Ainda hoje muitos se lembram da música da publicidade ao Méhari: “ele é jipe, é camião…”
Mas tinha apenas tração às rodas da frente e dava prioridade à versatilidade. Um conceito que hoje pode ser visto como o “avô” dos pequenos B-SUV.

 

Tenho aqui ao lado do teclado, em que estou a escrever este texto, uma cópia do comunicado de imprensa da Citroën para informar os jornalistas da última novidade da marca: o Dyane 6 Méhari, “um veículo todo-o-terreno – todas as utilizações, do tipo plateau pick-up” escreve o “Service de Presse”. O texto de duas páginas, é totalmente informativo, direto ao assunto, sem floreados nem mensagens nas entrelinhas, quase seco. Perfeito!

Uma versão da Dyane 6

O comunicado é datado de 17 de Maio de 1968 e apresenta o Méhari como uma versão especial do Dyane 6. Apesar do aspeto dos dois carros ser completamente diferente, a marca preferiu manter a ligação aos famosos Dyane e 2CV, talvez para inspirar confiança aos compradores de um carro que era tão diferente de tudo, mas que mantinha a mecânica de algo que todos conheciam bem.

Durante a vida do modelo, a designação seria simplificada para Méhari. Já agora, arrisca o significado da palavra?… Resposta mais adiante.

19 anos no ativo

O Méhari esteve em produção durante 19 anos, em cinco países, incluindo na fábrica de Mangualde, mas nunca em França. Talvez porque, originalmente, não era um conceito da Citroën mas sim dos administradores da empresa SEAB, especializada em moldagem a quente de plástico ABS. Foram os técnicos desta empresa que testaram o primeiro protótipo em 1967. Os resultados convenceram e o Méhari entrou mesmo no catálogo da Citroën.

Partindo da plataforma do Dyane 6, foi montado por cima um esqueleto metálico tubular, que servia de suporte para serem aparafusados os onze painéis de plástico que constituiam a carroçaria.

Para baixar os custos, não havia pintura, a cor era inserida no plástico antes de entrar no molde. Foi o primeiro carro com carroçaria de plástico de uma marca francesa. “Os arranhões na carroçaria não se vão ver e não vai ser preciso ser repintado” explicava o comunicado que acrescentava: “em caso de toque ligeiro, o plástico é flexível e volta ao lugar. Se for um choque mais forte, basta desaparafusar a parte afetada e até poderá bastar reparar a estrutura metálica de suporte, antes de recolocar o painel plástico, ou então substituir o painel exterior.”

Um utilitário puro

A única carroçaria disponível tinha dois bancos dianteiros e mais um pequeno banco corrido traseiro só para uso eventual, uma maneira de o Méhari ser considerado carro de trabalho em que o IVA poderia ser recuperado pelas empresas.

Na verdade, o comunicado de imprensa apresentava o carro como um utilitário puro, “que interessará às administrações públicas, como a polícia, alfândegas, serviços de segurança e de luta contra incêndios nas cidades, bases aéreas, portos, refinarias, explorações agrícolas…” enfim, a lista era longa e bem detalhada.

Só no final acrescentava que também poderia ser uma “viatura de fim-de-semana e de férias ou, sobretudo para os jovens, uma viatura para todo o ano”. Mas a Citroën tinha razão e o exército francês comprou logo uma frota de sete mil unidades. E não foram os únicos.

Equipamento em destaque

Era dado destaque a algumas “mordomias” para um veículo tão básico, como os bancos dianteiros reclináveis, “chauffage” e capota amovível, de lona. De série, nem havia portas, apenas duas correntes nas entradas para os lugares da frente.

Mas existia o “kit Inverno” que incluía duas portas em lona, com janelas em plástico, lonas laterais e traseiras, também com as suas janelas de plástico e pilares centrais desmontáveis, para ancorar todas estas lonas. Claro que o para-brisas se podia rebater para a frente, para cima do capót.

A caixa de carga tinha uma porta ao estilo pick-up, que, quando aberta, permitia aumentar em 28 cm o comprimento disponível numa área total de 1,60 m2.

Parte desse piso, atrás dos bancos da frente, podia levantar-se e ser preso por correias, formando o tal banco “temporário” para dois passageiros, para obedecer à letra da lei. Como se vê, os estratagemas para fugir ao fisco não são novos, nem exclusivos do nosso país.

Outros luxos incluídos eram a pala para-sol para o condutor e o porta-luvas com fechadura. Mas a parte prática tinha sempre a prioridade, como dizia o comunicado “a viatura consegue ser toda lavada, por dentro e por fora, com uma mangueira.”

Mecânica do Dyane 6

A mecânica era a mesma do Dyane 6, ou seja, um motor de dois cilindros horizontais opostos, refrigerado a ar, com 602 cc, debitando 28 cv às 5400 rpm e 43 Nm às 3500 rpm. O comprimento total era de 3,5 metros e, o mais importante de tudo, o peso total ficava pelos 525 kg. A capacidade de carga era de uns impressionantes 400 kg.

E o nome Méhari?…

O nome Méhari, vinha de uma espécie de dromedário criado pelos Touareg, que a Citroën dizia conseguir carregar a mesma carga de 400 kg. O preço, sem opcionais era de 6 996 Francos.

A produção começou em 1968 e o Méhari manteve-se inalterado até 1978, altura em que o desenho da frente foi ligeiramente modificado e os travões aumentaram de diâmetro.

No ano seguinte, apareceu um novo painel de instrumentos e em 1980 é lançada a versão 4×4. Uma frota de dez, faria a assistência médica no Paris-Dakar. Esta versão de quatro rodas motrizes estaria em produção durante apenas três anos, totalizando mais de mil unidades e distingue-se pelo pneu suplente sobre o capót. Hoje é uma pérola para os colecionadores.

Talvez mais conhecidas sejam as séries especiais Azur de 1983, feito em somente 700 exemplares e a Plage, um exclusivo de Espanha e Portugal que seria feito em 500 unidades.

Conclusão

O Méhari, nascido como instrumento de trabalho, acabou por conquistar o seu lugar como ícone de uma geração, ou até de várias, pois esteve em produção até 1987, ultrapassando as 140 mil unidades.

A sua simplicidade e versatilidade eram um convite constante à aventura sobre rodas, dentro ou fora de estrada, sobretudo para as comunidades mais jovens. Nesse aspeto, pode ser considerado como o avô dos atuais B-SUV, os mais pequenos e acessíveis do mercado, que apelam a valores semelhantes, logicamente adaptados aos nosso dias.

Nos anos setenta, era perfeitamente possível encontrar uma praia deserta e levar o Méhari para a aventura de acelerar na areia dura, à beira-mar. A própria publicidade da Citroën mostrava isso mesmo. Hoje a realidade é outra, mas um B-SUV como o C3 Aircross continua a apelar à evasão, tal como o seu “avô” de 1968.