25/01/2019 Estamos a dois anos da maior revolução na indústria automóvel. É de esperar tudo: carros que vão acabar, fábricas que vão fechar e empregos que vão desaparecer. Tudo por culpa das novas normas de emissões de CO2. Mas será mesmo assim?…

Os construtores de automóveis não são nenhuns “santinhos”. Como qualquer outra indústria, o seu objetivo é “fazer” dinheiro, não é fazer um produto que traga a felicidade planetária. “Mas fazemos produtos de acordo com as normas estabelecidas pelos políticos” disse-me há pouco tempo um “insider”, para justificar esta “guerra” entre os políticos europeus e as marcas.
Há alguns anos que a Política percebeu que tinha de resolver a questão da poluição nas cidades, causada pelos meios de transporte, privados e públicos. Nem sequer se trata da questão da poluição do planeta, esse assunto fica para as grandes cimeiras globais sobre ambiente, cujas diretivas nem todos seguem.

Onde está a poluição?

Nas cidades, sobretudo na europeias, o problema é a poluição localizada “e o próprio número de carros que entram das urbes europeias, que já não são capazes de receber mais carros” dizia a minha fonte. Tem que se tirar os carros poluentes das cidades, é uma questão de saúde pública e dos custos que isso acarreta aos Estados.

Apanhados de surpresa?

Disto se fala há muitos anos, mas só quando a Política começou a ditar normas anti-poluição realmente exigentes é que os construtores decidiram começar a fazer alguma coisa. Só quando foram “apertados” é que começaram a anunciar carros semi-híbridos, híbridos recarregáveis e elétricos, a torto e a direito. Todos os grandes grupos estão a trabalhar neste tipo de automóveis, pois é a única maneira que se conhece de conseguir cumprir as futuras normas. Mas a última coisa que podem dizer é que foram apanhados de surpresa.

Mas de que normas estamos a falar?

Daqui a apenas dois anos, ou seja em 2021, todos os grupos de marcas a vender na Europa vão ser obrigadas a ter uma gama que, em média, não emita mais do que 95 g/km de CO2. Para não haver batota, vai ser obrigatório que cada grupo cumpra uma percentagem de vendas de veículos eletrificados, estimada em 30%. Isto para que as contas não sejam feitas como no passado, em que bastava ter carros eletrificados à venda, na lista de preços, mesmo se depois não se vendiam.

E que multas vão as marcas pagar?

Quem não cumprir esta meta dos 95 g/km de CO2, leva uma multa de 95 euros (é o sentido de humor dos legisladores europeus…) por cada grama a mais, multiplicado pelo volume total das vendas. Quanto mais vender, mais multa vai ter de pagar. Alguns observadores já estimaram em 10% dos lucros anuais. A minha fonte diz—me que “se um grupo levar uma multa num ano, vai abanar. Se levar uma segunda multa, no ano seguinte, vai cair.”

Mas estamos muito longe?

Só para dar uma ideia, em 2017, na Europa, a média de emissões de CO2 de todos os automóveis vendidos foi de 118,5 g/km de CO2. Ou seja, em dois anos tem que haver uma redução de 20% na média de emissões de todos os carros vendidos na Europa. O problema é que, de 2016 para 2017, esse valor de emissões de CO2 subiu, em vez de descer e o mesmo deverá acontecer quando forem conhecidos os números de 2018.

Porque está o CO2 a subir?

Por dois motivos, fundamentais. Em primeiro lugar, o caso da falsificação das emissões nos motores Diesel do grupo VW, que ficou conhecido como Dieselgate, veio trazer desconfiança dos compradores sobre este tipo de motores. A Política “cavalgou” este escândalo, exacerbando as suas implicações, para conseguir uma mudança de mentalidades mais rápida. Mas o tiro saiu pela culatra. Os mercados europeus arrefeceram o entusiasmo pelos motores Diesel e as vendas caíram mais depressa do que o esperado. O mercado de usados começou a valorizar menos os Diesel, os compradores a preferir os motores a gasolina… e o C02 subiu. É que, nos motores Diesel modernos, o consumo é menor e as emissões de CO2, diretamente relacionadas com o consumo, são entre 15 a 20% inferiores aos motores a gasolina. E já nem há a questão dos NOx, pois os melhores Diesel estão na mesma ordem de grandeza dos motores a gasolina.
O segundo motivo é a crescente venda de SUV. Têm pior aerodinâmica e maior peso, por isso consomem mais e emitem mais CO2.

Mas é só um problema europeu?

Não, mas tornou-se sobretudo num problema europeu depois de os EUA já terem dito que não vão seguir essas normas de 2021, nem a América do Sul e nem sequer a China. A China, talvez porque está a começar do zero em muitas áreas, pode começar a fazer o edifício da mobilidade ecológica a partir das fundações e não da cobertura, como aconteceu na Europa. Ainda assim, a China não assume as mesmas leis anti-CO2 da Comunidade Europeia.

Que carros vão acabar?

É muito provável que os modelos em que seja mais difícil colocar as emissões dentro das metas, sejam descontinuados. Vários grupos já deixaram essa ideia no ar, dizendo que não vão pagar multas, que preferem deixar de produzir os modelos ou versões que emitam demasiado CO2. É uma questão de contas, se os milhões da multa forem superiores ao lucro que determinado modelo/versão consiga dar, o melhor é parar a sua produção. Por isso, é possível que alguns dos carros com plataformas e/ou motores menos recentes ou projetados de uma determinada maneira, acabem. É possível que o seu carro atual deixe de ser produzido, que acabe, o que poderá afetar o seu valor de retoma.
Na verdade, nenhuma marca ainda divulgou os modelos que estão incluídos nesta lista. Mas é muito provável que alguns modelos/versões de grande produção sejam atingidos.

E que consequências terá isto?

Os construtores já se apressaram a dizer que, se tiverem de parar a produção de alguns modelos, então vão ter que fechar linhas de produção ou mesmo fábricas inteiras, atirando milhares de trabalhadores para o desemprego. Mas isto é o que os construtores dizem, sempre que se deparam com um problema sério no seu percurso. Ameaçar a Política com mais encargos sociais é um clássico para obter outro tipo de “apoios”. Até porque, alguns dos seus dirigentes máximos já vieram dizer que os carros vão ficar demasiado caros, para cumprir as normas e que os consumidores não os vão poder comprar.

O que vai acontecer?

Não tenho uma bola de cristal para conseguir saber o que vai acontecer daqui a dois anos, nem acredito que alguém tenha. Vários cenários são possíveis. Se a Política se mantiver intransigente com as metas anunciadas, julgo que os construtores se vão adaptar, como sempre o fizeram, perdendo algum dinheiro no curto prazo. Se o grupo de pressão dos construtores – tradicionalmente mal liderado pela associação europeia ACEA – conseguir o milagre da reversão da meta dos 95 g/100 km em 2021, então o mais certo é que a questão seja adiada e venhamos a ter a mesma discussão daqui a uns anos.

Conclusão

Em 1998, a Citroën convidou-me para testar um protótipo chamado Xsara Dynalto. Tratava-se de um Xsara normalíssimo, com a única diferença que tinha um alternador de grandes dimensões, no lugar do volante-motor. Ou seja, tratava-se daquilo a que hoje se chama um “mild-hybrid”. Guiei o carro e tudo parecia mais que pronto para entrar em produção, tendo mesmo sido anunciado que dois anos depois estaria à venda. Nunca aconteceu. Nem com a Citroën, que guardou o Dynalto no seu conservatório, nem com qualquer outra marca, de forma continuada. Hoje, a tecnologia poderia estar muito mais desenvolvida e ser muito mais barata. Mas, há vinte anos, não daria dinheiro suficiente. O tempo que se perdeu…
Francisco Mota

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