27/09/2018. Escrevo a poucos dias da abertura de mais um salão de Paris, ou como os seus organizadores lhe chamam há vários anos, o “Mondial de l’automobile”, uma pompa que se mostra cada vez mais deslocada, nos tempos que correm. Se, há poucos anos, seria impensável uma marca faltar a um dos três salões mais importantes da Europa (Genebra, Frankfurt e Paris) hoje isso é moeda corrente. Entre as marcas que declararam só marcar presença num único salão, por ano e por região (EUA, Europa e Ásia), as que anunciam só ir aos salões quando têm novidades e as que pura e simplesmente dizem que não compensa o investimento, há agora as que dizem não querer ir a salões organizados em solo “inimigo”, por acharem que não têm um tratamento igual às marcas da casa. É a “guerra” entre as marcas alemãs e francesas, entre o salão de Paris e o de Frankfurt, apesar de serem organizados em anos alternados.

Melhor é fazer publicidade

Os milhões gastos para ter uma presença considerada digna num destes três salões foi-me uma vez comparada ao custo de uma campanha publicitária de alcance mundial. Com a agravante de que, estar num salão não é hoje garantia de retorno, por várias razões. Desde logo pela localização na planta do recinto, mas sobretudo pela cobertura mediática. Com tantos carros em exposição e numa era em que “fica bem” falar de energias alternativas, ou bem que uma marca tem um “concept-car” espetacular de um veículo elétrico, para captar as atenções das câmaras das televisões ou pode muito bem ser esquecida em favor de um inventor de um país sem tradição automóvel, a prometer o automóvel que anda a ar – não estou a brincar, já aconteceu: um carrinho tipo “buggy” de golfe, movido a ar comprimido, foi mostrado há uns anos em Genebra.

Press days são dias de cão

O problema é que, mesmo depois de gastos mais uns milhões no tal “concept-car”, se o da marca do lado cai no goto dos jornalistas, por uma qualquer razão substancial, como a cor ou o tamanho das rodas, a indiferença pode ser o único retorno. E lá se vai mais uma fatura.
E não é por falta de visitantes que os salões estão a caminho de uma morte lenta. Os primeiros dias sempre foram dedicados aos jornalistas, para poderem fazer o seu trabalho com menos confusão e serem os primeiros a publicitar o evento, atraindo mais visitantes, nos dias seguintes. Mas, de há vários anos para cá que os chamados dias de imprensa se tornaram nos dias dos VIP, nos dias dos engenheiros-espiões, nos dias dos funcionários das marcas, enfim, nos dias de tudo e mais alguma coisa. Já cheguei a ver crianças a serem empurradas no seu carrinho enquanto dormiam e pequenos cães de companhia pela trela, nestes dias que se tornaram em verdadeiros dias de cão, para quem quer ir trabalhar e não ver as montras.

Nenhuma marca quer correr o risco de perder o seu “slot” de atenção dos jornalistas, antes que abra o salão e comece a roleta russa do retorno mediático.

Correndo o risco de me estar a lamuriar das minhas condições de trabalho, peço a paciência do leitor para mais umas linhas sobre este tema. Há muito tempo que as novidades, as verdadeiras novidades mostradas em primeira mão num salão, se contam pelos dedos de uma mão e sobram sempre dedos. À medida que vão sentindo a pressão da concorrência, as marcas acabam por escolher o dia e o minuto até ao qual se atrevem a reter a divulgação das primeiras fotos e das primeiras informações das novidades que têm previstas para o próximo salão. Nenhuma quer correr o risco de perder o seu “slot” de atenção dos jornalistas, antes que abra o salão e comece a roleta russa do retorno mediático.

As entrevistas em série

Para nós, os jornalistas, restam-nos os contactos humanos, aproveitar ao máximo a presença de alguns dos mais influentes líderes da indústria para recolher as suas declarações e tentar “sacar” mais alguma coisa em conversas informais com as fontes que realmente sabem o que queremos saber e estão dispostas a falar. São poucas. Claro que há o circuito das entrevistas individuais ou coletivas, uma espécie de castigo a que são submetidos alguns dos responsáveis de algumas marcas, fechados em cubículos a “despachar” entrevistadores a quem é dado um período de quinze minutos para disparar as suas perguntas em contra-relógio. O resultado é que os entrevistados acabam por responder às mesmas coisas, vezes sem conta, cada vez com menos convicção.

Conclusão

Um quadrado pintado no chão, uns carros estacionados em ângulos invulgares, uns enfeites para dar cor e umas meninas com um sorriso postiço. Eram assim os salões há mais de cem anos. Pensando bem, nada mudou realmente…