31/05/2019 A julgar pelos comunicados desta semana, até parece a história da carochinha: a Fiat (FCA) a pedir a Renault em casamento. Mas nem tudo é o que parece…

 

Sergio Marchionne, o falecido CEO da FCA (Fiat Chrysler Automobiles), passou vários anos a dizer que a indústria automóvel tinha que fazer o mesmo que a indústria informática e partilhar cada vez mais componentes.

Chegou ao limite de afirmar que, para diferenciar dois modelos de duas marcas diferentes, bastava o estilo e o marketing, tudo o resto, que não se via, podia (e devia) ser partilhado, incluindo motores e plataformas.

Como é óbvio, nem toda a gente gostou desta visão redutora do futuro. Talvez porque a indústria automóvel é centenária e está ainda muito presa à sua história, ao contrário da indústria informática, que não tem verdadeiramente uma história.

Os novos três grandes

No entanto, Marchionne nem sequer foi o primeiro a falar de fusões entre fabricantes de automóveis. Muito antes dele já outros visionários tinham previsto a redução das dezenas de construtores a três grandes grupos: um Norte-Americano, um Europeu e um Japonês.

Só que esta teoria dos “novos três grandes”, não contava com a explosão que está a acontecer na China há alguns anos.
O assustador crescimento da China como potência automóvel reduz tudo o resto a um grau de relativa irrelevância.

Por enquanto, fora das fronteiras do país, ainda não se nota muito. O mercado interno é tão grande e a taxa de motorização tão baixa que há espaço para várias centenas de construtores de veículos nascerem e se expandirem.

Na verdade, o território é tão grande que a maioria das marcas são locais, nem sequer vendem os seus produtos em toda a China. Pelo que consegui saber há pouco tempo, a contagem das marcas de veículos registadas na China aproxima-se do meio milhar. Mas ninguém tem a certeza.

E os elétricos ajudam

O fenómeno dos veículos elétricos tem ajudado a esta expansão, pois o Estado aponta no sentido da eletrificação, numa tentativa de despoluir o seu crescente número de megacidades, localidades com mais de dez milhões de habitantes.

Por isso se diz que nenhuma marca que queira sobreviver pode ignorar o mercado da China, apesar dos obstáculos colocados pelas entidades estatais à entrada de investidores estrangeiros.

No meio deste cenário, a fusão entre a FCA e o Grupo Renault parece insignificante, uma medida desesperada para evitar uma calamidade. Será assim?…

O terceiro grupo mundial

Na verdade, não é. A Toyota e a VW continuam a ser os maiores fabricantes mundiais de automóveis, disputando a liderança em torno dos 10 milhões de carros produzidos por ano.

Segundo as contas apresentadas no comunicado em que a FCA convida publicamente o Grupo Renault (Renault, Alpine, Renault-Samsung, Dacia e Lada) a fazer uma fusão de iguais, o potencial do novo grupo seria de atingir os 8,7 milhões de carros por ano, colocando-se como o terceiro maior grupo do mundo.

Qual o interesse desta fusão? Diz a FCA que é para aproveitar os efeitos de escala, tanto nas compras de peças e componentes, como na pesquisa e desenvolvimento. A FCA acredita que assim se conseguiria poupar algo como cinco mil milhões de euros por ano.

Vantagens para todos

Mas há mais vantagens. Para a Renault seria o acesso ao mercado dos EUA, um objetivo de há muito tempo, que nunca foi devidamente concretizado.

Para a FCA, seria o acesso a tecnologia de carros elétricos, podendo assim deixar de comprar créditos de CO2 à Tesla.

Contudo, o negócio, que ainda não está fechado, pois, oficialmente, a Renault apenas respondeu que iria analisar a proposta, surgiu apenas porque a Nissan, com a qual o Grupo Renault tem uma Aliança há vinte anos, terá recusado uma fusão com a Renault.

Se a teia em que Carlos Ghosn se viu envolvido com a justiça japonesa é causa ou efeito dessa tentativa de fusão franco-nipónica, ainda estamos para ver.

O que ficou claro é que a liderança atual da Nissan não quer a fusão, talvez por estar a passar uma fase menos boa, que lhe retiraria poder negocial. Ou simplesmente por uma questão cultural japonesa, dizem alguns.

Nissan aplaude

Com esta fusão Renault-FCA, essa questão fica para já adiada e parece ter libertado a pressão aos líderes da Nissan, que aplaudiram a iniciativa da FCA e que nem sequer afastam a hipótese de um dia vir a fazer parte dela.

Uma das partes ouvidas no processo foi o governo francês, que detém 25% da Renault. A grande preocupação de Macron foi garantir que esta fusão não vai obrigar a fechar fábricas em França e a mandar franceses para o desemprego. Para já, isso foi-lhe garantido.

Se houver fábricas a fechar, o mais provável é que sejam unidades da FCA em Itália, algumas das quais estão a trabalhar a meio gás há muito tempo.

Claro que o governo Italiano também foi ouvido, mas quem manda mais na FCA ainda é a família Agnelli, que detém 29% da companhia e garantiu que não vai criar desemprego.

Já estava tudo cozinhado!

Ao que se sabe, o negócio entre a FCA e o Grupo Renault tem vindo a ser “cozinhado” entre o CEO da FCA, John Elkann e o CEO do Grupo Renault, Jean-Dominique Senard há várias semanas e um rascunho detalhado do negócio já terá sido feito.

Mas então porquê este pedido público de casamento da FCA ao Grupo Renault, que mais parece a história da carochinha?…

Conclusão

Carlos Tavares também procura mais marcas para comprar, falando-se com insistência na Jaguar Land Rover como um doa alvos prováveis. Os indianos da Tata poderiam estar interessados em vender, depois de muitos anos a injetar dinheiro, sem que os resultados sejam brilhantes.

O português, talvez frustrado por não ter sido ele a chegar a um acordo com uma das marcas do futuro grupo FCA/Renault, já disse o óbvio, que o anúncio público só serviu para inflacionar as ações da FCA e do Grupo Renault, que foi exatamente o que aconteceu.

No dia em que o comunicado foi emitido: as ações da Renault subiram 12% na bolsa e as da FCA subiram 8%. “Um dia impensável”, disse John Elkann. Mas não terá sido o último. Esta história terá seguramente mais capítulos, apesar de não se esperar que se arraste muito no tempo, até para não perder o efeito especulativo, essencial para o negócio.
Francisco Mota

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