Desde 1963 que a Porsche repete a receita vezes sem conta, mas isso parece não incomodar quem sonha com um 911. Será que desta vez, com a geração 992, a Porsche foi longe demais? Fui ao circuito de Hockenheim para descobrir… mas ainda sem autorização para o guiar.

Geralmente, os desenhos nostálgicos são um beco sem saída. Faz-se o primeiro modelo moderno inspirado num clássico e agrada, depois a segunda geração já não sai tão bem e quando se chega à terceira, o interesse do mercado desapareceu. Aconteceu com o New Beetle, que deixou discretamente de ser produzido, por falta de interessados. Se não fosse a diversificação da gama, poderia estar a acontecer o mesmo com o Mini e não sei o que a Renault vai inventar, quando precisar de lançar a segunda geração do novo Alpine A110.

As vias 45 mm mais largas à frente e atrás são a maior diferença, a distância entre-eixo nem mudou

Mas nada disso aconteceu com o Porsche 911, apesar de manter a mesma aparência há 55 anos. Sucessivas gerações de estilistas foram dando a sua interpretação do original 901, mas nenhum teve a ousadia (ou a autorização…) de romper com o passado. Evolução é o máximo que podem fazer, como ficou mais uma vez provado nesta geração 992.
As vias 45 mm mais largas à frente e atrás são a maior diferença, a distância entre-eixo nem mudou e o resto são detalhes: nova grelha sobre o motor, vincos na tampa da mala a imitar a entrada de ar para o habitáculo dos primeiros 911 e rodas de 21” atrás, as da frente são de 20”.

Mais há muito mais…

Claro que não é só por causa do estilo que muitos continuam a olhar para o 911 com reverência. Os engenheiros da marca não são do tipo de ficar parados a ver a banda passar, e a administração tem tanta margem no negócio que não custa abrir os cordões à bolsa.
Sempre que há uma mudança de geração, as reações dos “observadores” são sempre as mesmas: elegante mas conservador, por fora; muitas evoluções técnicas, por dentro.
Para mostrar isso mesmo, a Porsche organizou um “workshop” no circuito de Hockenheim e na fábrica de Estugarda. Olhando para o 992, talvez não pareça, mas os oradores precisaram de uma tarde e uma manhã para dizer (quase) tudo aquilo que mudou no 992.
Tenho a sorte de ter acompanhado profissionalmente os lançamentos das várias gerações do 911, desde o 964 (como o tempo passa…) e em todas tive à minha frente técnicos que falam de técnica e que respondem a perguntas sem chutar a bola para canto. Desta vez não foi diferente e fiquei a saber muito mais do que vem escrito na comunicado de imprensa.

Andar ao lado, por agora

Hockenheim, porquê?… Para já, não foi para guiar o 992, isso ficará para outro evento, mais tarde. Os mestre do marketing da Porsche sabem como fazer render o peixe…
Por agora, tive que me contentar com uma boleia de um piloto de testes da Porsche, em duas voltas ao circuito e outras duas a uma gincana de cones, montada no paddock. Não é fácil tirar conclusões da dinâmica, sem ter o volante nas mãos, sobretudo numa tarde fria e chuvosa que obrigou a tomar todas as cautelas.

A única coisa que ficou realmente clara foi o funcionamento do novo modo de condução Wet, que usa novos sensores acústicos junto das rodas da frente

Mesmo assim, o meu “motorista” ainda fez uns “drifts” que pareceram relativamente fáceis de controlar. A única coisa que ficou realmente clara foi o funcionamento do novo modo de condução Wet, que usa novos sensores acústicos junto das rodas da frente para detetar piso molhado. Avisa o condutor, que assim pode escolher o modo Wet no botão rotativo do volante, que mete toda a eletrónica a trabalhar em nome da segurança e da progressividade: controlo de estabilidade e tracão, asa traseira erguida e aletas aerodinâmicas dianteiras abertas. Sobre asfalto propositadamente encharcado, torna a condução muito fácil, mesmo num 911 Carrera S de tração atrás.

De volta ao workshop

Mas vamos lá ao “workshop”, que estava dividido em áreas, algumas mais interessantes do que outras. Pela minha parte, dispensava a meia hora de menus e submenus do novo sistema de infotainment com um monitor tátil de 10,9” que agora tem o dobro da definição e permite configurar a home page. Reconheço a sua utilidade, mas no final, o técnico acabaria por admitir a realidade: que o mais importante para os compradores é o Apple Carplay, que “espelha” os seus iPhones no monitor.
O 992 tem um cartão SIM de dados que o mantém sempre conectado com a internet, recebendo atualizações como um smartphone. Há várias Apps específicas. Uma função interessante é o Radio Plus, que passa da receção terrestre de uma estação FM, para a sua difusão online, desde que a estação a tenha. Isto sem que o condutor perceba a mudança. Ou pode escolher qualquer estação do mundo que tenha transmissão online. Rádio Comercial na China? Sem problema.
O controlo por voz foi simplificado, tal como a inserção de destinos na navegação e passou a existir uma função que transmite e recebe informação sobre acidentes e obras nas estradas, entre carros que tenham este sistema, chamado Risk Radar.

Motor melhorado

Muito menos soporífero foi a “aula” sobre as alterações ao motor 9A2 Evo, que subiu aos 450 cv e aos 530 Nm, nas versões de lançamento que vão ser a Carrera S e Carrera 4S. O 3.0 biturbo passou a fazer os 0-100 km/h em 3,7 segundos (menos 0,4 segundos que o modelo anterior) e tirou cinco segundos na volta ao Nürburgring.
Para conseguir isso, recebeu novos turbos que fazem 1,2 bar de pressão e que passaram a ser simétricos, com turbina e compressor maiores (3 e 4 mm, respetivamente) e dotados de “wastegate” elétrica, com um “by-pass” para aquecer o catalizador mais depressa. Claro que o motor recebeu um filtro de partículas e também novos injetores piezo, capazes de oito injeções por ciclo.

O intercooler está agora ao centro, sobre o motor e é 14% maior, subindo muito em eficácia

O mais interessante é a abertura diferenciada das duas válvulas de admissão em cada cilindro. A baixos regimes e baixa carga, uma válvula abre 2,0 mm e a outra abre 4,5 mm. Em regimes e cargas mais altas, ambas abrem 10 mm. Tudo isto para otimizar a combustão a todos os regimes. A taxa de compressão subiu 0,5% e contribui para reduzir o consumo, anunciado em 8,9 l/10 km em ciclo misto. O intercooler está agora ao centro, sobre o motor e é 14% maior, subindo muito em eficácia. Os apoios do motor estão colocados mais à frente, são mais curtos e mais rígidos. O escape tem borboletas para modular o som consoante o modo de condução e a velocidade.
Espero que esteja a acompanhar, porque ainda estamos longe do fim…

911 com nova caixa PDK de oito

Acoplada ao motor está a caixa de velocidades PDK de dupla embraiagem e quatro veios que passa a ter oito relações, as sete primeiras são mais curtas, a última é mais longa. A velocidade máxima de 308 km/h atinge-se em sexta velocidade. A caixa é a mesma do Panamera, reduziu os atritos internos, as dimensões exteriores e está preparada para receber um módulo híbrido. Já lá vamos, ao híbrido.
As passagens são mais rápidas, graças a sincronizadores triplos nas quatro primeiras relações e a uma redução de 37% nos atritos internos. Há novas patilhas no volante e as mudanças são totalmente “by-wire”, nem é preciso colocar em P, quando se para o carro, basta desligar. Mas a alavanca passou a ser um feio interruptor. Há uma função preditiva que usa informação do GPS para manter uma mudança, ou passar logo à seguinte, consoante a estrada vai subir, descer ou curvar. Em opção há uma renovada caixa manual de sete velocidades. Surpresa: nos EUA, 75% dos 911 são vendidos com esta caixa manual.

Como ganhar 0,2 segundos

Outra opção é o Sport Chrono Package, que inclui o botão rotativo no volante, para mudar os modos de condução – inclui o modo PSM Sport e o Sport Response (durante 20 segundos coloca o carro em modo PSM Sport) – apoios de motor dinâmicos, o carismático cronómetro no topo do tablier e ainda uma App para usar em circuito. Além disso, tem uma calibração diferente do acelerador e com o Launch Control tira 0,2 segundos aos 0-100 km/h, baixando para os 3,5 segundos, no Carrera S.
Nas versões de quatro rodas motrizes, tanto o diferencial dianteiro como a embraiagem multidiscos central passam a ter arrefecimento por líquido a acrescentar ao arrefecimento a ar e os discos da embraiagem central foram reforçados, para passar mais binário para a frente, mais depressa.

Melhorar conforto e dinâmica

A suspensão manteve a mesma geometria, MacPherson, à frente e multibraço, atrás. Além das jantes de maior diâmetro atrás, os pneus também são bem mais largos que os da frente. Os amortecedores Bilstein adaptativos têm agora variação contínua, mais rápida e mais precisa, com maior diferenciação entre o modo mais confortável e o mais desportivo. São 15% mais firmes, à frente e mais 14%, atrás. Considerando a suspensão desportiva, 10 mm mais baixa, estes valores sobem para 18% e 23%. Continua a opção pelas barras estabilizadoras ativas.
Na travagem, os discos traseiros aumentaram de 330 para 350 mm, o servofreio foi trocado por um motor elétrico e até o pedal de travão passou a ser feito num plástico reforçado com fibra, sendo 300g mais leve e mais rígido, para dar melhor tato ao condutor. Continua a haver travões de carbo-cerâmica em opção.
Mas ainda há mais detalhes para relatar… continue concentrado.

Direção às quatro rodas

A direção é 11% mais direta, nas versões de direção só à frente e 6%, nas que têm direção também atrás. Há uma direção mais leve, em opção. A direção às rodas traseiras roda-as na direção opostas às da frente, a baixas velocidades e na mesma direção, a alta velocidade e
tem uma resposta 4% mais rápida. Há um sistema para levantar a suspensão da frente em 40 mm, para entrar em rampas sem bater com o carro no chão.
A bateria do carro é de iões de Litio, dura 2,5 vezes mais tempo e pesa metade de uma bateria convencional.

A nova plataforma do 911 usa mais de 70% de alumínio

A nova plataforma passou de 63% em aço para menos de 30%, o mesmo é dizer que usa mais de 70% de alumínio, incluindo todos os painéis exteriores, à exceção dos para-choques. O aço de alta resistência é usado para a célula de segurança à volta do habitáculo, por exemplo os pilares do tejadilho. A rigidez torcional e à flexão subiu 5%.

A aerodinâmica do 911

A aerodinâmica dava para escrever um livro, foi também muito melhorada, desde logo com uma asa traseira móvel, 45% maior. Além da posição recolhida, até aos 90 km/h e da totalmente erguida, acima dos 150 km/h, há agora uma posição intermédia, selecionada no modo de condução Eco. No modo Sport, a asa assume o maior ângulo logo aos 90 km/h e também adota esse ângulo numa travagem de emergência, funcionamento como travão aerodinâmico. O mesmo acontece em situações de altas temperaturas do intercooler, com a asa a levantar para arrefecer o ar de admissão. E também quando se levar o teto de abrir aberto, para compensar a diferente turbulência atrás.

Também aletas na frente

A aerodinâmica passou a incluir aletas dianteiras com inclinação variável e contínua (antes era em três posições fixas) nas aberturas laterais do para-choques da frente. As aletas abrem em função da velocidade, temperatura e carga. Entre os 70 e os 150 km/h estão fechadas, a partir dos 150 km/h começam a abrir e ficam totalmente abertas aos 170 km/h. Se o teto de abrir estiver aberto, as aletas estão totalmente abertas, tal como no modo Sport e Sport Plus. Tudo isto para contrariar o “lift”no eixo da frente.
E agora vem a parte menos interessante, aquela a que só se dá valor quando as coisas acontecem: as ajudas à condução.

Eletrónica a ajudar

São muitas e algumas trazem inovações, a começar pelos faróis de Matriz de LED, com 84 elementos que acendem e apagam individualmente de acordo com informação proveniente de uma câmara, do estado do veículo e do GPS. O seu controlo inteligente reduz o reflexo nos sinais de trânsito, aumenta a iluminação da faixa em frente, tem luzes de curva dinâmicas, assistente de máximos, iluminação de autoestrada e de nevoeiro.
Depois há o aviso de colisão com travagem autónoma, cruise control adaptativo com “stop & go” e modo roda-livre. Em caso de travagem de emergência, os vidros e teto de abrir são automaticamente fechados e os pré-tensores dos cintos são atuados.

O sistema de visão noturna tem um alcance de 300 metros, detetando peões, ciclistas e animais através de uma câmara térmica

A função de manutenção de faixa está ativa entre os 65 e os 250 km/h e está combinada com o reconhecimento de sinais e com o sensor do modo Wet, indicando limites de velocidade para tempo de chuva. Uma função adicional é a de auxílio de mudança de faixa, que usa um radar para detetar a distância e a velocidade do trânsito na faixa para a qual se quer mudar, avisando o condutor para não fazer a manobra, se a considerar perigosa. Tem um alcance de 70 metros e funciona entre os 15 e 250 km/h.
O sistema de visão noturna tem um alcance de 300 metros, detetando peões, ciclistas e animais através de uma câmara térmica.

E o 911 híbrido?

Mas vamos lá ao híbrido. Esperava-se que, com a estreia desta nova plataforma, preparada para ser hibridizada, tal como a caixa de velocidades e o motor, um 911 híbrido surgisse já. Mas não deverá chegar à gama antes de 2020. Não por qualquer questão de desenvolvimento, pois a tecnologia será em parte partilhada com o Panamera e Cayenne, mas porque a Porsche acha que os clientes talvez ainda não estejam preparados para mais uma revolução no clássico 911. Que fiquem descansados os mais fundamentalistas, o 911 híbrido terá a performance como prioridade, garantem fontes oficiais da Porsche.

Conclusão

Quem o vir por fora, vai dizer que a nova geração do 911 tem uns farolins traseiros novos. Mas as mudanças são realmente muitas, algumas de pormenor, outras mais substanciais. Os 30 cv a mais são apenas um sinal do que foi feito ao nível do motor. Se tudo isto vale os 146 550 euros do Carrera S, é uma discussão que nem existe, entre os potenciais compradores. No ano em que comemora os seus 70 anos, a Porsche continua a mostrar como domina esta ciência única de fazer um desportivo a partir de um motor boxer colocado bem lá na traseira. Algo que muito dizem ser um erro.