4/1/2019. Quando a Audi lançou o primeiro A8, em 1994, muitos pensaram que a era do Alumínio tinha chegado. Vinte e cinco anos depois, essa revolução fracassou. Saiba porquê.

Tudo começou com o A8

O lançamento do primeiro A8 foi um acontecimento devidamente explorado pela Audi. O impacte daí resultante chegou a criar a ideia de que seria uma questão de poucos anos até esta liga substituir por completo o aço na fabricação de todos os automóveis. Apesar de a marca alemã ter voltado a utilizar o alumínio noutros segmentos mais baratos, como por exemplo no mini-monovolume A2 – um carro que hoje vai a caminho do estatuto de clássico, mas que só deu dores de cabeça à Audi – o facto é que razões de custos de produção ainda impedem a sua generalização.

A Ford pick-up F-150, que se vende nos EUA, talvez seja o exemplo mais impressionante da aplicação de Alumínio em automóveis de produção em massa

No entanto, a utilização do Alumínio em modelos de menor volume, como berlinas topo de gama e desportivos dispendiosos, tem-se revelado cada vez mais comum, pois aqui as questões de custos não se colocam de forma tão intensa. O novo Alpine A110 é disso um exemplo, bem como todos os Lotus e Aston Martin. A Range Rover também emprega uma plataforma em alumínio, bem como a Ford, para a pick-up F-150 que vende nos EUA, talvez o exemplo mais impressionante da aplicação de Alumínio em automóveis de produção em massa, mas um projeto que alguns observadores dizem não estar a ter os resultados financeiros previstos pela Ford.

Quais são os benefícios do alumínio?

Para duas peças rigorosamente iguais, ou seja, com o mesmo volume, a que for feita de alumínio tem apenas um terço do peso daquela feita em aço. No entanto o alumínio (ou melhor, a liga de alumínio que contém silício e magnésio) é menos rígido, pelo que, para desempenharem as mesmas funções, a peça de alumínio tem que ser mais volumosa. Feitos os cálculos, conclui-se que, para duas peças terem as mesmas funções, a peça de alumínio é ainda assim 40% mais leve que a peça de aço.

Contas bem feitas

No entanto, apenas estamos a falar da estrutura do automóvel, que representa 30% do peso total. No final, a vantagem em peso total entre um carro completo, com estrutura em alumínio e outro em aço é de cerca de 12%. Uma margem mesmo assim muito interessante de ser aproveitada, para reduzir os consumos, aumentar as prestações ou reduzir as dimensões dos motores. Mas muitas vezes acaba por ser “desperdiçada” com a inclusão de mais equipamento.

Problemas de produção

O principal problema da utilização do alumínio na estrutura de um automóvel tem a ver com os processos de ligação das várias peças. A soldadura convencional por pontos é muito difícil de aplicar: com pouca potência eléctrica nas máquinas de soldar, o alumínio não liga porque dissipa o calor depressa demais; com demasiada potência, é fácil perfurar as peças a soldar. A soldadura por cordão é mais eficaz, mas lenta para uma linha de produção em massa. A melhor solução é a rebitagem, que pode ser feita por robôs, quase com a mesma rapidez que a soldadura por pontos. Esta é uma tecnologia usada há muitos anos na aviação, mas nos automóveis, por questões de acabamento superficial, os rebites não perfuram a segunda chapa totalmente, ficando antes cravados devido à sua forma ligeiramente em gancho.

Rebites e supercola

Um problema suplementar tem a ver com a fabricação dos rebites. Para serem eficazes têm que ser feitos em aço de alta resistência, mas aqui surge outro entrave: o aço em contacto com o alumínio e na presença de água ou humidade, gera a chamada corrosão galvânica. Para evitar este fenómeno, os rebites são sujeitos a um processo de impermeabilização.

Uma estrutura em alumínio para um carro aproxima-se a um esqueleto ou a uma gaiola

No entanto, há peças que não podem ser rebitadas, devido à natureza da sua construção. Ao contrário de uma estrutura em aço, que é feita quase integralmente de painéis em chapa estampada, uma estrutura em alumínio aproxima-se de um esqueleto ou de uma gaiola. São unidas peças feitas em painéis estampados, mas também peças fundidas em moldes de alta pressão e perfis feitos por extrusão. Um dos maiores progressos dos últimos anos é a utilização extensiva de super-adesivos. Trata-se de colas especiais que são usadas como método de ligação entre algumas peças, ou pelo menos complementando a função dos rebites. Fazem também função de isolamento e promovem a estanquecidade em locais de acesso difícil.

Alumínio duas a três vezes mais caro

A construção integral de um automóvel em alumínio continua a ter o preço como obstáculo, estimando-se que uma peça equivalente em aço possa custar duas a três vezes menos que uma em alumínio. A não ser que estejamos a falar de modelos feitos em quantidades relativamente pequenas, a rentabilidade do Alumínio é muito difícil de alcançar. Em paralelo, a indústria do aço reagiu rapidamente, propondo muitos tipos de aços de alta resistência, que conseguem baixo peso e alta resistência. Hoje existem mais de 200 aços diferentes disponíveis para a indústria automóvel, contra os sete que existiam nos anos cinquenta.

Alumínio em uso parcial

Nos motores, o alumínio já é usado há muitos anos, devido ao menor peso e melhor dissipação de calor; nas jantes e suspensões também é usado para diminuir as massas não suspensas e assim melhorar o comportamento e conforto. Por outro lado, a utilização parcial deste material em algumas peças e painéis é já uma realidade em vários automóveis de maior produção. Uma estratégia comum é usar alumínio em redor da zona do motor, para melhorar a distribuição de pesos. Para dar um exemplo recente, o novo Porsche 911, a geração 992, aumentou a percentagem de alumínio na zona traseira, aquela onde se encontra a maior concentração de massa do carro, o motor de cilindros opostos.

Até o A8 deixou de ser todo em Alumínio

Modelos como o Série 5, Classe E e Jaguar XE empregam o Alumínio para a maioria dos painéis da zona dianteira e do habitáculo, pelo mesmo motivo. O próprio Audi A8 passou a ser feito com uma mistura de vários materiais. A corrosão galvânica é aqui evitada com a deposição de uma película plástica que evita o contato entre o Alumínio e o aço. Ao melhorar a distribuição de massas pelos dois eixos, é possível atingir melhor desempenho dinâmico e conforto.

A moldagem de peças mais complexas é mais difícil com Alumínio, que também tem uma reciclagem mais exigente

Além do peso, o alumínio tem outras vantagens face ao aço. Em contato com o ar, antes de ser pintado, cria uma camada oxidante à superfície que estabiliza rapidamente e impede a penetração da corrosão ao interior. Deste modo, não precisa dos complexos tratamentos anti-corrosão que são essenciais no aço, simplificando a produção em série. Do ponto de vista subjectivo tem também algumas virtudes, por poder ser associado a actividades de elevado conteúdo tecnológico como a aeronáutica ou mesmo a competição automóvel. Mas a moldagem de peças mais complexas é mais difícil com Alumínio, que também tem uma reciclagem mais exigente.

Conclusão

Antes do advento da fibra de carbono, em meados dos anos oitenta, o alumínio era a matéria de eleição para monolugares de F1 e protótipos de resistência. Mas a verdade é que o Alumínio já estava em alguns dos pioneiros dos automóveis, no século XIX.

Sucesso ou fracasso? Para quem esperava que, passados 25 anos do lançamento do primeiro Audi A8, todos os carros já fossem feitos de alumínio, é um fracasso. Mas a indústria do aço reagiu com grande velocidade, propondo alternativas mais competitivas. Contudo, o Alumínio ganha terreno na indústria automóvel, como nunca tinha acontecido, e esta tendência não deve parar. O Alumínio ainda não substituiu o aço, mas está a ganhar-lhe terreno em muitos componentes. Só resta saber se outros materiais não vão ultrapassar o aço e o Alumínio pela direita.

Francisco Mota

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