07/06/2019. Falsidades? Traições? A Fiat fartou-se das indecisões francesas e rompeu uma relação que nem tinha começado. Agora voltou outra vez ao Tinder.

 

Não sou fã de séries de televisão. Mas vi o primeiro episódio, e achei interessante. Passada uma semana, eis que o guião dá uma reviravolta e o segundo episódio é ainda melhor. Tenho a certeza de que o terceiro episódio vai voltar a exceder as minhas expetativas e manter o suspense até ao final da temporada.

Refiro-me ao caso da fusão da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) com o Grupo Renault, anunciado na semana passada como um convite endereçado pelos Italianos aos Franceses e de que me ocupei, com óbvio entusiasmo, na “Crónica à 6ª feira” da semana passada.

Reviravolta na fusão

Pensava eu – e muita gente – que o negócio tinhas pernas para andar, que as condições estavam reunidas para uma concretização demorada, porque mete políticos e japoneses, mas que iria ser feita. Errado!…

A FCA acabou de bater com a porta com tanto estrondo que os ouvidos dos seus interlocutores ainda devem estar a zunir. Segundo o comunicado que emitiu, a culpa desta separação antes do casamento é das “condições políticas” do lado dos franceses.

Esta efervescência dos italianos, tão pouco tempo após o assunto ter sido tornado público, terá como causa o pedido de adiamento da decisão final por parte do governo francês, que detém 15 % do Grupo Renault.

Nissan com ciúmes da Fiat

Segundo os emissários de Macron, era preciso acalmar e explicar bem aos seus parceiros japoneses da Aliança, (a Nissan, não a Mitsubishi) o que se iria passar. Ou seja, surgiu um ataque de ciúmes de última hora, neste triângulo.

A Nissan, que tem 15% das ações da Renault, menos do que as 43,4% que a Renault tem da Nissan, temia ficar numa posição mais enfraquecida, se o negócio com a FCA fosse para a frente e retirou o seu apoio, depois de numa primeira fase ter dito que não se opunha. E queria garantias.

Na verdade, toda a gente queria garantias. Macron também queria garantias de que a nova empresa FCA/Renault não lhe iria fechar fábricas, colocar gente no desemprego e mais coletes amarelos nas ruas.

Numa primeira fase, parecia que essas garantias tinham sido dadas, mas ficou evidente que não foram levadas muito a sério. Na verdade, quando se faz uma fusão e se quer ganhar uma fortuna em sinergias, estão sempre subjacentes cortes de pessoal… é o clássico! Por isso as indecisões francesas voltaram.

Negociação e especulação

Da negociação, há muita especulação e pouca informação. O que é verdade é que já duravam há alguns meses, por isso a aparente impaciência da FCA não tinha propriamente uma semana de idade.

Os homens da Fiat começaram a perceber que o TGV nunca mais iria arrancar da estação e eles estão com pressa em seguir caminho e ir ter com alguém.

O governo francês, perante este reação que não esperava, disse que ainda tem esperança em convencer a Nissan e voltar à mesa de negociações com a FCA.

O jogo da Bolsa deu dinheiro

No entretanto, algumas fortunas engordaram, as daqueles que decidiram vender as ações que tinham do Grupo Renault e da FCA, após a escalada que tiveram em bolsa no dia a seguir ao anúncio da possível fusão. Claro que agora já desceram outra vez, mas a bolsa é isso mesmo: um jogo.

Marchionne e o Tinder

Estive presente em algumas das famosas conferências de imprensa que Sergio Marchionne dava durante o salão de Genebra e, nos últimos anos, o falecido líder da FCA usava a sua eloquência para mostrar a urgência de juntar a FCA a outro grupo, por uma questão de sobrevivência.

Admitiu abertamente conversas com a GM, fez a corte à VW e, muito mais recentemente, a FCA esteve em conversações com a PSA numa espécie de Tinder da indústria automóvel.

Conclusão

Agora que o “caso” com o grupo Renault terminou antes de começar, arrisco-me a “adivinhar” o guião do terceiro episódio desta série. E começa assim.

Com o seu grande rival Carlos Goshn em KO técnico, a contas com a implacável justiça japonesa; e com a FCA pronta a entrar numa união de facto o mais rapidamente possível, o grande líder da indústria automóvel, Carlos Tavares, dá asas à sua ambição de poder absoluto.

Aproveita as condições que se tornaram perfeitas para negociar numa posição de clara vantagem e lança uma oferta de compra das marcas da FCA para aumentar o portefólio da sua PSA. Aguardemos as cenas do próximo episódio…
Francisco Mota