O troféu Ford Transit foi alvo da piada fácil em 2010. Para tirar as dúvidas, fiz a primeira prova, em Vila Real, e o cepticismo deu lugar à incredulidade.

 

Nada me podia ter preparado para uma corrida ao volante de uma Ford Transit e logo em Vila Real. Em retrospetiva, só posso dizer que foi uma das corridas mais “loucas” em que alguma vez participei. As emoções da corrida escrevi-as em Julho de 2010, no Autohoje, no texto que se segue.

As corridas (também) são isto

“Incrível! Depois de procurar no dicionário, não encontrei outra maneira de descrever a experiência que foi participar na primeira corrida (no mundo!…) em que o único modelo admitido é a Ford Transit 2.2 TDCI.

No papel, este original troféu monomarca tinha alguns dos ingredientes de um belo fiasco: furgões com motor diesel, preparação sumária e uma mistura entre pilotos estreantes e experientes.

Para tornar as coisas ainda mais “interessantes”, a primeira corrida foi em Vila Real. Em alguns pontos deste traçado citadino, mal cabe uma Transit, quanto mais oito!

Conduzir lá no alto

O primeiro contacto com este “carro de corrida” é desconcertante: em vez de descer para o banco de competição, tem que se subir. A coluna de direcção foi baixada, mas o volante continua um pouco “à camião.”

Olhando em redor, está lá tudo o que é preciso numa pista: cintos de cinco apoios adaptados ao sistema HANS, extintor, corta-circuitos e um gigantesco arco de protecção.

Dá-se à chave e o quatro cilindros Diesel faz o “glá-glá-glá” de uma qualquer Transit de trabalho. A alavanca da caixa está em posição alta, na consola, o que facilita, e os pedais estão bem colocados.

Vai capotar?…

O dia começou com os treinos livres. Nunca tinha andado no circuito de Vila Real, a não ser na véspera, no meio do trânsito. Tinha por isso duas coisas com que me preocupar: aprender a pista e aprender a guiar a Transit.

Para quem não passa o dia-a-dia a guiar um furgão, a posição de condução alta baralha os “sensores” do cérebro: é difícil acreditar que a Transit não vai capotar na próxima curva. Mas logo na primeira recta se percebe que a suspensão é mesmo de corrida, tem molas Eibach e amortecedores Bilstein.

A Transit transmite aquela necessidade de agarrar bem o volante, típica de carros de competição com muito camber à frente. Passada a curva, fica a sensação de que afinal podia ter entrado mais depressa.

Mas na chegada a uma zona de travagem forte, o pedal de travão vai quase ao fundo e tenho que usar a escapatória. Sigo para a “box” e prometem-me substituir “tudo” nos travões, antes da qualificação.

Acredita, acredita!…

Dito e feito: tenho discos, pastilhas e líquido de travões novos e algumas noções do traçado.

Uma volta tem 4,6 Km, a primeira metade sobe e a segunda desce, pela temível “descida de Mateus”, que tem uma chicane artificial quase no final.

Pelo meio ficam quatro rotundas, que se transformam em outras tantas chicanes, umas mais apertadas que outras mas todas intimidatórias: trava-se forte a olhar de frente para os pneus que protegem a rotunda, não há escapatória!

Motor Diesel… não tem que enganar

A electrónica do motor foi “mexida” e fez a potência do 2.2 TDCI subir de 140 para 180cv, com 450 Nm de binário. Mas, como se trata de um Diesel, a faixa de utilização óptima fica entre as 2000 e as 3800 rpm, não vale a pena puxar mais pelo motor.

Resultado, as curvas são todas de terceira para cima, mesmo as chicanes. Aliás, a primeira chicane é feita em quarta velocidade! O motor tem força, não lhe custa pegar na Transit e levá-la pela subida acima, ao som do silvo do turbo.

A tracção não é problema, a não ser que se exagere. O mais complicado é mesmo a travagem: sempre são 1600 Kg que as pastilhas Brembo têm que aguentar. É preciso acreditar…

Afinal era assim…

Consigo não ficar em último na qualificação. A partida lançada é como guiar com os olhos vendados: com uma Transit ao lado e outra à frente, não vejo sequer para que lado vai a pista.

Basicamente, vou atrás da Transit à minha frente, até que o pelotão se alonga e começo a ver alguma coisa. Tento aprender com os mais experientes e percebo que algumas das curvas que fazia em quarta, afinal são em quinta.

A descida de Mateus e o retrovisor

Na temível descida de Mateus, a esquerda longa e cega é para se fazer em sexta… a fundo! A tal Transit da frente falha uma passagem de caixa à saída de uma rotunda e ultrapasso-a. Claro que me entusiasmo!…

Na volta seguinte, queimo a travagem para a chicane artificial, vou em frente junto ao rail, parto o retrovisor da direita e, pior, lá perco o lugar. Não esmoreço.

A posição de condução alta é excelente para calcular ao milímetro as razias aos rails, que me deixam a pensar: “é desta!” Mas a Transit parece que se “encolhe.”

A ganhar confiança

Ganho confiança e começo finalmente a atirar a Transit para dentro das curvas como se fosse um carro com metade do tamanho e dois terços do peso, ouço os Pirelli P Zero (os mesmo usados pelos WRC em asfalto) a escorregar às quatro rodas.

É incrível como a subviragem está controlada e a traseira nunca fica leve demais. Mas exagero numa travagem tardia, bato de frente nas protecções dos rails e deixo lá um bocado do pára-choques: marcha-atrás e… siga! Não se estragou mais nada.

Levo a bandeira de xadrez a pensar que agora é que estava pronto para começar a corrida.

Conclusão

Se fosse em Inglaterra, onde tudo serve para fazer corridas, um troféu Ford Transit seria quase normal. Por cá, ainda há quem olhe de lado. Sem razão.

Depois de ter participado na primeira corrida, no circuito de Vila Real, só posso dizer que não me divertia tanto numa pista há algum tempo. Agora só falta que cheguem mais concorrentes, para aumentar o pelotão e… a emoção.”

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