Os puristas e saudosistas do último Supra estão em fúria contra o acordo que a Toyota fez com a BMW, para a partilha de plataforma e motores entre o Z4 e o GR Supra. Mas será que têm razão para tanto?…

 

As sinergias têm destas coisas, o Toyota GR Supra partilha plataforma, motor e caixa com o novo BMW Z4, a maneira encontrada pela Toyota para manter a tradição do motor dianteiro de seis cilindros em linha e a tração atrás, sem gastar uma fortuna. “Ou era assim, ou não fazíamos o Supra” é como a Toyota responde às críticas dos puristas.

Do 911 para o 718

O último Toyota Supra saiu de catálogo em 2002, depois de se ter batido com rivais como o Skyline GT-R ou o Porsche 911 Turbo. Tinha o código interno A80 e foi um super-desportivo que marcou a Toyota, deixando atrás de si uma legião de fãs, alguns deles capazes de lhe transformar o motor de seis cilindros em linha, turbocomprimido até atingir potências inacreditáveis.

Mas o novo GR Supra, com código A90, tem um posicionamento diferente: os rivais são agora o BMW M2 e o Porsche 718 Cayman S.

Toyota e BMW

Como é sabido, o Supra nasce de uma colaboração com a BMW, partilhando plataforma, motores e caixas com o novo Z4.

O projeto começou com reuniões entre as duas marcas onde foram definidas as características base, que para a Toyota eram: um motor turbo de seis cilindros em linha, tração atrás e as dimensões certas.

Tudo isso foi encontrado numa nova variante da plataforma CLAR da BMW, feita em aço e alumínio e já conhecida dos Série 3, 5, 7 e todos os X, do X3 para cima. O motor também é conhecido, o mesmo 3.0 de seis cilindros em linha, com turbo “twin scroll” que equipa as versões M40i de vários modelos da BMW.

A potência é de 340 cv e a aceleração 0-100 km/h faz-se em 4,3 segundos. Está acoplado à caixa ZF automática de oito relações, uma manual poderá aparecer mais tarde, se houver procura. A BMW já fez essa combinação motor/caixa…

Feito na Áustria

O projeto industrial passa pela construção de ambos os carros na fábrica da Magna Steyr em Graz, na Áustria, mas ninguém quer falar de volumes de produção, talvez porque realmente não saibam como vai reagir o mercado a dois novos modelos, que não são SUV.

Como se vê, a maioria do “hardware” foi concebido pela BMW, para a Toyota ficou escolher afinações e calibrações específicas relativas à suspensão, transmissão e motor. Isto, decorre do fato óbvio de o Supra ser um coupé e o Z4, um descapotável. Não está prevista uma versão cabrio do Supra, se o leitor tinha essa dúvida…

Ficou também do lado dos japoneses a definição do estilo, o mais diferenciado possível do Z4, pois a marca não queria voltar a ter dois carros iguais, como o GT86 e o Subaru BRZ. E isso foi muito bem conseguido. Vistos por fora, ninguém diria que partilham tanta coisa.

Por dentro, a conversa já não é a mesma. No habitáculo do Supra há muitos botões conhecidos da BMW, o mais emblemático é o iDrive do excelente sistema de infotainment.

Supra de volta a Jarama

Este teste da versão final do GR Supra, foi feito no circuito de Jarama e num percurso de estrada nas redondezas, o mesmo local que a marca já tinha usado para o primeiro teste com os protótipos camuflados, em que estive presente em Setembro.

A pista foi escolhida porque tem um traçado à moda antiga, com subidas e descidas, curvas cegas e outras de raio variável, que colocam desafios a qualquer carro.

A primeira impressão confirma a ideia das fotos, de que o Supra é um carro pequeno e compacto, não é maior que o GT86.

Os engenheiros dizem que convenceram a BMW a definir a “relação dourada”: largura de vias/distância entre-eixos, que se situa abaixo dos 1,6 e é muito diferente do antigo Z4. E também um centro de gravidade baixo, essencial para ter uma dinâmica desportiva.

A posição recuada do conjunto motor/caixa dá uma distribuição de pesos de 50% por eixo, uma das tradições dos BMW, que contribui para o mesmo objetivo tal como a elevada rigidez estrutural, que está acima da que tinha o LFA, feito em fibra de carbono.

O “segredo” está nos detalhes

Como não podia deixar de ser, entre duas empresas que levam a engenharia muito a sério, há um conjunto de detalhes que merecem atenção.

Por exemplo, o autoblocante ativo usa discos, controlados por um atuador elétrico, que lhe permite ser rápido no bloqueio de 0 a 100%, leve e pequeno. Os cubos das rodas têm uma geometria para aumentar o camber das rodas da frente, as molas são de duplo efeito, os batentes são variáveis e a barra estabilizadora da frente tem uma geometria que contraria a subviragem a alta velocidade.

Todos os Supra que vão ser vendidos na Europa estão equipados com amortecedores adaptativos, comandados através de dois modos de condução: Normal/Sport.

As diferenças, na resposta do acelerador, da caixa de velocidades e da assistência de direção que acontecem entre o Normal e o Sport, são sensíveis. Depois, o controlo de estabilidade tem três modos: On/Track/Off, o Track adota uma atuação mais liberal.

Os travões são fornecidos pela Brembo, com maxilas de quatro êmbolos e os pneus são Michelin Super Sport, específicos para o Supra.
O peso total fica nos 1495 kg e o centro de gravidade está mais baixo que no GT86, o que é notável, tendo em conta que este tem um motor de cilindros opostos, mais baixo.

Pouco trabalho em comum

Curiosamente, ou talvez não, parece não ter havido muito trabalho em comum entre os engenheiros alemães e japoneses, depois de estabelecidos os pontos de partida essenciais.

Do lado da Toyota, o trabalho de desenvolver o GR Supra foi entregue à Gazoo Racing, um departamento responsável não só pela competição, mas também por modelos especiais, com o provou já com o Yaris GRMN. O Supra também vai para as pistas, isso é certo, estando quase pronta uma versão GT4.

Teste em estrada

A linha descendente do capót retira a impressão de uma frente que nunca mais acaba. Ao volante, a sensação é a de estar mais no meio do carro do que acontecia no anterior Z4 e a visibilidade é boa.

A ergonomia tem paralelos com a do GT86, sobretudo na posição quase vertical do volante e na reduzida altura do banco ao solo, que fornece bons apoios laterais e para as pernas, com boa amplitude de regulações. O volante tem as patilhas da caixa bem destacadas e uma pega excelente.

O resto dos comandos está bem posicionado, com o monitor central saliente no meio do tablier. O espaço é relativamente contido, tal como os porta-objetos e há duas bossas no tejadilho, para maximizar a altura.

Motor em marcha e o som BMW é mais do que familiar. A Toyota gostaria de ter um ruído mais expressivo, mas isso não foi possível devido às emissões, apesar de toda a calibração que foi feita.

De qualquer forma, este seis cilindros sempre foi elogiado pela sua suavidade e pelo “cantar” discreto, mas grave e poderoso. E isso não desapareceu, com a ajuda de um sintetizador.

O teste começou pelo percurso em estrada e com o modo Normal selecionado, para ver como a suspensão lida com pisos irregulares.

Claro que não é uma limousine, mas processa muito bem o asfalto partido e as juntas de dilatação, sem passar pancadas ao habitáculo. As molas de duplo efeito fazem aqui o seu trabalho. A caixa automática adota uma gestão para longa distância e o Supra transforma-se num confortável GT para viajar. Aliás alguns dos testes da equipa de desenvolvimento passaram exatamente por esse tipo de utilização.

Mais GT que radical

Mas quando tudo parecia calmo e tranquilo, eis que o percurso entra por estradas de montanha estreitas e sinuosas, que “obrigaram” a passar ao modo Normal, a colocar a caixa em Manual e o controlo de estabilidade em Off.

O Supra encaixa todos os exageros, quer de velocidade excessiva na entrada em curva, quer de reaceleração precoce. Há sempre uma sensação de controlo e o motor, aqui usado mais vezes nos regimes intermédios, está particularmente à vontade.

Não há atraso na resposta, nem falta de linearidade. As dimensões compactas do Supra também ajudam à diversão nos encadeados mais fechados e ladeados por rails. Talvez a caixa pudesse ser um pouco mais rápida a aceitar algumas reduções, a maioria das quais pedidas mais por entusiasmo do condutor do que por real necessidade, diga-se.

Mesmo em modo Sport, a suspensão, acelerador e direção estão longe de ficar demasiado nervosas. Este Supra é desportivo, mas não é radical. Se não for provocada, a traseira mantém-se estável, com o autoblocante a colocar todo o binário no solo. Mas se o condutor quiser, pode acelerar mais cedo e bruscamente para “atravessar” o GR Supra num “slide” de curta duração e fácil controlo.

A frente dificilmente subvira, mas compensa “carregar” o eixo dianteiro na primeira metade da curva, para rodar o carro mais suavemente.
Críticas nesta condução um pouco no limite?… Bem, a direção podia ter um pouco mais de tato e os travões também. E a suspensão, mesmo no modo mais firme, é sempre branda, deixando a carroçaria oscilar mais do que gostaria.

As voltas em Jarama

Depois foi a vez de fazer dois turnos de voltas ao circuito de Jarama, com o modo Sport selecionado e caixa em manual. O arranque da linha das boxes deixa logo perceber como este motor continua fabuloso.

A entrega a baixos regimes é excelente, os regimes intermédios estão cheios de binário e depois brilha até cortar às 7000 rpm, ainda com notável fôlego. Nem parece um motor turbo.

A caixa de oito é rápida o suficiente e oferece muitas opções, acabando por não ser preciso baixar de terceira em Jarama, mesmo no gancho a subir, no miolo do traçado.

A direção não é demasiado nervosa mas também não obriga a movimentos amplos dos braços e a assistência está no ponto certo. Aqui, a falta de tato da direção não se nota.

A frente reage bem a entradas em curva mais violentas, não subvirando com facilidade. A inclinação lateral é aceitável e na reaceleração, o autoblocante coloca toda a potência no chão, sem hesitações. É claro que o ESP entrou algumas vezes porque, numa compreensível medida de auto-preservação, os engenheiros da Toyota pediram para não o desligar. Mas isso não impediu de tirar outras conclusões.

Em curvas rápidas, o Supra deixa-se atirar com muita aceleração lateral, começando num leve escorregamento alternado da frente e da traseira, consoante a pressão no acelerador. Tudo muito benigno e previsível, mas não extraordinariamente preciso.

À medida que o ritmo aumentava, crescia a confiança nas capacidade da suspensão e dos pneus em suportar mais carga lateral, com o esforço bem repartido pelos quatro pneus.

Até se exagerar francamente e constatar o óbvio, que o Supra não é um desportivo radical. A maior crítica vai para o tato dos travões, sobretudo no final da reta da meta, onde se ultrapassavam os 220 km/h. O ataque inicial dos discos não perfurados podia ser mais convincente… e resistente.

Conclusão

Não se pode negar que o GR Supra “sabe” muito a BMW, mas isso está longe de ser uma crítica. A dinâmica está bem afinada para um compromisso entre facilidade de condução e eficiência. O posicionamento face ao 718 Cayman S acaba assim por colocar o GR Supra mais como um GT, de utilização menos radical e mais versátil, mas com um preço semelhante de 81 000 euros. Agora resta esperar pela versão GR MN com 410 cv, que poderá então acalmar a fúria dos puristas da Toyota.

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