Quem se lembra do Daewoo Matiz? Um micro-monovolume que fez carreira, mas que podia ter sido um Fiat. A ideia surgiu no salão de Turim de 1992 num desafio aos carroçadores. Saiba a história toda.

 

A Fiat queria promover o seu recém lançado Cinquecento e planeou um desafio cujo resultado deveria ser mostrado no salão de Turim de 1992, na altura um certame com alguma importância, sobretudo por mostrar ao público alguns dos mais recentes concept-cars das casas de estilo italianas.

Foram vários os carros de salão apresentados no ano de 1992, uma edição cuja reportagem me foi atribuída, para o jornal semanário “O Volante”, com o qual colaborava na altura.

Outros tempos…

Cabe aqui dizer que o trabalho de um jornalista nesses tempos era bem diferente do que é hoje, numa época em que a Internet e os telemóveis não eram nem uma miragem. As marcas lutavam pela atenção dos jornalistas internacionais presentes, entregando-nos dossiers de imprensa carregados de páginas, de fotos em papel ou de diapositivos.

Era preciso levar um troléi para recolher todos os dossiers de imprensa e, no final, cada um tinha quilos de papel para trazer para a redação, para serem depois lidos e guardados no arquivo do jornal.

Além disso, alguns jornalistas ainda achavam que era boa ideia levar a máquina fotográfica a tiracolo, para trazer umas imagens no local, acrescentando um pouco do ambiente do salão na reportagem.

Era o meu caso, como é claro, o que obrigava a correr para o laboratório com os rolos de negativos para serem revelados, assim que aterrava em Lisboa. Enfim, outros tempos.

Salão de Turim 1992

No salão de Turim de 1992, muito dominado pelas novidades do grupo Fiat, como é óbvio, uma das maiores atrações era o tal desafio que a Fiat tinha lançado às casas de estilo automóvel italianas, ou carroçadores.

A ideia era cada um deles pegar no então novo Cinquecento e, mantendo a plataforma e a mecânica, fazer uma nova variante, passível de ser produzida ou… nem por isso. Cada carroçador puxou pela cabeça e apresentou o resultado do seu trabalho no salão de Turim.

Variações sobre o Cinquecento

E havia de tudo, desde o mais que previsível descapotável, passando pela “pick-up” ou por um veículo realmente estranho, mas que talvez fosse do agrado dos fanáticos da “mobilidade” nos dias que correm: um Cinquecento que só tinha metade do habitáculo, a metade da direita tinha sido substituída por um suporte para levar uma bicicleta.

Claro que também havia os carros do futuro, com formas arredondadas, um dos quais propunha uma espécie de veículo fora-de-estrada, com suspensões mais altas e carroçaria descapotável tipo “buggy” dos anos sessenta.

No meio de tanta imaginação, lá estava a proposta mais racional de todas, um mini-monovolume. É bom não esquecer que no início dos anos noventa, os monovolumes eram um fenómeno equivalente ao dos SUV nos nossos dias, todas as marcas os faziam, em vários segmentos. Por isso, por que não fazer também um com base no Cinquecento?…

Italdesign levou o assunto a sério

O autor do projeto foi a Italdesign que apresentava o ID Cinquecento como um micro-monovolume com um aspeto muito coerente e bem acabado, mas com um visual completamente diferente do Cinquecento. Todas as formas eram bem menos angulosas do que o citadino da Fiat.

Talvez por isso, a Fiat não lhe tenha dado mais importância do que deu a todos os outros projetos, que viria a ignorar por completo, como se comprovaria nos anos seguintes, em que nenhuma das propostas de variantes do Cinquecento teve seguimento.

E acabou como o Matiz

Mas o ID Cinquecento não morreu no dia em que foi mostrado em Turim, como as outras variantes do citadino da Fiat. No ano seguinte, a Italdesign evoluiu o conceito para uma frente de faróis redondos e deu-lhe o nome Lucciola, passando para o catálogo das propostas de novos modelos, à espera de cliente.

E, por mais estranho que possa parecer, acabou por ser a GM a comprar o projeto, através da Chevrolet. Contudo, o micro-monovolume não chegou a todos os mercados com a marca do laço dourado na grelha. O novo citadino foi lançado na Europa com a marca Daewoo, que a GM tinha adquirido na Coreia do Sul. Nasceu assim o Daewoo Matiz, que mais tarde seria rebatizado Chevrolet Matiz, quando a marca Coreana deixou de operar nos mercados externos.

Conclusão

Casos como o do Matiz não são raros, mas dificilmente chegam ao conhecimento público, como aconteceu dessa vez. Geralmente, este tipo de negociações são feitas com maior discrição, longe dos holofotes, de forma a não deixar nenhuma das partes envolvidas mal-vista.

Para a GM, o Matiz foi um produto com uma carreira comercial interessante, que se adaptou muito bem à sua era. Mas como teria sido se a Fiat lhe tivesse dado atenção e o tivesse construído, em vez da GM? Teria sido um sucesso igual, maior ou menor?

A verdade é que a marca italiana acabaria por entrar neste segmento, com a segunda geração do Panda que teve também um excelente sucesso, de tal modo que a sua configuração de micro-monovolume dura até aos nossos dias.

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