O regresso da Fórmula 1 a Portugal ainda estava longe, mas a disputa do vencedor do rali de Portugal, ao segundo, era algo muito raro na modalidade, sobretudo ao fim de 600 km de classificativas, disputadas debaixo de chuva, no meio da poeira, de dia, de noite e até com vestígios de neve à beira da estrada. “GP de Portugal” foi a manchete escolhida pela AutoHebdo para o seu número 111, onde publicava uma reportagem completa do nosso rali, o melhor do mundo. Foi em Abril de 1978 e os protagonista eram dois pilotos e duas marcas com enorme rivalidade: Hannu Mikkola, no Ford Escort RS 1.8 e Markku Alen, no Fiat 131 Abarth. Tudo se decidiu na noite de Sintra, onde os dois chegaram a estar a apenas um segundo de distância.

Em Sintra com o meu pai

Não era a primeira vez que o meu pai me levava a ver o rali de Portugal e a noite de Sintra, apesar de eu só ter onze anos e de a minha mãe não achar muita graça à ideia. Mas os tempos eram outros, o meu entusiasmo era difícil de contrariar e o meu pai nem se esforçava por isso. Não me lembro de tudo. Lembro-me que fomos no nosso 131 Mirafiori 1300, que o meu pai estacionou na estrada do Rio da Mula e que nos fartámos de andar a pé até à curva que ele e os seus amigos tinham decidido ser a melhor para ver o espetáculo. O miúdo que se aguentasse… E aguentava, pois claro! Lembro-me dos faróis incrivelmente potentes dos carros de rali que faziam parecer ser dia, no meio da escuridão absoluta da noite da serra de Sintra. Depois, o ruído do motor de quatro cilindros a gritar violentamente contra as rochas e a deixar-me os ouvidos a zunir e logo a seguir uma imagem congelada do verde e vermelho da Alitália no 131 Abarth, provocada pelos flashes das máquinas fotográficas, que depois já não eram precisos para ver as luzes vermelhas e os escapes incandescentes a desaparecerem estrada acima. Era Markku Alen, o meu herói e de muitos, muitos portugueses.

Um ambiente único

Lembro-me das fogueiras que se faziam para afastar o frio e da manta que levámos, para nos proteger dos rigores de uma primavera que tardava em chegar. Lembro-me de ver passar os restantes concorrentes, os Ford, os Opel, os Toyota, cada um com o seu som diferente e cada um, um pouco mais lento que o anterior. E depois os melhores portugueses, Carlos Torres e o seu Escort a ganhar o Grupo 1 e muitos mais concorrentes, um dos quais perdeu o controlo do seu Toyota e foi bater de frente numa enorme rocha por onde eu e o meu pai tínhamos passado para ocupar o nosso lugar, lá mais acima. Foi só poeira e um susto, mais para mim do que para os entusiastas que já estavam habituados a isto e que gritaram de entusiasmo.

Ninguém sabia quem iria ganhar, a Fiat ou a Ford? Alen ou Mikkola?

Lembro-me de toda a gente estar de ouvido colado ao rádio de mão, a ouvir o relato dos resultados das classificativas: Lagoa Azul, Peninha, Sintra, disputadas por quatro vezes consecutivas durante a noite. O Autosport contaria depois a história toda resumida aqui . Ninguém sabia quem iria ganhar, a Fiat ou a Ford? Alen ou Mikkola?

Ao segundo

À entrada para a última classificativa, o Escort RS ia na frente com quatro segundos de vantagem, mas uma curva mais cortada furou um pneu e entortou uma jante do Ford, e Alen ganhou. Alen ganhou!!!… Gritavam os “maluquinhos” da Fiat no meio da serra, como se tivesse sido golo da sua equipa. A Fiat venceu com o 131 Abarth Alitália e no Natal o meu pai não se esqueceu de me pôr uma miniatura da Burago no sapatinho, igualzinho ao do Alen. (foto: Edições Vintage)