A capital da Noruega, Oslo, é apontada como o paraíso dos automóveis elétricos, mas o crescimento das vendas foi tão rápido que se está a transformar num inferno.
Fartos de tanta poluição de origem automóvel no centro de Oslo, as autoridades norueguesas decidiram, no início do século, seguir uma política de incentivo à compra de carros elétricos. Apostaram desde logo na instalação de postos públicos de recarga, incluindo a construção do maior parque de carregadores rápidos do mundo, com 28 postos, disponíveis para os automóveis elétricos recarregarem as suas baterias “à borla.” Depois, abriram os cordões à bolsa, no que aos incentivos fiscais diz respeito. Quem comprasse um carro elétrico passava a não pagar IVA, nem nenhuma taxa de propriedade ou de circulação associada ao uso do automóvel. Além disso, também não pagava estacionamento nos parquímetros da cidade, nem portagens nos vários túneis. Até as travessias em “ferryboat” passaram a ser de borla e, para terminar, as faixas “BUS” puderam passar a ser usadas também pelos veículos elétricos.

Realidade superou expetativas

A ideia era manter estes incentivos em prática até se chegar a um parque rolante de 50 000 veículos elétricos no país, ou até ao final de 2017, aquilo que ocorresse primeiro.
Mas o resultado superou largamente as expetativas e o que aconteceu foi uma explosão nas vendas, com a barreira dos 50 000 a ser ultrapassada ainda em 2015. Mesmo assim, o governo decidiu manter os incentivos por mais dois anos e hoje quase 40% do total do mercado automóvel na Noruega é composto por automóveis elétricos ou híbridos “plug-in.”

Os quase 40% de elétricos vendidos na Noruega em 2016, são uma parcela incrivelmente alta, quando comparada com os 0,2% a nível mundial

As emissões locais de poluentes diminuíram e o país começou a ser apontado por muito defensores do automóvel elétrico como um exemplo a seguir: o paraíso dos automóveis elétricos na europa, dizem alguns interessados. Em termos de parque rolante, somando elétricos e híbridos “plug-in”, de passageiros e comerciais, apenas a China lhe fica à frente, com 600 000 automóveis, empatando em segundo lugar com a Holanda, nos 500 000 e superando os EUA, que ficam ligeiramente abaixo desse número. Claro que, num país de apenas 5,2 milhões de habitantes, estes valores são circunstanciais. A China tem como objetivo chegar aos cinco milhões de veículos eletrificados já em 2020 e ninguém duvida que o consiga. Mas, ainda assim, os quase 40% de carros elétricos vendidos na Noruega em 2016, são uma parcela incrivelmente alta, quando comparada com os 0,2% que se registam no mercado automóvel mundial. Para completar o cenário ideal, os dados oficiais das autoridades norueguesas dizem que 98% da energia elétrica consumida no país vem de fontes renováveis, neste caso de centrais hidroelétricas. Tudo perfeito, portanto.

Quem paga a conta?

Só que ninguém estava à espera do que aconteceu depois. As vendas dos automóveis elétricos foram, em grande parte, para ocupar o lugar de segundo carro da família. Os consumidores não fizeram uma substituição sistemática de modelos com motor a combustão por modelos elétricos. Em muitos casos, acrescentaram mais um automóvel à sua frota pessoal. Mas o pior ainda estava para vir. Com a desregulamentação da circulação dos veículos, Oslo passou a ter as faixas “BUS” cheias de carros elétricos e os transportes públicos, tradicionalmente muito eficientes nos países nórdicos, sofreram com isso. Depois veio a questão do estacionamento que, ao deixar de ser pago pelos automóveis elétricos, passou a monopolizar os lugares disponíveis, que rapidamente se provou não serem suficientes para todos, nascendo o fenómeno do parqueamento desordenado, mais comum nos países do sul da europa. Até as empresas que exploram os “ferryboats” se começaram a queixar de que, com tantos automóveis elétricos a usar os seus serviços sem pagar, não conseguiam rentabilizar o negócio. Isto para não falar das reclamações de quem decidia continuar a comprar um carro com motor de combustão, mais barato, mas que se mantém obrigado a pagar mais 50% de impostos do que os compradores dos elétricos, independentemente de estes serem dos mais caros ou dos mais baratos.

Marcha-atrás

O governo percebeu o erro de ter dado demasiados incentivos de uma só vez e decidiu recuar, anunciando, para 2018, um plano de retorno progressivo das taxas de circulação e de cobrança de IVA para os carros elétricos, que em 2020 poderão voltar a pagar tanto quanto os carros com motor de combustão. Quanto à cobrança de estacionamentos, portagens, ferryboats e túneis, vão ficar à descrição das entidades que prestam esses serviços, nomeadamente as autoridades autárquicas. E, claro, a recarga das baterias dos automóveis elétricos em postos públicos, também vai passar a ser paga.
Um especialista da área dos automóveis elétricos, que trabalhou em duas marcas alemães disse-me que “são precisos três coisas para os automóveis elétricos serem um sucesso: infraestrutura, incentivos fiscais e condutores com poder de compra.” A Noruega tinha tudo isto e o sucesso foi maior do que alguém poderia imaginar, ao ponto de se tornar negativo.

Conclusão

Mas a suprema ironia desta história é que a riqueza da Noruega vem, em grande parte, dos poços de petróleo e de gaz natural que o país tem na sua zona económica do Mar do Norte e que são responsáveis por uma subida de 80% nas emissões poluentes do país desde 1990. Aliás, o país é um de apenas dois na europa, que continua a ver subir o seu volume global de emissões, devido à indústria do petróleo. É a exportação destes recursos que permite ao estado dar-se ao luxo de oferecer incentivos aos compradores de carros elétricos e ter como objetivo, para 2025, que o mercado de automóveis novos seja apenas de carros elétricos, banindo a venda de carros com motor de combustão. De uma forma irónica, pode dizer-se que acaba por ser o petróleo a “alimentar” o sucesso dos automóveis elétricos na Noruega.