupando nos stands, nos espetáculos de cor e luz e mesmo nas conferências de imprensa, é sempre preciso pagar a fatura do aluguer do espaço e a montagem de um stand minimamente digno, pois está em causa a imagem da marca.
Há vinte anos que faço ininterruptamente a reportagem do salão de Genebra, e antes disso já lá tinha ido em trabalho umas quantas vezes. E o contraste com o que se via em 1999 e em 2019, é gritante.

Acabaram os stands palacianos com gadgets de toda a ordem, acabaram os espetáculos ao longo do dia e (quase) desapareceram as belezas femininas…

Acabaram os stands palacianos com gadgets de toda a ordem, acabaram os espetáculos ao longo do dia e (quase) desapareceram as belezas femininas a ornamentar os novos modelos. Hoje tudo é muito mais racional e prático, o que tem muitas vantagens para quem lá vai trabalhar. Mas é um sinal da redução de despesa das marcas.

Quanto custa?

Mas afinal estamos a falar de quanto dinheiro? Nenhum responsável das maiores marcas avança um valor preciso, talvez por pudor. Ainda assim, as minhas fontes dizem-me que as marcas maiores e com presença mais forte, com mais espaço e stands mais completos, podem gastar cerca de 2,5 milhões de euros, ou mais.
Mas também há marcas que continuam a ter uma boa presença com orçamentos muito mais reduzidos, da ordem dos 800 000 euros, sem que por isso se note muito a diferença. Como em tudo, quanto mais pequeno o stand, menos dinheiro se gasta.

Mas continuam a ir…

Invertendo a questão, perguntei a algumas marcas por que razão continuam a ir aos salões internacionais e ao de Genebra em particular. As repostas não foram muito conclusivas, devo dizer. Há quem diga que vale sempre a pena, por haver muita exposição mediática do evento e muito público no local, apesar de ser difícil medir com rigor que retorno tem o investimento. Outras marcas estão presentes para evitar o falatório. Se as suas principais rivais estão lá, então elas também têm que ir. Outra explicação interessante, mas longe de justificar um tal investimento diz que é um momento em que se juntam muitos responsáveis das marcas e é uma oportunidade para contactos formais e informais muito proveitosos.

Mais público

Se, entre as marcas, são mais as que colocam a hipótese de abandonar o salão do que aquelas que mostram interesse em voltar, nos números de público a situação é a oposta.
Este ano foi o primeiro em que o dia de imprensa do Salão de Genebra me pareceu ter menos gente do que o habitual. Talvez porque a filtragem dos pedidos de acreditação tenha sido mais eficiente, ou simplesmente porque os jornalistas também começam a fazer contas e a ver que a sua deslocação a Genebra pode não ser rentável. Com os preços dos quartos de hotel a disparar durante os dias do salão, não é de admirar que o façam.

Nos dias abertos ao público, os stands enchem-se com muito mais carros, praticamente as gamas completas de cada marca.

Mas, quanto ao público, nada disso se passa. No dia reservado à imprensa, o número dos carros expostos é reduzido às novidades, para facilitar o trabalho de todos, sobretudo dos fotógrafos e operadores de imagem. Mas nos dias abertos ao público, os stands enchem-se com muito mais carros, praticamente as gamas completas de cada marca. De uma montra de novidades, o salão transforma-se numa feira de vendas, ou pelo menos é isso que as marcas tentam fazer, levando os seus melhores vendedores para o local, substituindo os responsáveis pelas relações com a imprensa.

Ao vivo e a cores

E os números mostram que, apesar da Internet, do Facebook e do Instagram, ver um carro novo ao vivo, continua a ter a sua magia. Ir ao salão para ver modelos que ainda não estão à venda, modelos que talvez se esteja a pensar comprar e depois passar um bom bocado a admirar alguns dos mais extraordinários hipercarros que existem no mundo, tudo debaixo do mesmo teto, continua a ser um programa do agrado de muita gente.

Na verdade, do agrado de cada vez mais gente, pois os números de visitantes dos maiores salões internacionais do automóvel tem vindo a crescer, e não a diminuir.

Conclusão

Estamos perante o principio do fim dos salões, então? Provavelmente sim, dos salões como os conhecemos nos últimos 100 anos. Provavelmente, mais marcas vão cortar esta linha das suas despesas anuais. Provavelmente, os salões vão passar a ser mais regionais. Quero com isto dizer que será mais provável ver as marcas francesas presentes no salão de Paris, ou mais provável ver as marcas alemãs no salão de Frankfurt, falando da Europa.
Quanto ao salão de Genebra, duvido que volte a ter a importância que teve no passado e a importância que se pensava poder continuar a ter, por se realizar em território neutro.
Francisco Mota

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