Enquanto a Tesla anunciou uma mega-fábrica para construir os seus elétricos, a Porsche integrou o Taycan na história de Zuffenhausen. Visita à fábrica do anti-Tesla.

 

Grande parte do fenómeno Tesla assenta na comunicação imaginativa e no carisma do seu líder.

A ideia da mega-fábrica é um instrumento para um tipo de comunicação que mantém a marca continuamente nas bocas do mundo, ou melhor dizendo, nos “posts” das redes sociais.

As dimensões, a localização e o acesso restrito fizeram da primeira mega-fábrica da Tesla uma instalação com uma certa áurea de sítio “sagrado” para os seguidores da marca.

Mesmo se, quando foi inaugurada, apenas uma pequena percentagem estava de facto construída e pronta a funcionar.

A maneira Porsche de fazer as coisas

Quando a Porsche decidiu entrar no segmento das super-berlinas de luxo elétricas, disputando compradores diretamente com o Tesla Model S, a sua maneira de operar foi completamente diferente, como seria de esperar.

Depois de apresentado o “concept-car” Mission E, no salão de Frankfurt de 2015, a primeira dúvida era saber onde seria fabricada a versão de série, o Taycan.

A disponibilidade de espaço e a facilidade de construção de uma nova unidade fabril em Leipzig, onde a companhia já está instalada, foi a primeira escolha e aquela que o conselho de administração do grupo VW, detentor da Porsche, preferiu. Era sem dúvida a opção mais rápida e mais barata.

Mas os homens da Porsche não concordaram. Do lado da administração e do marketing, havia a vontade de posicionar o Taycan como um “verdadeiro” Porsche, por isso, ser fabricado junto do 911 e do 718, dava legitimidade a essa estratégia.

Trabalhadores contribuíram

Do lado dos trabalhadores de Zuffenhausen, a prioridade era manter os postos de trabalho e, se possível, até aumentar o número de trabalhadores da marca na região.

Por isso tiveram a iniciativa de se prontificar a emprestar 0,25% dos seus aumentos programados para os próximos anos, garantindo assim 25% dos custos das novas instalações.

O poder político local viu aqui uma boa onda, que decidiu surfar, dando os apoios públicos possíveis e amplificando a propagação da ideia de fazer um Porsche de emissões zero, numa fábrica sustentável. No final, a decisão acabou por ser fácil de tomar.

Mas não foi assim tão fácil de implementar. Para quem nunca foi a Zuffenhausen, é preciso dizer que se trata de uma zona fortemente urbanizada, com um misto de habitação e indústria.

Tudo começou em 1950

Claro que, quando a Porsche aí se decidiu instalar, a área era sobretudo industrial. O primeiro 356 com carroçaria em aço saiu da famosa “Plant 1” a 6 de Abril de 1950, depois de os primeiros 52 exemplares, em alumínio, terem sido feitos quase à mão em Gmünd, Aústria, nos dois anos anteriores.

Em meados dos anos cinquenta, de Zuffenhausen saíam onze 356 por dia, fabricados por 500 trabalhadores. Nos primeiros seis meses de 2019, a fábrica atingiu o seu recorde, produzindo 250 unidades diárias dos desportivos 911 e 718, somados.

A fábrica sempre foi composta por vários edifícios, nem todos propriamente uns ao lado dos outros.

Com o início da produção do 911, em 1963, alguns pavilhões foram aumentados, outros construídos de raiz. A verdade é que o parque industrial nunca parou de crescer, de se transformar e adaptar às novas necessidades. Tal como aconteceu agora, com a chegada do Taycan.

A minha visita à fábrica

A minha visita à fábrica do Taycan foi na verdade um conjunto de visitas a alguns dos edifícios onde são cumpridas as várias etapas da construção do primeiro elétrico da Porsche.

O primeiro edifico é o chamado “body shop”, onde os vários painéis do monobloco e da carroçaria são juntos por robóts, usando vários métodos de ligação, da soldadura, à rebitagem ou mesmo a colagem.

O edifico foi estreado pelo novo 911 da geração 992, mas foi aumentado com mais 42 000 m2 de área, para acomodar a produção do Taycan. Daqui, a estrutura, completa com a carroçaria, vai para a segunda fase, a pintura.

A nova nave de pintura tem 26 000 m2 e começa pelo tratamento anti-corrosão, com o mergulho das carroçarias a que se segue a entrada nas cabines de pintura.

Após secagem, as carroçarias estão prontas para entrar num túnel aéreo que as vai levar para o extremo oposto da área da fábrica.

Túnel aéreo

Este túnel mede 900 metros e atravessa várias ruas, permitindo assim às carroçarias chegar ao edifíco da montagem final sem preocupações com as condições meteorológicas exteriores e evitando causar congestionamento no tráfego das ruas.

Talvez uma das partes mais curiosas seja o pavilhão de montagem dos motores elétricos, que foi partilhar as mesmas instalações com a montagem dos motores V8, usados em algumas motorizações híbridas.

Não deixa de ser curioso ver a convivência entre os dois mundos, o térmico e o elétrico.

A montagem dos motores elétricos de íman permanente é feita com componentes fornecidos pela Magnetti-Marelli e obriga a uma enorme precisão, tanto das máquinas-ferramentas como dos operários especializados nesta área, que receberam formação específica.

Aos motores elétricos são anexadas as transmissões que depois são enviadas pelo mesmo túnel aéreo para o edifício da montagem final. Ainda neste local, está localizado um armazém, com gestão informatizada.

Montagem final: o maior investimento

O quinto elemento desta sequência de construção é o pavilhão da montagem final.
Esta foi a maior obra realizada no perímetro industrial, obrigando a escavar o solo até uma profundidade de 25 metros, para conseguir construir todos os pisos necessários, sem transgredir na altura exterior do prédio, limitada nesta região pelo poder local.

No total, tem 62 000 m2, distribuídos por quatro pisos que albergam a produção, logística, testes de qualidade e espaço para os trabalhadores.

Aqui, a estrutura pintada do Taycan é equipada com todos os componentes necessários, desde a arquitetura elétrica, todo o habitáculo e todos os componentes da carroçaria.

Até este momento, o processo de fabricação é em tudo idêntico a qualquer outro carro com motor térmico. A plataforma do Taycan segue uma filosofia relativamente convencional, neste ponto.

O “casamento”…

A grande diferença vem a seguir, quando a bateria (com células da LG Chem) motor, suspensões e transmissões são acopladas por baixo da estrutura.

Os técnicos chamam-lhe o “casamento” e é a fase da construção do Taycan mais emblemática, aquela que faz dele um elétrico a 100%.

Neste edifício, tal como no de montagem dos motores e da estrutura, não existe uma linha de montagem convencional, com “rails” fixos ao solo, o que simplificou a construção dos edifícios.

Em vez disso são usados transportadores autónomos elétricos, que movem cada Taycan de um posto para o próximo, tudo com controlo informático.

O triunfo dos AGV

São os chamados AGV (Automated Guided Vehicle) que permitem implementar o conceito “flexiline”.

Não existindo uma linha de montagem fixa, significa que, em teoria, poderia ser fabricado qualquer carro com os AGV, que só precisam de um chão plano para se movimentarem. São mais flexíveis e 30% mais baratos.

Enquanto numa linha de produção convencional, são precisas duas semanas para fazer as alterações necessárias à mudança de fabricação de um modelo para outro, com os AGV bastam dois dias para mudar essa configuração.

É curioso ver a maneira como os AGV se movimentam todos à mesma velocidade, sem parar, “obrigando” os trabalhadores a fazer a sua função com o “comboio” em movimento, como acontece numa linha convencional. Tudo a bem da eficiência.

Dois turnos, para começar

A produção do Taycan está a arrancar com dois turnos diários e uma capacidade de 20 000 unidades por ano, mas com a adição de um terceiro turno, será fácil chegar aos 30 000, que é o volume de encomendas já existentes.

Ou seja, neste momento a produção do primeiro ano e meio, já está vendida.

Mas é bom pensar que demorou quatro anos a chegar a este ponto. Pelo caminho foram investidos 700 milhões de euros, de um programa de investimento em mobilidade elétrica que ascende aos seis mil milhões de euros, até 2022.

E ainda foram contratados mais 1500 operários, como a comissão de trabalhadores queria.

Tudo isto com a preocupação fundamental de uma fabricação com emissões zero de dióxido de carbono, naquilo a que a Porsche chama a produção 4.0, sustentada em três vetores: “smart, lean, green.”

Quer isto dizer, mais flexível, uso responsável dos recursos e sustentável. Um exemplo interessante: todo o material oriundo das demolições que tiveram de ser feitas, foi reciclado no local e usado na construção dos novos edifícios.

Conclusão

A Porsche entra no mundo dos carros 100% elétricos com um projeto de produção assente em realidades conhecidas e devidamente sustentado. O objetivo, como sempre, é ganhar dinheiro a partir da primeira unidade Taycan vendida, mantendo assim a sua invejável posição no ranking das marcas de automóveis mais rentáveis.

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