Já lhe aconteceu ir ao porta-luvas, à procura do manual do proprietário para tirar uma dúvida e encontrar lá apenas um guia do utilizador, que não lhe dá a resposta que queria? Foi o que me aconteceu há pouco tempo e percebi que os manuais, como os conhecíamos, estão a desaparecer, estão a migrar para outro lado.
Em tempos, eram autênticos manuais de mecânica, que ensinavam os proprietários a fazer a manutenção básica do seu automóvel e mesmo algumas operações que não eram assim tão básicas. Depois, tornaram-se em meros índices para saber as funções de cada botão do tablier, ou como encaixar o macaco para mudar uma roda. Os manuais do proprietário passaram por muitas fases, mas agora estão a desaparecer, migrando do porta-luvas para outro lugar.

A evolução dos manuais

Até ao início dos anos setenta, os manuais do proprietário eram essenciais para quem comprava um carro, novo ou usado. Era sempre uma preocupação, saber se o carro que se estava a comprar em segunda mão vinha ou não com o “manual de instruções” como também era conhecido. E a razão era simples, muitos deles ensinavam o dono do carro a fazer operações de manutenção básicas mas fundamentais, para manter a fiabilidade da mecânica. Lubrificação das dobradiças das portas e outros componentes é apenas um dos exemplos. Mas também lá vinha a explicação da melhor maneira de “cruzar” os pneus, trocando-os em “X” a meio da sua vida, para durarem mais quilómetros. Ou os esquemas de como e onde se devia montar o macaco, para mudar uma roda em segurança. Coisa que, nessa altura, não era tão pouco frequente como hoje.

Quem dominasse um manual de instruções, era considerado um condutor cuidadoso

Alguns manuais eram autênticos livros didáticos de mecânica prática, chegando a ensinar todos os procedimentos para mudar o óleo e o filtro do motor. Uma tarefa impensável de ser feita pela maioria dos condutores, nos nossos dias. Depois lá vinha a indicação das pressões dos pneus e a localização de todos os bocais para atestar os fluídos necessários ao bom funcionamento do carro. Quem dominasse um manual de instruções, era considerado um condutor cuidadoso com a mecânica do seu carro, alguém a quem se poderia comprar um carro usado com toda a confiança.
Em muitos países, a lei passou a obrigar o fabricante a entregar um manual do proprietário juntamente com cada carro novo, para o condutor se poder “desenrascar”, tanto mais que as redes de assistência estavam longe de cobrir o território com tanta eficiência como hoje; e as oficinas independentes nem sempre eram de fiar. Encontrar um mecânico de confiança era uma demanda que obrigava a perguntar aos amigos por um e nem sempre o resultado era o melhor. Mas, em relação a isso, as coisas não mudaram assim tanto…

Já foram fáceis de ler

Apesar do papel insubstituível que tinha um manual de instruções, a verdade é que se tratavam de livros pequenos e com relativamente poucas páginas. Os carros eram simples, os manuais, também. Mas depois começaram a chegar os dispositivos eletrónicos.
Assim que os automóveis passaram a vir equipados com autorádios específicos, de série, os manuais começaram a ficar mais grossos. Havia muita coisa nova para explicar, nada a ver com mecânica, mas com utilização de todas as funções disponíveis. E estou a falar apenas dos autorádios, pois quando surgiram os sistemas de navegação, o aumento de páginas tomou proporções incomportáveis. Não era raro ver um porta-luvas completamente cheio só com o manual, que rapidamente passou para o plural. Haver um tomo exclusivamente dedicado ao sistema de informação e entretenimento, passou a ser uma regra.

Manuais XXL

De tal forma que foi preciso encontrar outros locais para guardar os novos manuais XXL. Em prateleiras especialmente concebidas para o efeito e escondidas sob a coluna de direção, ou numa gaveta sob os bancos da frente, ou então junto às ferramentas, sob o piso da mala, ou numa qualquer bolsa ou compartimento, nas paredes da mala. Em muitos casos, simplesmente dentro das bolsas das portas da frente.
Para os construtores, os manuais passaram a ser um problema. Já não era só a questão de os terem que traduzir para todas as línguas dos países onde os seus carros eram comercializados. Por vezes, em Portugal, alguns construtores facilitavam a mandavam dentro dos carros a versão do manual em espanhol, até serem obrigados por lei a fornecer uma versão em português.

Era perfeitamente impossível colocar por escrito, num livro de dimensões aceitáveis, todas as descrições e indicações

Mas havia outros problemas a resolver, como manter os manuais atualizados, numa altura em que muitos dos sistemas do carro estavam em constante evolução. Fazer adendas passou a ser comum, bem como manuais complementares, por exemplo para as versões desportivas de um dado modelo.
Quando começaram a chegar ao mercado os sistemas eletrónicos de auxílio à condução, as compatibilidades com smartphones e a ligação à Internet, os manuais deixaram de ter capacidade de resposta. Era perfeitamente impossível colocar por escrito, num livro de dimensões aceitáveis, todas as descrições e indicações de funcionamento de todos os sistemas a bordo. Aparecerem os folhetos de consulta rápida, só com o essencial de alguns dos sistemas mais novos e desconhecidos do condutor comum.
Os manuais, começaram então a migar.No princípio para dentro dos próprios sistemas de infotainment, onde podem ser consultados, desde que não seja para perceber a razão do sistema de infotainment não estar a funcionar… Depois passaram mesmo para os sites das marcas na Internet, onde podem ser consultados através dum smartphone, desde que no cimo da serra haja rede, quando alguma coisa no carro deixa de funcionar.

Estão a desaparecer

Os manuais começaram assim a ficar outra vez mais pequenos e mudaram de nome para “guias” do proprietário. Trazem apenas a informação essencial para utilizar as funções mais necessárias num carro, em tudo o resto, os guias remetem para a consulta do manual no tal site da marca, por exemplo.
Conhecida que é a aversão de muitos condutores em folhear um manual convencional, a consulta online acaba por ser a maneira mais prática de tirar alguma dúvida sobre a utilização do carro. Além de que representa mais uma economia não desprezável para os construtores de automóveis, pois a redação, tradução e produção de um manual de centenas de páginas é um custo a ter em conta, sobretudo para uma “obra literária” que raramente será lida.

Conclusão

Por isso, já sabe, se for à procura de alguma coisa no manual do proprietário do seu novo carro e não encontrar, leia com atenção as páginas iniciais e nelas vai encontrar o endereço do site da internet onde pode encontrar o manual do proprietário em versão completa.
Foi isso que fiz para tirar uma dúvida sobre um carro que estava a testar e encontrei o manual do proprietário, com nada menos do que 848 (!) páginas e mais três outros manuais temáticos: sistema de som, sistema de navegação e condução off-road, todos com centenas de páginas. No digital, não há limites.