É como aqueles heróis dos filmes de guerra americanos: o veterano que nunca deixou a tropa. O Wrangler nasceu como veículo militar na segunda grande guerra, depois foi reconvertido para a vida civil, mas a tropa nunca lhe saíu do coração. Como é viver com esta personagem?…

Um verdadeiro Jeep

Quando chegou a altura de lançar esta nova geração do Wrangler a Jeep não inventou um novo guião e manteve-o fiél ao original chassis de longarinas e travessas, com dois robustos eixos rígidos. É táo genuíno como o primeiro Willys, e isso é o mais importante para a imagem deste modelo, que é a bandeira da marca. Num mercado atulhado de SUVs, o Wrangler até pode concorrer com aqueles do seu tamanho, mas não cede um mílimetro a ideias modernas. Enquanto o Wrangler for autêntico, a Jeep pode continuar a dizer que faz o todo-o-terreno mais robusto e verdadeiro. E mais importante que isso: que todos os seus outros modelos pertencem à mesma família. É o marketing a trabalhar.

Viver na tropa?

Mas como é guiar e conviver, hoje, com o novo Wrangler na versão Unlimited Sahara 2.2 CRD?…
Desde logo é conviver com um estilo nostálgico que pouco mudou ao longo dos anos. Um “puro e duro” para o qual não é possível olhar sem uma certa reverência. Este é um TT que não engana: não promete nada que não possa cumprir. Não apregoa ser o que não é.
Grande, com habitáculo lá em cima, desta vez os estribos e as pegas nos pilares do para-brisas não são só para o estilo, são mesmo úteis para içar o corpo. Mas cuidado, para o excesso de entusiamo não fazer bater com a cabeça no tejadilho, fala a experiência…

O fisco acha que é uma pick-up…

A roda suplente está pendurada na porta de mala (e tem lá a câmara traseira) que se abre em duas metades, a de baixo para o lado, e o vidro para cima. A mala é razoável, tem um fundo falso mas não tem chapeleira e há uma divisória rígida para o habitáculo, que não se pode tirar. Para não custar (ainda) mais, esta é a maneira de o fisco português aceitar considerar esta versão Unlimited de quatro portas uma “pick-up” de cabine dupla. Portanto, o rebatimento dos bancos traseiros não abre o acesso à mala.

Há ferramentas para quem se quiser armar em MacGyver, e até pode desmontar as quatro portas e rebater o para brisas para cima do capót, como nos velhos tempos.

Bem pintado e com os painéis bem montados, esta Wrangler de quatro portas até parece um SUV civilizado. Mas a verdade é que o tejadilho é feito de três peças de fibra que se podem retirar: duas metades sobre os bancos da frente e depois toda a parte traseira, incluíndo os vidros laterais. Há ferramentas para quem se quiser armar em MacGyver e até pode desmontar as quatro portas e rebater o para brisas para cima do capót, como nos velhos tempos. Com a diferença que, nessa configuração fica à vista o robusto arco de segurança que percorre todas as arestas e que forma a verdadeira estrutura superior do Wrangler.

Pequeno por dentro

Grande por fora, mas relativamente pequeno por dentro. Este completo arco de segurança não é a maneira mais eficiente de aproveitar o espaço interior, que surpreende por ser tão acanhado, tendo em conta os 4,882 m deste Unlimited. A qualidade dos materiais é média, para ser simpático, fica dentro do tal espírito do “lavar e durar”. Depois lá está o renovado tablier, com um razoável sistema de infotainment, um painel de instrumentos clássico, botões bem grandes para a climatização e as típicas duas alavancas na consola: uma para a caixa automática de oito e outra para escolher as posições da transmissão: 2H, 4H, 4L. Na primeira fica com tração atrás, na segunda pode ficar com 4×4 automático, gerido pelo novo diferencial central, ou com ele bloqueado e depois tem as redutoras no 4L, hoje tão raras.

Motor Diesel 2.2

O motor é o 2.2 CRD usado por muitos outros modelos da FCA, como o Giulia, aqui com 200 cv e 450 Nm. Porque a insonorização é impossível de ser bem feita num carro com uma estrutura tipo “Lego” como esta, o som do motor Diesel entra pelo habitáculo logo no arranque. A parte boa, é que deixa bem claro o excelente funcionamento da caixa automática que, em D, faz as reduções certas nas travagens. A resposta do conjunto motor/caixa é mais que suficiente para dar ao Wrangler uma boa agilidade no meio do trânsito.

O Wrangler nunca anda sossegado: há sempre um oscilar da carroçaria, como num pequeno barco a atravessar um rio.

A posição de condução, muito alta, dá a esperada visibilidade desafogada para todas as direções, o pequeno raio de viragem facilita as manobras e o conjunto suspensão/pneus passa sobre pisos estragados como se fossem bons. Só falta um apoio para o pé esquerdo.
Mas nem tudo é civilizado. A suspensão e o chassis separado não deixam o Wrangler andar sossegado: há sempre um oscilar da carroçaria, como num pequeno barco a atravessar um rio. E a direção é muito indirecta e imprecisa, obrigando a constantes correções de trajetória que nunca são feitas com movimentos pequenos. Mesmo em autoestrada, o Wrangler exige sempre duas mãos bem agarradas ao volante, mais ainda se estiver vento lateral. Nestes terrenos, os ruídos aerodinâmicos chegam de todo o lado, antes dos 120 km/h, abafando a performance do bom sistema de som. É preciso um certo “espírito”, para aturar isto!

Off Road: estamos em “casa”

Optar por uma estrada secundária, para não pagar Classe 2 nas portagens, mostra que a dinâmica do Wrangler não foi feita para grandes curvas. Devagar, até tem o seu charme, como se estivesse a guiar um clássico, mais depressa aparece muita inclinação lateral, muita imprecisão do eixo da frente e o ESP a entrar constantemente em cena. Tudo isto, incentiva a guiar mais devagar e a apreciar o cenário, talvez à procura de um caminho de terra, onde o Wrangler mostra total à vontade. Mesmo não se tratando da versão Rubicon – que tem pneus off-road, barra estabilizadora dianteira desconectável, eixos mais robustos e uma transmissão com relações mais curtas, além de bloqueio dos diferenciais dianteiro e traseiro – este Sahara, que é a versão mais estradista, não tem medo de alguns obstáculos mais difíceis. As redutoras mostram aqui a sua enorme vantagem, bem como os bons ângulos e a generosa altura ao solo. A palavra de ordem é facilidade. A não ser que se trate de um percurso para profissionais, o Wrangler progride sem esforço e sem exigir certificação de condutor TT experimentado. A caixa automática está bem calibrada também para isto.

Conclusão

No final do teste, o consumo médio marcava 9,1 l/100 km, numa condução tranquila sem grandes excessos. Não é um valor desajustado para um carro que pesa 2119 kg e aerodinâmica… modesta. A sua condução exige alguma habituação, mais em auto-estrada que em cidade, onde a câmara traseira (de boa definição) dá uma ajuda. O Wrangler Unlimited Sahara está longe de ser tão refinado como outros SUV do mesmo tamanho, sobretudo porque não é barato e porque lhe faltam ajudas eletrónicas à condução. Mas, para quem goste do conceito Wrangler, até o pode usar no dia-a-dia sem ser preciso ser um apaixonado da condução fora de estrada, ou sequer ter ido à tropa.
Potência: 200 cv
Preço: 70 848 euros
Veredicto: 3,5 (0 a 5)